The Economist: Sinais de vigor da democracia na Europa

Queda do ultraconservador Sebastian Kurz, na Áustria, é uma boa notícia para os preocupados com as instituições

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Por The Economist

Para aqueles preocupados com a saúde da democracia europeia, as saídas foram bem recebidas, principalmente por serem tão inesperadas. Após uma década em que governos populistas enfraqueceram o estado de direito e moldaram a máquina estatal para servir aos seus interesses em toda a Europa Central e no Leste Europeu, duas lideranças acusadas de manipular o sistema político perderam o poder no mesmo dia. Uma eleição na República Checa parece ter encerrado o mandato do primeiro-ministro Andrej Babis, um bilionário investigado por uso indevido de recursos da União Europeia, acusação que ele nega. Enquanto isso, na Áustria, uma investigação do uso de recursos do governo para a compra de cobertura favorável na mídia levou à renúncia do chanceler Sebastian Kurz, (ele também nega qualquer envolvimento em irregularidades).

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Um embate maior se aproxima. O governo da Polônia, liderado pelo partido populista Lei e Justiça (PiS), passou anos tentando estabelecer o controle político dos tribunais, levando a conflitos com a UE. No dia 7 de outubro, a corte constitucional do país aumentou a aposta ao declarar que partes do tratado de fundação da UE infringem a constituição polonesa, e a decisão final nesses conflitos cabe aos juízes poloneses, e não à mais alta corte da UE. Tal ruptura em relação aos tratados da UE poderia obrigar a comissão europeia a negar à Polônia o acesso a € 36 bilhões (US$ 42 bilhões) em recursos de recuperação pós-covid. Seria a maior escalada até o momento nos conflitos internos da UE com relação à exigência de padrões mínimos de democracia que todos os seus membros devem observar. Se a comissão for adiante, isso sinalizaria uma forte determinação de forçar o alinhamento dos membros rebeldes, marcando assim uma escalada significativa no conflito mais longo.

Kurz, 35 anos, é um garoto-prodígio cujas rigorosas políticas de combate à imigração facilitaram a ascensão até a liderança do Partido do Povo Austríaco (ÖVP), ao cargo de ministro das relações exteriores e, finalmente, chanceler. Mas o escândalo chamou atenção indesejada para as preocupações com as trajetória dele. No dia 6 de outubro a polícia fez uma operação de busca na chancelaria, no ministério das relações exteriores e na sede do ÖVP. A unidade de crimes financeiros do ministério da justiça acusou o partido de usar dinheiro do ministério das relações exteriores para subornar um tabloide, que publicou matérias positivas a respeito de Kurz entre 2016 e 2018. As reportagens tinham como base pesquisas supostamente manipuladas para dar a impressão de maior popularidade dele, produzidas por uma agência de pesquisa de opinião aliada aos seus interesses.

Manifestante ergue cartaz 'contra a corrupção' atrás de Sebastian Kurz, derrubado por escândalo Foto: HERBERT NEUBAUER / APA / AFP

Os regimes não liberais costumam usar a publicidade estatal para comprar sua influência sobre a mídia. Alguns, como o governo da Hungria sob Viktor Orban, fazem isso de maneira escancarada. Na Áustria, a coisa é mais discreta, mas avança em uma direção preocupante recentemente. As compras de espaço publicitário por parte do governo correspondem a uma fatia considerável da receita de muitos jornais, e faz tempo que muitos se preocupam com a possibilidade de isso influenciar sutilmente sua cobertura jornalística. Mas mensagens em um celular confiscado de um colega de Kurz mostraram um toma-lá-dá-cá bastante explícito.

Kurz nega que tenha violado a lei e diz não ter conhecimento de nenhuma irregularidade. Ele vai permanecer na liderança do partido no parlamento, e seu substituto na chancelaria é um aliado, Alexander Schallenberg. Talvez ele tentasse resistir ao escândalo, mas o Partido Verde, seu parceiro de coalizão, ameaçou derrubar o governo caso ele permanecesse. Os austríacos têm opiniões muito polarizadas em relação a Kurz, mas é provável que ele tente um retorno. O caso dele indica que os problemas da Europa com a corrupção sistêmica não se limitam aos países que integravam o bloco comunista.

Na República Checa, a derrota de Babis tem um sabor especial porque ele há muito se apresentava como inimigo da corrupção, alegando ser rico demais para precisar de propinas. Construiu sua fortuna nos anos 1990 com a criação da Agrofert, um conglomerado agrícola. Depois de entrar para a política, em 2013, foram muitas as investigações do possível uso indevido de subsídios da UE por parte da empresa dele. Essa investigação cabe agora à promotoria pública europeia. Babis deixou suas ações da Agrofert em um fundo, mas outro órgão investigativo da UE, chamado OLAF, concluiu este ano que os elos dele com a empresa representam um conflito de interesse.

