The Economist: Onde poderá haver conflitos em 2023?

Atente para Taiwan e o Mar do Sul da China — e para o Himalaia

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Por Dominic Ziegler*

CINGAPURA – O recente debate sobre uma nova guerra fria estar ou não transcorrendo na Ásia é menos relevante. Em 2023, tensões crescentes sublinharão como — apesar de todo o otimismo do início dos anos 90 a respeito do mundo estar se inclinando no sentido das noções ocidentais de uma ordem aberta e com base em regras — a Guerra Fria original nunca terminou na região. Assim como a guerra da Rússia na Ucrânia provou este ponto definitivamente na Europa em 2022, o ano que vem testemunhará a próxima reencenação da grande luta global entre o liberalismo político e a autocracia se desdobrar na Ásia.

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Aqui, a competição é entre Estados Unidos e China. Suas raízes remontam a décadas atrás, ao fim da 2.ª Guerra. A derrota do Japão em 1945 transformou os EUA dali adiante em uma superpotência na Ásia, permitiu aos americanos projetar força militar a partir do território de seu oponente derrotado, forjar acontecimentos na região. E também criou no Japão um posto avançado do Ocidente. Hoje, a novidade é que uma segunda superpotência, a China comunista, compete por supremacia na Ásia. Mas tensões atuais bebem de antigas fontes que medram da turbulência do pós-guerra no Leste da Ásia.

O exemplo maior tem a ver com Taiwan. Na visão de Pequim, a ilha é o último grande negócio inacabado na guerra civil que o Partido Comunista venceu no continente no fim dos anos 40. Os nacionalistas derrotados fugiram para Taiwan, que desde então foi apoiada pelos EUA e é atualmente uma democracia próspera e superpotência no campo dos semicondutores. Retomar Taiwan, para o partido, é um objetivo sagrado. Para uma China assertiva, Taiwan é essencial também para projetar poder por todo o Leste da Ásia e para o oeste do Pacífico.

Helicóptero automático voa durante apresentação da tecnologia de drones em Taiwan, em imagem do dia 15 de novembro. Tensões com a China este ano aumentam riscos de conflito na Ásia Foto: Walid Berrazeg / AP

Conforme o poder da China cresceu, sua belicosidade em relação a Taiwan também cresceu. O presidente Joe Biden declarou em diversas ocasiões que os EUA defenderão a ilha caso ela seja atacada. Essa mudança em relação à antiga política, de deixar a China tentando adivinhar as intenções dos EUA, preocupa muitos em Washington que temem que essa posição possa provocar a China a agir mais cedo em vez de esperar.

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Mesmo assim, ainda que a temperatura em torno de Taiwan deva aumentar em 2023, é improvável que a coisa ferva e se transforme em um conflito aberto. Um motivo é que o presidente Xi Jinping, que não é um jogador irresponsável como seu homólogo russo, Vladimir Putin, precisa de tempo para blindar a China contra os tipos de sanções e embargos econômicos que incapacitam a Rússia. Em conformidade, no próximo ano a China irá, em vez disso, testar a determinação dos EUA e seus aliados asiáticos no Mar do Sul da China (maior parte do qual é reivindicada por Pequim e onde os chineses construíram bases) e nas águas ao redor do Japão, país que critica cada vez mais as intenções chinesas. A China tende mais a provocar crise nas disputadas Ilhas Senkaku, do Japão, (chamadas Diaoyu pela China) do que em torno de Taiwan.

Outra ressaca da Guerra Fria é a Coreia do Norte, uma brutocracia dinástica protegida pela China. Em 2022, seu líder, Kim Jong-un, aferiu-se o direito de conduzir um ataque nuclear preventivo caso a Coreia do Norte se sinta ameaçada. Antes do fim de 2023, possivelmente bem antes, Kim ocasionará condenações ao explodir um artefato nuclear no sétimo teste atômico do país, o primeiro desde 2017. A ogiva será menor do que as detonadas anteriormente. Kim novamente sublinhará a escassez de opções do mundo em face a um governante despótico que China e Rússia ao seu lado e está preparado para deixar seu povo na miséria para investir em um programa de chantagem nuclear.

Imagem divulgada pelo governo da Coreia do Norte mostra teste de míssil intercontinental do dia 16 deste mês. Ameaças belicosas do país devem permanecer em 2023 Foto: Agência de Notícias da Coréia do Norte/via AP

Uma fronteira em disputa, de procedência ainda mais antiga, na Cordilheira do Himalaia possivelmente produzirá outro conflito na Ásia em 2023. A contenda em alta altitude entre China e Índia tem raiz nas enevoadas fronteiras desenhadas quando a Grã-Bretanha foi potência colonial da Índia. Uma guerra na fronteira irrompeu em 1962, da qual a Índia saiu derrotada. Em 2020, um confronto sangrento matou 24 soldados de ambos os lados. Nenhum dos países anseia essa guerra. Xi prefere se concentrar em Taiwan, enquanto o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, sabe que nas montanhas a Índia é inferior em armas. Mas novas estradas abertas em ambos os lados podem erodir as zonas-tampão que separam os Exércitos. Cálidas no passado, as relações pessoais entres os líderes gelaram gradualmente. Tudo isso arrisca que algum deslize ou acidente detone confrontos no Himalaia.

Enquanto isso, o conflito em Mianmar seguirá. Desde a independência pós-guerra, o país e seus muitos grupos étnicos jamais estiveram completamente em paz. A crueldade e a incompetência do Exército, que tomou o poder em um golpe de Estado sangrento, em fevereiro de 2021, continuarão alimentando um conflito generalizado, no qual milícias étnicas e a oposição democrática se agruparam para se opor à junta. Mas os generais são os donos das armas — e têm apoio da China. Nem chineses nem americanos querem Mianmar transformada num outro palco de competição entre grandes potências. Mesmo assim, a conflagração no país deverá durar anos.

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*Dominic Ziegler é autor da coluna Banyan, da The Economist

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