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The Economist: Como deve ser a negociação do Ocidente com Putin

Agressão da Rússia à Ucrânia e as reuniões desta semana são uma oportunidade de se melhorar a segurança da Europa

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Por The Economist
Atualização:

Normalmente é um mau sinal quando uma negociação começa com um dos lados sacando uma arma. E assim deverá se provar o encontro entre diplomatas da Rússia, apoiados por 100 mil soldados posicionados para invadir a Ucrânia, e seus colegas americanos e europeus. Em jogo está o futuro de um país que se considera cada vez mais parte do Ocidente, assim como o papel dos EUA como alicerce da segurança europeia. Conforme a crise caminha para um desfecho, cresce o risco de erro de cálculo.

Vladimir Putin usa binóculopara acompanhar treinamento militar conjunto com Belarus. Foto: Sergei Savostyanov, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP (13/09/2021)

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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, já anunciou suas exigências nas negociações entre seu país e os EUA, que serão iniciadas amanhã, em Genebra, transferidas dois dias depois para Bruxelas, ao Conselho Otan-Rússia, e concluídas na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, na quinta-feira. Putin quer que a Otan desista de qualquer expansão – em toda parte, não apenas na Ucrânia e na Geórgia, ex-repúblicas soviéticas. 

Os EUA deverão deixar de proteger seus aliados com armas nucleares e mísseis de curto e médio alcances. E a Rússia quer, efetivamente, um veto ao acionamento de tropas e exercícios militares nas regiões orientais do território da Otan e a respeito de cooperações militares com todas as ex-repúblicas soviéticas.

Muitas dessas exigências são tão extravagantes e nocivas à segurança da Europa que podem, na verdade, ser um ultimato destinado a ser rejeitado, criando um pretexto para outra invasão à Ucrânia. Se Putin estiver realmente inclinado em ir à guerra, ele irá. Mas uma diplomacia robusta ainda poderia fazê-lo refletir e ajudar a impedir a prolongada deterioração nas relações entre Rússia e Ocidente. Mesmo se as negociações fracassarem, a Otan poderia emergir mais forte, mais unida e com mais claridade a respeito da ameaça que enfrenta.

Não tenha dúvidas de que foi Putin que provocou a crise. Talvez ele queira que a Ucrânia fracasse porque, se o país se tornar uma democracia próspera, representaria uma contradição ao seu argumento de que os valores ocidentais não funcionam na eslava e ortodoxa Rússia. 

Ele pode também ter a intenção de dividir e enfraquecer a Otan, assim como criar um inimigo externo para justificar a repressão em seu país – como no caso do Memorial, um grupo de defesa de direitos civis que foi fechado pouco antes da virada do ano, sob a alardeada acusação de ser um “agente estrangeiro”. 

E Putin veio a se arrepender dos acordos de segurança que a Rússia assinou deliberadamente depois da Guerra Fria. Hoje, acredita ele, a Rússia está mais forte e os EUA, em declínio e distraídos pelo desafio da China. Seja qual for a razão, Putin parece ter pressa em estabelecer seu legado renovando a esfera de influência da Rússia.

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Militares da Ucrânia caminham portrincheira na linha de frente de batalha contra separatistas apoiados pela Rússia perto de Avdiivka, Donetsk, sudeste da Ucrânia Foto: Anatolii Stepanov/AFP

Alguns fatores operam a seu favor. Putin detém a vantagem do agressor, controlando o cronograma e a dimensão do ataque, se houver algum. Todos sabem que a Ucrânia é mais importante para ele do que para qualquer outro país da Otan, o que significa que o Ocidente não mandará tropas para defendê-la.

Mas nem tudo vai de acordo com sua vontade. A Ucrânia é tão populosa quanto o Iraque. Apesar de as forças russas serem capazes de derrotar a Ucrânia em batalha, ocupar regiões do país cobraria um preço elevado, especialmente se os ucranianos organizarem uma insurgência. E o Casaquistão, na fronteira sul da Rússia, pediu ajuda a Putin para esmagar um levante popular – ao mesmo tempo uma distração e uma prova constrangedora de sua disposição em oprimir. 