Antes das eleições, as pesquisas de intenção de voto mostravam que o partido de Babis, ANO (“Sim”), tinha uma leve vantagem. Mas, no dia 3 de outubro, um consórcio internacional de jornalistas divulgou os Pandora Papers, uma imensa análise de documentos vazados de empresas financeiras. Os membros tchecos do consórcio, Investigace.eu, disseram que o vazamento indica que em 2009 Babis transferiu US$ 22 milhões por meio de uma empresa de fachada nas Ilhas Virgens Britânicas para comprar uma mansão secreta no Sul da França.

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Babis passou as últimas semanas da campanha atacando a UE com retórica semelhante à de Orban. Ele também imitou as técnicas de controle da mídia usadas por Orban: a Agrofert é dona de publicações que detêm uma fatia de 25% do mercado de jornalismo impresso. Mas os Pandora Papers receberam ampla cobertura, e podem ter afetado o resultado da eleição. O comparecimento foi elevado, especialmente entre o eleitorado jovem e nas cidades onde a oposição é forte. A aliança Spolu (“Juntos”), formada por partidos de centro-direita, recebeu 27,8% dos votos, e o ANO, 27,1%. Uma aliança do Partido Pirata com um grupo de prefeitos e outras autoridades recebeu 15,6%. Juntos, eles terão uma leve maioria no parlamento, porque a maioria dos partidos ficou aquém do limiar de 5% dos votos.

Babis está longe de encerrar a carreira. O presidente Milos Zeman, um populista eurocético, prometeu renomeá-lo como primeiro-ministro independentemente do resultado, dizendo que o ANO obteve mais votos do que os demais partidos individualmente. Mas é improvável que tal jogada dure muito. A questão é complicada ainda mais pelo fato de Zeman ter sido hospitalizado no dia 10 de outubro. A vitória das alianças da oposição reforça uma tática adotada em outros países que enfrentam o problema de lideranças populistas não liberais. Também na Hungria os partidos da oposição formaram alianças amplas no espectro político na tentativa de tirar Orban do poder na eleição do ano que vem.

Equilibrando o processo, a decisão do tribunal polonês de 8 de outubro foi o mais grave desafio ao estado de direito na Europa na semana. Depois que o PiS ascendeu ao poder na Polônia em 2015, o partido tenta controlar os tribunais do país dando ao governo o poder de nomear juízes leais e castigar juízes rebeldes (outro modelo emprestado de Orban). Isso trouxe a Polônia a um conflito ainda mais profundo com os tratados da UE, segundo os quais os membros devem ter judiciários independentes. Juízes poloneses foram impedidos de encaminhar casos polêmicos ao Tribunal de Justiça Europeu, a mais alta corte da UE. Alguns juízes que o fizeram foram suspensos e processados.

A comissão europeia, que deveria policiar o cumprimento dos tratados do bloco, tem sido um fiscal relutante, levando anos para avançar pouco na direção de sanções significativas. Mas a decisão da corte constitucional pode agora obrigar a comissão a agir. Em processo apresentado por Mateusz Morawiecki, primeiro-ministro da Polônia, a corte declarou que partes do tratado de fundação da UE violam a constituição polonesa, determinando que a palavra final em tais questões cabe a juízes poloneses, e não ao Tribunal de Justiça Europeu.

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A corte constitucional é um braço judicial do PiS, e as autoridades em Bruxelas estavam preparadas para uma decisão desfavorável. Mas o ataque direto a um tratado da UE foi além das expectativas. O princípio segundo o qual o direito europeu se sobrepõe ao direito nacional, com o Tribunal de Justiça Europeu como árbitro das disputas, está no núcleo da UE. Se os países membros puderem ignorar as leis europeias ou interpretá-las como quiserem, todo o projeto europeu perde sentido. Um golpe anterior foi desferido em maio do ano passado pela corte constitucional da Alemanha, segundo a qual em uma área ligada ao financiamento do Banco Central Europeu, a UE tinha excedido sua autoridade. Essa questão ainda está em debate.

A declaração inicial da comissão diante da decisão foi discreta, mas para muitas autoridades chegou a hora de uma resposta firme. Esta poderia ser a recusa em autorizar o acesso da Polônia ao imenso fundo de € 800 bilhões da UE destinado à recuperação pós-covid, que inclui uma cláusula exigindo que a comissão confirme o respeito ao estado de direito no país solicitante. A Polônia pediu € 36 bilhões. O país precisa do dinheiro para uma série de programas sociais que o governo batizou de “New Deal polonês”. Seria uma escalada perigosa, mas talvez esta seja uma disputa em relação ao estado de direito que a Ue não poderá evitar. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

* © 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPERLIMITED. DIREITOS RESERVADOS.PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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