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The Economist: Peronismo vive seu pior momento na Argentina

O país tem um time de futebol poderoso, mas um partido decrépito no poder

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Por The Economist
Atualização:

Instalado em uma mansão neo-hispânica em Palermo, bairro nobre de Buenos Aires, capital da Argentina, o museu Evita Perón conta a história do nascimento do populismo latino-americano como um movimento de massas. Em imagens granuladas, Eva e Juan Perón se dirigem a multidões na Plaza de Mayo, a principal da cidade. Uma imagem mostra uma manifestação de trabalhadores em 17 de outubro de 1945 que garantiu a liberdade do Coronel Perón, que ele era então, após uma breve prisão – eventos que o levariam à vitória nas eleições presidenciais.

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Perón prometeu que “se colocaria a serviço completo do verdadeiro povo argentino”. Eva Perón insistiu: “Não quero nada para mim. Só quero ser o escudo de Perón e a bandeira do meu povo”. Em seu último discurso público antes de morrer de câncer aos 33 anos, ela declarou: “Sempre farei o que as pessoas dizem”.

Esses são os blocos de construção do populismo. Para começar, ele requer uma liderança carismática, à qual se deve lealdade absoluta. Também ajuda invocar a noção de um “povo verdadeiro” e de um inimigo que se opõe a ele – a “oligarquia” e os EUA no caso dos Peróns. Uma pitada de drama é adicionada à mistura; Eva é lembrada como uma vítima trágica. Combinado com isso estava seu compromisso com a justiça social: o dia de oito horas, aumentos salariais, férias pagas e esquemas de bem-estar.

Peronistas estendem bandeira com imagem de Juan Perón durante a comemoração do aniversário de 50 anos do retorno do ex-presidente do exílio Foto: Demian Alday Estévez / EFE - 17/11/2022

Foi uma fórmula de sucesso. Perón foi derrubado por um golpe militar em 1955. Mas o movimento que ele chamou de justicialismo e todos os outros chamam de peronismo, com muitas reviravoltas, dominou a vida política da Argentina desde então. Ainda está no poder, como esteve por 16 dos últimos 20 anos. E foi copiado, com vários graus de sucesso, em toda a América Latina.

No entanto, talvez o peronismo esteja agora em seu pior momento. A energia, graça e trabalho em equipe dos jogadores de futebol da Argentina não encontram eco em seu governo. Alberto Fernández, presidente da Argentina desde 2019, lidera um governo fraco, dividido e falido. O dia 17 de outubro, o Dia da Lealdade Peronista, nomeado em homenagem àquela manifestação de 1945, teve três comemorações rivais em 2022. Fernández não compareceu a nenhuma delas. Tampouco Cristina Fernández de Kirchner, vice-presidente e figura mais poderosa do peronismo desde a morte de seu marido, Néstor, em 2010. Fernández e a senhora Kirchner estão há meses sem se falar.

Cristina tem seus próprios problemas. Em 6 de dezembro, um tribunal federal a condenou por fraudar o Estado em contratos de obras públicas no valor de US$ 1 bilhão (R$ 5,4 bilhões) e impôs uma sentença de prisão de seis anos e desqualificação permanente para cargos públicos. Ela afirma que, assim como Evita, é uma vítima. Em seu caso, ela diz que uma “máfia judicial”, a mídia e Mauricio Macri, o presidente conservador entre 2015 e 2019, estão determinados a tirá-la da política.

Casais de poder perdem força

Outros observam que, enquanto eram políticos, ela e o marido acumularam uma fortuna de US$ 10 milhões (R$ 54 milhões), que ela declarou à agência anticorrupção ao deixar o cargo após oito anos como presidente em 2015. Ela diz que apelará do veredicto. Mas ela também surpreendeu seus seguidores ao dizer que não tentaria se candidatar nas eleições gerais de outubro de 2023. Isso pode ser uma artimanha. Mas também pode refletir a diminuição de seu apoio público.

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O peronismo também está sem ideias, como destaca a crise crônica econômica da Argentina. Macri tentou, mas não conseguiu, estabilizar a economia que herdou após uma década de gastos excessivos dos Kirchners. O governo de Fernández tentou apenas em parte. Ele forçou a aprovação de um empréstimo de US$ 44 bilhões (R$ R$ 238 bilhões) do FMI que é essencial para sustentar o peso, mas requer uma política monetária e fiscal mais rígida. Os aliados de Kirchner votaram contra o acordo do FMI, exigindo que o governo conte com a oposição. Ela bloqueou medidas para cortar subsídios indiscriminados para eletricidade, gás e transporte público que aumentam o déficit. Ela cedeu um pouco quando o peso despencou em julho, consentindo com a nomeação de Sergio Massa como ministro da Economia com um mandato para implementar o acordo do FMI.

Vice-presidente argentina Cristina Kirchner durante cerimônia de inauguração do Centro Esportivo Diego Maradona em Avellaneda, Buenos Aires Foto: Assessoria de imprensa de Cristina Kirchner / AFP - 27/12/2022

Hoje, a economia se mantém unida por uma bateria de controles de preços e câmbio. Ainda assim, a inflação estará próxima de 100% este ano, e no (tolerado) mercado negro o peso vale menos de um quarto do que valia há três anos. O governo vive de semana a semana. Cerca de 37% da população é pobre, contra 28% em 2011, de acordo com o Cedlas, um think-tank, usando uma linha de pobreza de 120 mil pesos por mês para uma família de quatro pessoas (US$ 698, R$ 3.787, na taxa de câmbio oficial ou US$ 381, R$ 2.067, no câmbio não oficial).

A decadência do Peronismo se confunde com a do país como um todo. “O Peronismo é obviamente o principal culpado pela situação da Argentina”, diz abertamente Eduardo Duhalde, ex-governador e presidente do movimento. “Hoje estamos no nosso pior momento.”

Em 1914, a Argentina era um dos dez países mais ricos do mundo, embora muito desigual. Em meados da década de 1970, ainda era um país predominantemente de classe média. Não mais. O último meio século assistiu a um declínio pontuado por recuperações temporárias. Na década de 1990, Carlos Menem, um presidente peronista, adotou políticas de livre mercado, mas uma taxa de câmbio fixa e supervalorizada, combinada com uma política fiscal frouxa, culminou no colapso econômico e financeiro em 2001. Um boom de commodities veio em socorro no governo dos Kirchners, até 2012. Então as distorções começaram.

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O problema é que o populismo gera expectativas que não consegue atender. Há duas consequências. O governo de Fernández, como vários de seus antecessores, se financia imprimindo dinheiro. A experiência faz com que os argentinos desconfiem do peso. Tudo isso gera inflação, que o governo mascara com taxas de câmbio múltiplas, oferecendo dólares baratos para importações selecionadas e discriminando as exportações. Um segundo problema é que ele protege interesses pessoais – como industriais não competitivos e barões sindicais – que recebem subsídios e privilégios inviáveis, levando a um déficit fiscal crônico.

O declínio econômico alterou a sociedade e forçou o peronismo a se adaptar. O próprio Perón era fã de Benito Mussolini, mas também do Partido Trabalhista britânico. Ele tinha uma veia pragmática. Ele forjou o peronismo a partir do fascismo, do movimento trabalhista, do conservadorismo católico dos patrões locais nas províncias atrasadas do norte e oeste da Argentina e das Forças Armadas – embora elas tenham se voltado contra ele.

Mas hoje a Argentina é muito diferente. É mais secular. Após os abusos da ditadura militar de 1976 a 1983, os governos civis reduziram o tamanho e o orçamento do Exército. E os sindicatos também estão mais fracos. Nos últimos 15 anos, quase toda a criação líquida de empregos ocorreu no setor informal, de acordo com Juan Luis Bour, da Fiel, um think-tank.

