Ela pode ser chamada de União Europeia, mas com frequência enfrentou dificuldades para fazer jus a este nome. Não nas semanas recentes. Desde que teve início a invasão russa à Ucrânia, em 24 de fevereiro, os 27 Estados-membros da UE agiram como um só. Coesa em seus objetivos e coordenada em suas ações, a Europa tem frutificado em seu novo papel como uma potência de primeiro nível. Ainda assim, os efeitos unificadores do impulso original estão começando a desvanecer. A exigência da Ucrânia de que a Europa faça muito mais para ajudá-la é um teste preliminar para a unidade do bloco à medida que a guerra se arrasta.
A velocidade e a determinação com as quais a Europa agiu inicialmente espantaram até os mais veteranos em Bruxelas. Crises anteriores – seja o miasma na zona do euro, uma década atrás, ou a resposta do bloco à covid-19 – mostraram que pode levar meses, talvez anos, para que a união opere efetivamente. A visão de bombas massacrando civis às portas do bloco, em contraste, chocou a UE e a fez agir.
Diferenças em ênfases persistem, o que é inevitável em um clube de democracias. Mas repetidas reuniões de líderes – a terceira em um mês foi realizada na quinta-feira com a presença do presidente americano, Joe Biden – resultaram em uma Europa que toma seguidas medidas decisivas.
Foram encontrados fundos para fornecer armas para a Ucrânia. Qualquer ucraniano em busca de abrigo na UE pode entrar. Talvez mais importante, duras sanções foram aplicadas quando a guerra irrompeu. Dado que EUA e Europa não estão dispostos a intervir militarmente, essas são as principais ferramentas. Poucos esperavam grande coisa, já que qualquer um dos 27 Estados-membros poderia ter vetado sanções.
A Europa chegou a um consenso, em vez de um acordo total, antes de mover-se adiante. A unidade foi forjada apesar de discordâncias a respeito do quanto amarrar a Rússia para isolá-la. Os “sancionistas” pressionaram por um embargo mais estrito, incluindo uma proibição às importações de petróleo e gás natural.
Saiba mais sobre as sanções impostas à Rússia
Países como a Polônia e os Estados bálticos preocupam-se com a possibilidade de serem os próximos a ser atacados pela Rússia; e afirmam que estariam dispostos a viver sob luz de velas se isso impedir o fluxo de dinheiro a Moscou. Países mais hesitantes, incluindo Alemanha e Itália, têm relutado em cortar o fornecimento de energia russa do qual dependem.
Em parte graças à indignação da opinião pública, o grupo hesitante se viu obrigado a apoiar medidas duras, que ninguém considerava factíveis – apesar de ainda não representarem um embargo da energia russa. Serguei Lavrov, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, admitiu esta semana que a magnitude das medidas surpreenderam o Kremlin.
No entanto, discórdias antigas persistem. A Polônia está pedindo um banimento total no comércio com a Rússia. A Alemanha continua se opondo firmemente. “Sanções não deveriam prejudicar os Estados europeus mais que a liderança russa”, afirmou o chanceler alemão, Olaf Scholz, na quarta-feira – como ocorre com frequência em debates da UE, outros países que concordam evitam expor publicamente seus argumentos. Uma sensação familiar de impasse agora persiste.
Como resultado, ucranianos que anteriormente louvavam os benefícios da unidade europeia passaram a questioná-la. “O que vimos no início da guerra foi a ascensão da UE como um poderoso jogador, capaz de ocasionar mudanças”, afirma Dmitro Kuleba, chanceler da Ucrânia. “O que vimos nos dez dias recentes na UE é um retorno à sua antiga normalidade, na qual o bloco é incapaz de decidir por ações fortes e ágeis.”
Kuleba, que falou com a Economist a partir de um local não revelado na Ucrânia, vê sinais iniciais de uma “fadiga a sanções” na Europa. Algumas das medidas decididas em acordo parecem menos eficazes, agora que brechas foram encontradas. O congelamento das reservas do Banco Central russo no exterior, por exemplo, foi moldado de maneira que permitiu à Rússia continuar cumprindo suas obrigações de dívida e afastou o calote técnico.
Há outros pontos de atrito. A Ucrânia solicitou sua adesão à UE. Países do leste tendem a permitir sua entrada no bloco. Mas membros fundadores, como França e Alemanha, insistiram que a UE ofereça apenas garantias vagas de que a Ucrânia pertence à “família europeia”.
Isolamento
A UE poderia ser forçada a impor mais sanções – se a Rússia usar, digamos, armas químicas ou cometer outros ultrajes em batalha. Estados-membros, e o bloco como um todo, estão se esforçando para enviar armas à Ucrânia – Kuleba, como esperado, quer mais quantidades e mais rapidamente.
Independentemente da maneira como a guerra evoluir, a situação de segurança na Europa tende a continuar tensa. Assim sendo, todos os lados se esforçam como podem para apaziguar brigas que poderiam azedar o ambiente de unidade.
Alguns precisarão de respostas prontamente. Mais de 3 milhões de ucranianos já buscaram refúgio na UE, por exemplo. Quase dois terços deles estão na Polônia, que tem tido dificuldade para lidar com a situação. Um fluxo menor de refugiados sírios e afegãos causou debates longos e ácidos em 2015. Desta vez, de qualquer modo, a Polônia receberá ajuda.
Outros desentendimentos estão emergindo. Muitos a respeito de dinheiro, agravados por sombrias perspectivas econômicas. A França está entre os que sugerem que o custo das sanções e de uma defesa mais forte deveriam ser financiados por um fundo conjunto similar ao que a UE levantou para lidar com a covid-19. No norte “frugal”, predomina o ceticismo. Em algum ponto, ocorrerá uma briga a respeito de quando reinstituir as regras de austeridade no orçamento da UE suspensas em razão da pandemia.
A Polônia está exigindo fundos da UE que foram congelados em razão de preocupações a respeito de o país ter minado seu Judiciário. Muitos países-membros preferem defender os princípios do “estado de direito”, com ou sem guerra.
Futuro
Políticas duradouras que pareciam definidas podem ser examinadas sob uma nova luz após a guerra. A Europa será capaz de cortar emissões de carbono tão rapidamente, dado o choque no fornecimento de energia ocasionado pela guerra? A França está afeita a avançar com sua ideia de “autonomia estratégica”, um conceito nebuloso que inclui a Europa depender menos da Otan para sua defesa. O Leste Europeu ainda considera a Otan – e, portanto, os EUA – a guardiã de suas fronteiras.
A frustração de Kuleba em razão de novas ondas de sanções europeias não serem previstas é compreensível. Mas os atuais desentendimentos no coração da UE refletem diferenças de opinião legítimas, não querelas sem sentido. O impulso de unidade da Europa conferiu ao continente uma relevância belicosa raramente vista. Em um mês de guerra, a UE serviu bem ao seu propósito. Mas agora deve se esforçar para fazer mais./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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