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The Economist: Petroleiras invadem a Venezuela, livre de sanções. Mas por quanto tempo?

Mas quanto tempo isso vai durar, levando em consideração o desprezo de Nicolás Maduro pela democracia?

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Por The Economist

O bar de um dos hotéis mais caros de Caracas, capital da Venezuela, está animado. Um grupo de empresários conversa em inglês em uma mesa. Do outro lado do saguão, outro grupo de visitantes acaba de chegar da Índia. “A semana está boa”, diz um garçom. “O pessoal do petróleo está de volta.”

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Os negociantes foram trazidos pela súbita suspensão das sanções americanas contra a Venezuela, país que abriga as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo. No dia 18 de outubro, o departamento do tesouro dos Estados Unidos anunciou a suspensão de quase todas as sanções contra o petróleo venezuelano, os setores bancário e da mineração. O relaxamento, inicialmente por seis meses, reconhece um acordo firmado por representantes do governo de Nicolás Maduro no dia anterior, em Barbados, com a oposição política. O acordo definiu algumas condições para a realização de eleições livres e justas no ano que vem.

A remoção da maioria das sanções de um só golpe marca o fim da estratégia anterior do governo americano, que envolvia um relaxamento progressivo das restrições. “As prioridades mudaram para todos nós”, explica um diplomata ocidental em Caracas. Os conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio renovaram o interesse no potencial da Venezuela de voltar a ser um importante fornecedor global de energia. Em setembro cerca de 50.000 venezuelanos chegaram à fronteira do México com os EUA, um número recorde. Os dois fatores levaram o governo do presidente Joe Biden a agir.

Imagem de 2007 mostra máquinas de extração de petróleo em Maracaibo, na Venezuela. Após anos de sanções, medidas relaxam e atividade econômica cresce no país Foto: Isaac Urrutia/Reuters

Como resultado, cidadãos e entidades dos EUA e praticamente de todo o resto do mundo, com a exceção do governo da Rússia e seus cidadãos, ficaram livres para negociar com a estatal venezuelana do petróleo, Petróleos de Venezuela SA (PDVSA). Algumas restrições às negociações com o banco central venezuelano foram suspensas. Uma proibição à negociação secundária de títulos do governo venezuelano também foi removida, fazendo seu preço disparar. A empresa estatal de mineração, Minerven, foi retirada das listas de exclusão. Mas embargos pessoais contra Maduro e mais de 110 pessoas seguem em efeito.

Faz tempo que o governo venezuelano culpa as sanções americanas pelo desastroso estado da economia venezuelana, distorcendo a realidade. Embora os EUA tenham começado a impor sanções à Venezuela na década de 2000, quando o predecessor de Maduro, Hugo Chávez, estava no comando, as medidas foram muito limitadas inicialmente, afetando cerca de vinte e cinco pessoas. Em 2017 o governo de Donald Trump, que àquela altura tinha incluído o regime de Maduro em uma “troica da tirania” ao lado de Cuba e Nicarágua, proibiu os americanos de negociar novos títulos da dívida emitidos pelo governo ou pela PDVSA.

Mas as sanções mais eficazes só foram impostas em 2019, aplicadas pouco depois de Maduro iniciar outro mandato de seis anos após uma eleição fraudulenta da qual a maioria de seus principais adversários foi impedida de participar. Centenas de pessoas e dezenas de empresas foram alvo de embargos. O objetivo das medidas, anunciadas enquanto os EUA reconheciam o líder eleito da assembleia nacional, Juan Guaidó, como verdadeiro presidente da Venezuela, era derrubar Maduro.

O plano fracassou. Maduro segue firme no poder. As pretensões de Guaidó à presidência esfriaram. Ele perdeu o apoio de muitos de seus ex-colegas em dezembro do ano passado, e agora vive exilado nos EUA. A tentativa falhou por várias razões. Uma delas foi o fato de o exército venezuelano, cuja liderança há muito se beneficia do clientelismo do regime, manteve-se leal ao presidente que já conhecia. Outra foi o fato de o conjunto das sanções, apesar de aparentemente rigoroso, foi facilmente burlado. Desde 2019 intermediários do México e do Oriente Médio ajudam a negociar o petróleo venezuelano, vendido geralmente a refinarias independentes na China por meio de revendedores na Malásia. Os navios recebiam sua carga no mar e desligavam seus rastreadores, ou até mudavam de nome para evitar a detecção. O petróleo era vendido no mercado negro a valores até 50% abaixo do preço global.