O peronismo sobreviveu organizando e representando a economia informal, por meio de movimentos sociais e de uma poderosa rede clientelista nas periferias mais pobres das cidades. Esses movimentos sociais agora estão divididos, com alguns apoiando Fernández, outros Kirchner e alguns líderes mais próximos do papa Francisco, que anteriormente era arcebispo de Buenos Aires e um simpatizante peronista de longa data.

O peronismo sempre sofreu com tensões internas. Loris Zanatta, um cientista político italiano que estuda o movimento, diz que sua ortodoxia permanente é o nacionalismo: “Não é um partido político comum, mas (em vez disso) encarna a essência da pátria”. Essa religião da pátria às vezes conviveu com uma vertente mais de esquerda. Fernández, por exemplo, se autodenomina social-democrata e promoveu uma lei para legalizar o aborto. Axel Kicillof, governador da província de Buenos Aires, é um herdeiro de Kirchner que mantém parte de seu esquerdismo original. O peronismo “luta pela igualdade de oportunidades em um país muito desigual”, diz. “A luta pela dignidade é muito importante.”

Manifestantes marcham pela avenida 9 de Julho, em Buenos Aires, sob painel de Eva Perón Foto: Victor R. Caivano/AP - 10/11/2022

Sob um líder poderoso, a amplitude do peronismo pode ser a força do movimento. Mas sob um líder fraco, pode ficar confuso. Cristina ainda tem a capacidade de mobilizar os pobres. Zanatta acha que ela quer conseguir apoio suficiente para permanecer na política se fazendo passar por uma vítima. “Ela está relembrando Evita e sua renúncia à candidatura a vice-presidente em 1951″, diz. Mas ela procurou dividir em vez de unir os argentinos. Massa representa uma terceira vertente, mais liberal, do Peronismo, que esteve no poder na década de 1990 sob Menem. À medida que o kirchnerismo diminui, essa vertente pode voltar. Mas alguns acham que o peronismo pode se dividir.

Assim como a inflação, movimento existe há muito tempo

O peronismo está tão profundamente entrelaçado na fibra nacional da Argentina que é difícil imaginá-lo desaparecendo. Sua qualidade religiosa enfatiza a emoção e a redenção. “Os peronistas podem cometer erros, mas temos que continuar sendo peronistas”, diz Sonia Manzoni, líder de uma pequena cooperativa produtora de mudas de plantas que faz parte do Movimiento Evita, um agrupamento social peronista, instalado em um antigo matagal ferroviário perto de Palermo.

No curto prazo, o declínio do peronismo sugere que a oposição de centro-direita vencerá a eleição no ano que vem, desde que supere suas próprias divisões internas e consiga vencer a concorrência de Javier Milei, um libertário popular entre os jovens. Alguns cientistas políticos acreditam que a oposição pode obter a maioria absoluta no Congresso, o que lhe permitiria impor as reformas econômicas radicais que Macri evitou. Além de cortar gastos para eliminar o déficit e unificar a taxa de câmbio, isso inclui enfrentar os interesses pessoais. Essas reformas poderiam restaurar a confiança no peso, atrair o retorno do capital e, eventualmente, estimular o crescimento.

Mas “as reformas têm muitos perdedores no curto prazo”, adverte Eduardo Levy Yeyati, economista que assessora a oposição.

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Para alguns, isso sugere que o próximo governo terá de construir uma ampla coalizão. Ele pode ter uma coisa a seu favor. “A crise em que estamos gera um consenso para a mudança que nos permitirá alcançar o que em outros períodos não seria possível”, diz Horacio Rodríguez Larreta, prefeito de Buenos Aires, e no papel, o candidato presidencial mais forte da oposição. O longo ciclo populista iniciado em 1945 pode estar chegando ao fim. | TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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