Por essas razões, ele poderá ter de conter suas ambições e, digamos, se contentar em tomar enclaves em torno de Donetsk – que já são controlados por rebeldes apoiados pela Rússia – ou estabelecer uma ligação terrestre até a Crimeia, que ele anexou em 2014. Suas dúvidas a respeito de quão longe chegar podem ser especuladas.

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O outro problema de Putin é que sua agressão uniu a Otan e deu à aliança um novo propósito. O ultimato dele, combinado com sua disposição de ver os preços do gás russo subirem na Europa, em 2021, deixou sem chão aqueles que defendiam relações mais próximas com o Kremlin. Os EUA ajudaram a galvanizar os europeus, compartilhando informações de inteligência detalhadas a respeito do número de soldados concentrando-se nas proximidades da fronteira ucraniana.

O Ocidente deveria ter dois objetivos nas negociações da próxima semana: impedir a guerra na Ucrânia, se possível, e melhorar a segurança da Europa. Impedir uma invasão russa envolve a ameaça de severas sanções econômicas, assim como ajuda e armamento de defesa para ajudar a tornar a Ucrânia indigesta. Ao mesmo tempo, o Ocidente pode buscar tranquilizar Putin, declarando claramente que, apesar de a Rússia não possuir nenhum veto formal a respeito de que país pode integrar a Otan, Ucrânia e Geórgia não se tornarão membros.

Militares da Ucrâniana linha de frente contra separatistas, em Donetsk; tensão na região é risco para toda a Europa Foto: Anatolii Stepanov/AFP

Se realizado de maneira correta, o segundo objetivo, de melhorar a segurança na Europa, também poderá reduzir as tensões em relação à Ucrânia. Apesar de algumas exigências russas poderem deixar a Europa vulnerável, outras podem vir a ser a base de negociações que beneficiariam ambos os lados. Imagine um acordo regional a respeito do acionamento de mísseis ou medidas de construção de confiança para tornar exercícios militares menos ameaçadores. Não faltam assuntos a discutir, do Ártico à segurança cibernética, passando pelas novas tecnologias de mísseis. As negociações poderiam se estender, tamanha a desconfiança entre as partes, mas isso pode não ser ruim, pois elas poderiam se transformar num útil debate.

A questão não é se negociações desse tipo são possíveis – elas são claramente de interesse da Rússia –, mas, em vez disso, se Putin realmente as quer. Ele se comportou com frequência como se a segurança da Rússia dependesse de fazer o Ocidente se sentir menos seguro. Contudo, negociações enalteceriam seu status como líder mundial. Ao delimitar os domínios da competição militar, as negociações também poderão ajudar Putin a aceitar o fato de que a Rússia não chega nem perto de se equiparar aos recursos combinados do Ocidente.

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As profundas dúvidas a respeito das verdadeiras intenções de Putin significam que, mesmo se negociações forem iniciadas, a Otan precisa demonstrar que está preparada para defender seus membros. Os mais vulneráveis são os países bálticos. Depois que a Rússia tomou a Crimeia, as potências ocidentais da Otan começaram a acionar mais tropas no leste. 

Por causa das ameaças russas, preparações críveis para intensificar essas operações deveriam começar imediatamente. Mesmo que a Ucrânia não esteja prestes a se juntar à Otan, a Rússia está empurrando a Suécia e a Finlândia para a aliança. A Otan deveria estar pronta para acolhê-las. Nesse processo, os EUA deveriam garantir que pactos nunca sejam alcançados à revelia dos países europeus: este estilo é da Rússia.

Putin afirma que seu país está sob ameaça. Não está. A Otan é uma aliança de defesa. Mesmo depois da Crimeia, a Otan evitou colocar permanentemente forças de combate no leste da Europa. A verdadeira ameaça é Putin. Quando ele faz suas exigências enquanto aponta uma arma, isso deveria fortalecer a determinação tanto do Ocidente quanto dos resilientes ucranianos de resistir a ele e dissuadi-lo. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL