The Economist: Retomada pós-covid cria expectativa na América Latina pela reabertura da China

Entre 2017 e 2021, as exportações de alumínio da região para a China aumentaram 28 vezes em relação aos quatro anos anteriores

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Por The Economist

Por séculos, economias da América Latina se caracterizaram por expansões curtas e falências súbitas, com frequência na esteira de ciclos de commodities. Quando a prata foi descoberta nas montanhas da Bolívia, em 1545, o vilarejo de Potosí se tornou por um breve período um dos lugares mais densamente habitados na Terra, enquanto produziu mais de dois terços da prata negociada no mundo. Um século depois, com as minas esgotadas, virou uma cidade fantasma.

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Conforme a China reabre, após quase três anos de lockdowns, alguns países na América Latina se preparam para outro boom. O banco Morgan Stanley estima que a economia chinesa poderá crescer até 5,7% em 2023. Isso pode ocasionar um aumento na demanda pelas mercadorias da região.

A China consome mais de 16% do petróleo do mundo, metade do cobre e mais de três quintos do minério de ferro. Quando rumores de que as restrições anticovid-19 seriam levantadas circularam no ano passado, o preço do cobre saltou 7% em um dia.

Moradores de Pequim caminham por uma rua durante a hora do rush matinal no distrito comercial da capital chinesa Foto: Mark Schiefelbein/AP - 16/02/2023

Tudo isso é boa notícia para exportadores de commodities como Chile e Brasil. No total, 67% das exportações de cobre do Chile vão para a China; e a China é o destino final de 70% das exportações de soja do Brasil. Mas como em febres de prata e ouro do passado, os bons tempos podem não durar. Apesar de um forte crescimento ser provável este ano, a relação de longo prazo entre a China e a região pode desapontar.

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Na década que se seguiu a 2002, o PIB em dólar da América Latina cresceu mais de 3% ao ano graças ao boom nas commodities ocasionado pela industrialização chinesa. Os “bancos de políticas” dirigidos pelo Estado chinês, como o Banco de Desenvolvimento da China e o Banco de Exportação e Importação da China, forneceram mais de US$ 138 bilhões (cerca de R$ 712 bilhões) em empréstimos para a América Latina entre 2005 e 2020. A pobreza caiu e os cofres dos governos incharam à medida que a China comprou grãos, minérios e hidrocarbonetos da região.

O comércio com a China cresceu de US$ 12 bilhões, em 2000, ou 0,6% do PIB da América Latina, para US$ 445 bilhões, em 2021 (8,5% do PIB da região). Até 2021, a China era responsável por 18% do comércio latino-americano, contra 5% em 2005. Excluindo o México, essa fatia se eleva para 24%.

Enquanto a China se tornou a maior parceira comercial da América do Sul, os EUA mantiveram essa posição em relação ao México e à América Central. Brasil, Chile e Peru possuem balanças comerciais favoráveis com a China.

A explosão no comércio levou alguns políticos latino-americanos à complacência. Muitos esperam que a relação permaneça sempre a mesma, afirma Margaret Myers, do Diálogo Interamericano, instituto de pesquisas de Washington. Mas essa visão desconsidera problemas estruturais dentro da China, como uma crise doméstica no mercado de imóveis e as reverberações da guerra comercial com os EUA. Já há sinais de que o envolvimento da China com algumas partes da região está enfraquecendo.

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Desde 2020, os bancos de políticas aprovaram novos empréstimos para a região. Apesar de bancos comerciais e fundos privados de investimento terem suprido parte da lacuna, eles não são tão generosos. A Venezuela, que ficava com dois terços das finanças chinesas na região, atualmente recebe crédito apenas para ajudar a manter suas exportações de petróleo para a China.

A concessão de empréstimos da China mudou depois de várias experiências ruins. Os chineses tiveram dificuldades para recuperar milhões de dólares em acordos de petróleo em troca de empréstimos com a Venezuela depois que o presidente autocrático do país, Nicolás Maduro, chegou ao poder, em 2013, e os preços do petróleo caíram.

Em outras partes, reações negativas de grupos ambientalistas, assim como políticas oscilantes entre governos diferentes, também atravancaram investimentos. Segundo o instituto de pesquisas AidData, da Faculdade de William e Mary, na Virgínia, entre 2000 e 2017, mais transações de alto valor ligadas à Iniciativa Cinturão e Rota (nova Rota da Seda) foram suspensas ou canceladas na América Latina do que em quase qualquer outra parte.

Similarmente, um estudo da Cepal, entidade de pesquisa ligada à ONU, mostra que o investimento chinês atingiu picos entre 2010 e 2014 e caiu desde então.