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Tal arranjo aproximou o governo Maduro de outros governos inimigos dos americanos, principalmente o Irã, que em 2020 começou a fornecer petróleo à Venezuela e enviou seus técnicos para reparar refinarias decrépitas. Acredita-se que esse apoio foi pago com outro da mineração ilegal.

O arquiteto de muitos dos esquemas que venceram as sanções foi o ex-ministro, Tareck El Aissami. Antes considerado o menino de ouro do governo, ele não é visto desde março, quando disse nas redes sociais apoiar uma investigação de corrupção que revelou que a PDVSA deixou de receber por mais de 80% do petróleo exportado, totalizando US$ 21 bilhões. Diz-se que ele está em prisão domiciliar em Caracas.

Presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, em coletiva de imprensa no dia 18 no Palácio de Miraflores, em Caracas. Guerras na Ucrânia e na Venezuela tiraram líder do isolamento político Foto: Pedro Rances Mattey / AFP

O recente retorno a uma relativa normalidade foi bem-recebido pelos negociantes veteranos. Um empresário venezuelano descreve o esquema bizantino usado para evitar as sanções, que ele compara a um sistema hawala, referência a um sistema de negociação sem dinheiro, à base da confiança, que teve origem do século 8. “Enviamos nosso dinheiro para alguma pessoa no exterior, e alguém na Venezuela nos transfere dinheiro ou criptomoeda. Normalmente os pagamentos são feitos, mas eles usam seu dinheiro no intervalo”, diz ele.

Agora que a PDVSA pode operar dentro da lei, o regime terá um lucro inesperado, diz Francisco Monaldi, da Universidade Rice, em Houston, Texas. Um dos primeiros acordos firmados foi com a PetroChina, segunda maior estatal chinesa do petróleo, que deve estar perto de fechar um contrato para a compra de 265.000 barris de petróleo venezuelano por dia, cerca de dois terços do volume que a PDVSA estava exportando para o mercado negro. Agora esses barris serão vendidos pelo valor corrente. Do lado americano, uma licença emitida no ano passado pelo governo Biden à gigante americana Chevron, que manteve sua presença na Venezuela, levou a 100.000 barris por dia destinados aos EUA. No novo ambiente livre de sanções, este volume pode aumentar 50% até o fim do ano.

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Mas os analistas destacam que a reintrodução do petróleo venezuelano ao mercado mundial não terá grandes repercussões em termos de fornecimento e preço. A produtividade da PDVSA ainda é excepcionalmente baixa, e não pode ser melhorada no curto prazo, especialmente levando em consideração que as sanções foram suspensas inicialmente por um período de seis meses. Atualmente, a PDVSA produz pouco mais de um quinto do volume produzido antes de Chávez chegar ao poder em 1999. Depois de anos de investimentos insuficientes e má gestão, a empresa está distante do seu auge das décadas de 1980 e 1990, quando foi uma das empresas de petróleo mais produtivas do mundo.

Isso não importa necessariamente para Maduro, que ao longo de uma década demonstrou uma capacidade surpreendente para a sobrevivência. O que ele quer agora, antes das eleições que ele concordou em realizar no segundo semestre de 2024, é dinheiro para garantir seu apoio. Uma economia livre de sanções e a duplicação do valor do seu principal artigo de exportação vão produzir isso. Foi por isso que ele aceitou o acordo de Barbados.

Mas há um porém. A primária da oposição realizada em 22 de outubro teve uma vencedora clara, María Corina Machado, conservadora e defensora do livre-mercado, que teve 92% de apoio. Machado foi proibida pelo governo de exercer cargos públicos desde 2015. A participação de 2,2 milhões de votantes superou muito as expectativas da oposição. Isso cria uma dúvida. Talvez o regime esteja preparado para levar a cabo eleições supostamente justas contra uma oposição enfraquecida e dividida. Mas enfrentar uma candidata popular de destaque que já afirmou que Maduro e outros devem “responder à justiça” é outra questão.

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O governo Biden deu a Maduro até 30 de novembro para iniciar “um processo” de reabilitação de Machado e todos os demais candidatos excluídos, em troca da suspensão das sanções. Enquanto isso, figuras de peso no governo declararam a primária fraudulenta e ameaçaram processar seus organizadores. Parece improvável um retorno em peso das sanções americanas em dezembro. O mais provável é que Maduro deixe de cumprir sua parte dos termos. Mas os empresários rumando para Caracas devem lembrar que, além da oportunidade, restam também grandes riscos. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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