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Exportações

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Mesmo se o envolvimento chinês com a região aumentar novamente conforme a China reabrir, a relação não seguirá o mesmo padrão. À medida que a economia da China se volta a serviços e manufatura de itens de alta tecnologia, veículos elétricos e produtos para energia renovável, suas importações e investimentos no exterior mudarão. As importações chinesas de petróleo cairão, enquanto suas compram de minérios cruciais aumentarão.

De 2005 a 2009, 95% do total do investimento estrangeiro direto da China na região foi para matérias-primas. De 2015 a 2021, essa fatia diminuiu para 46%, com o equilíbrio dividido entre manufatura e serviços.

Entre 2017 e 2021, as exportações da América Latina para a China de alumínio, usado em painéis solares, foram 28 vezes maiores do que nos quatro anos anteriores. As importações anuais chinesas de madeira balsa do Equador, usada em turbinas eólicas, aumentaram 57% ao longo do mesmo período.

O lítio pode ser particularmente valorizado. O preço do carbonato de lítio, usado em baterias de veículos elétricos, foi às alturas em 2021 e 2022, de uma média quinquenal de US$ 14 mil a tonelada para US$ 72 mil.

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Outras commodities podem ter um futuro mais traiçoeiro. O preço do cobre, segundo estima o Goldman Sachs, aumentará de US$ 9 mil a tonelada hoje para US$ 11 mil nos próximos 12 meses. Mas Andrés Bórquez, da Universidade do Chile, prevê que menos cobre será necessário – e se a China repuser suas reservas de cobre, que estão no nível mais baixo em 15 anos, a demanda por fim se estabilizará. Isso poderá prejudicar alguns países muito expostos, como o Chile: 38% das exportações chilenas vão para a China, mais de três quartos são de cobre.

Os investimentos chineses também estão se tornando mais estratégicos. Eletricidade é uma área crucial. Entre 2017 e 2021, investimentos nesse setor corresponderam a 71% das fusões e aquisições chinesas na região, segundo o Centro de Políticas de Desenvolvimento Global, da Universidade de Boston.

Moradores de Pequim retomam atividades após suspensão do programa ‘covid zero’ Foto: Andy Wong/AP - 16/01/2023

Em 2021, duas estatais chinesas esbanjaram US$ 6 bilhões coletivamente para comprar as empresas de eletricidade do Chile e do Peru. Ambos os projetos estiveram entre os maiores investimentos estrangeiros já recebidos pelos países.

O investimento chinês em outras infraestruturas parece estar acelerando. Uma pesquisa da Universidade Nacional Autônoma do México constata que, de 192 projetos regionais de infraestrutura com envolvimento chinês empreendidos entre 2005 e 2021, 57 foram realizados entre 2020 e 2021.

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As razões podem ter relação com projetos estratégicos ligados a fortalecer a segurança alimentar da China. Uma estatal está construindo um porto 50 quilômetros ao norte de Lima com o objetivo de aumentar a oferta de comida na China. Até aqui, os protestos no Peru não parecem ter afetado o projeto.

Tudo isso tem causado irritação em Washington. Em 2020, o governo de Donald Trump pressionou o Brasil para não permitir que a gigante chinesa das telecomunicações Huawei participasse de um leilão de 5G. O governo brasileiro foi adiante de qualquer maneira, mas está criando uma rede separada para agências do governo que exclui a Huawei.

De maneira similar, o governo Trump ampliou um empréstimo para o Equador para ajudar o país a liquidar bilhões de dólares em dívida com a China, sob a condição de que o país excluísse firmas de telecomunicações chinesas de sua rede 5G. Em 2021, o G-7 lançou a iniciativa “Build Back Better World”, com o objetivo de competir com o investimento chinês em infraestrutura em todo o mundo. O fiasco foi tão grande que o esforço teve de ser rebatizado no ano passado.

A América do Sul tem menos a ganhar do que a América Central em se aconchegar com os EUA. “A relação do Brasil com a China “simplesmente faz muito sentido”, afirma Larissa Wachholz, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais. “É proveitoso para ambos os lados.” Ela considera que o investimento que falta na América Latina – em estradas, portos e serviços públicos – é exatamente o que a China é capaz de oferecer. Agora que o esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva está no poder no Brasil, seu governo tende a se abrir mais para a China.

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Dependência

Poucos países estão tentando reduzir sua dependência em relação à China. Apesar de o presidente equatoriano de centro-direita estar finalizando um acordo de livre-comércio com Pequim, seu governo também pretende se juntar à Aliança do Pacífico, bloco comercial composto por Chile, Colômbia, México e Peru.

O Uruguai, que exporta mais de 60% da carne que produz para a China, busca um acordo de livre-comércio com os chineses ao mesmo tempo em que tenta aderir a outros acordos do gênero.

Ainda assim, por toda a região, poucos países pensam sobre como se adaptar se o retorno da China não refletir o que foi a potência do passado. O próximo boom poderá não durar muito. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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