The Economist: Suécia segue o exemplo da Finlândia na adesão à Otan

Ambos os países devem formalizar pedidos na próxima semana, mas a decisão da Suécia é mais difícil

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Por The Economist

Finlândia é sinônimo de não alinhamento desde os tempos da Guerra Fria, quando a União Soviética forçava o país a permanecer neutro. Em janeiro deste ano, Sanna Marin, a primeira-ministra finlandesa, declarou que considerava “muito improvável” que seu país aderisse à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) durante seu mandato.

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A invasão russa à Ucrânia subverteu muitas previsões. Em 12 de maio, Marin e o presidente finlandês, Sauli Niinisto, declararam que a Finlândia “deve solicitar” a adesão à Aliança Atlântica o quanto antes. A coalizão que governa o país deverá aprovar a decisão em 15 de maio, e a solicitação formal de adesão deverá ocorrer na próxima semana. O ataque de Vladimir Putin contra a Ucrânia, destinado a afastar a Otan das fronteiras da Rússia, em vez disso aproximou a aliança do território russo.

Os finlandeses coordenam a defesa de seu país proximamente com a Suécia, que também é não alinhada formalmente. Sob o governo de sua nova primeira-ministra, Magdalena Andersson, a Suécia também está se movendo na direção de aderir à Otan, só que de maneira mais cautelosa. Como na Finlândia, o momento crucial dos suecos virá em 15 de maio, quando o Partido Operário Social-Democrata, de Andersson, tomará sua decisão. Espera-se que a legenda apoie a adesão, revertendo seu antigo comprometimento de não alinhamento. A Suécia também deverá iniciar seu processo de adesão à Otan na próxima semana.

Agentes finlandeses patrulham fronteira do país com a Rússia Foto: Juho Kuva/The Washington Post

As visitas do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, a Helsinque e Estocolmo, nesta semana, influenciaram os movimentos. Johnson, conforme ele afirmou à Economist, firmou o compromisso de que o Reino Unido defenderá ambos os países caso eles sejam atacados. Isso ajudou a abrandar temores de que a Rússia possa retaliar durante o período de tramitação de suas solicitações de adesão à Otan antes que os países sejam aceitos formalmente, período durante o qual o Artigo 5.º do estatuto da aliança ainda não lhes garantirá a defesa mútua prevista para os membros.

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Não surpreende que a Finlândia esteja liderando a iniciativa. A relutância da Suécia em aderir à Otan sempre decorreu em parte da preocupação em relação à vizinha Finlândia, que os suecos temiam poder ser deixada em isolamento caso eles aderissem. Agora que os finlandeses estão mudando, os suecos seguem a toada. Mas a diferença também tem como raiz a política dentro de ambos os países e a noção de suas identidades próprias.

Os suecos estabeleceram o início de sua neutralidade na era napoleônica, quando eles começaram a ficar de fora das guerras europeias após uma série de infortúnios. Mas a política atual remonta à fundação da Otan, em 1949. O tratado de amizade da Finlândia com a União Soviética, depois dos países travarem guerra entre 1939 e 1940, exigia que os finlandeses ficassem de fora da aliança. A Suécia se preocupava com a possibilidade de que se juntar à Otan faria com que os soviéticos forçassem a Finlândia a aderir à sua própria aliança, o Pacto de Varsóvia.

“Ficar de fora da Otan foi uma decisão estratégica para ajudar a Finlândia”, afirma Janerik Larsson, da Free Enterprise Foundation, um instituto de análise de Estocolmo. A Suécia construiu domesticamente uma grande indústria de defesa e constituiu Forças Armadas robustas, com gasto de 3% a 4% de seu PIB em defesa entre os anos 60 e 70.

Mas enquanto o não alinhamento finlandês foi uma concessão pragmática ao poderio soviético, os suecos começaram a conferir à neutralidade uma dimensão moral. Sob o governo do primeiro-ministro sueco Olof Palme, um social-democrata que cumpriu vários mandatos, de 1969 até ser assassinado, em 1986, o país colocou em prática uma política externa orientada por direitos humanos, que manteve distante tanto os EUA quanto a União Soviética. Para protestar contra os abusos dos EUA na Guerra do Vietnã, Palme marchou ao lado do embaixador de Hanói em Moscou, e a Suécia ofereceu abrigo a desertores americanos.

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“Havia um ditado que afirmava que é bom ser neutro; e, portanto, se ser sueco é ser neutro, é bom ser ser sueco”, afirma o parlamentar Pal Jonson, do Partido Moderado, de centro-direita, que preside a Comissão de Defesa do Parlamento sueco. A noção de excepcionalismo não era exclusividade da esquerda. Carl Bildt, um moderado que foi ministro de Relações Exteriores entre 2006 e 2014, costumava chamar a Suécia de “superpotência humanitária”. Mas os moderados passaram a apoiar a adesão à Otan em 2003, durante a guerra dos EUA no Iraque. Para os social-democratas, afirma Jonson, “não alinhamento militar era uma questão de identidade”.

A maioria dos partidos suecos atualmente se alinha com os os moderados. Os Liberais, um pequeno partido, apoiam a adesão desde 1999, ano em que a Otan interveio em Kosovo. O Partido do Centro e os Democratas Cristãos mudaram de posição em 2015, após a primeira invasão russa à Ucrânia. “Isso foi resultado do que vimos Putin fazendo em nossa vizinhança; entendemos a mensagem e mudamos nossa posição”, afirma Kerstin Lundgren, parlamentar do Partido do Centro e porta-voz da legenda a respeito de assuntos internacionais. Os Democratas Suecos, um grande partido de extrema direita com raízes racistas e ultranacionalistas, se opunha havia muito à adesão à Otan, mas mudou de posição no ano passado.

Ainda assim, o comprometimento com a neutralidade ainda é forte na esquerda. O Partido da Esquerda, um grupo socialista de extrema esquerda, se opõe firmemente à adesão. Hakan Svenneling, porta-voz para política externa da legenda, disse ao jornal Dagens Nyheter que os políticos finlandeses “não refletiram verdadeiramente a respeito dos riscos que a adesão à Otan implicam”. O pequeno Partido Verde sueco também se opõe à adesão.

Lundgren afirma ter dificuldade para entender esse raciocínio. Social-democratas que se opõem à adesão afirmam que o não alinhamento “gera estabilidade e segurança para nós e para a nossa região”, sem explicar de que maneira. Muitos parecem preocupados com a ideia de viver sob o guarda-chuva nuclear da Otan, em vez de se reconfortar com isso. Na prática, observa Jonson, o não alinhamento da Suécia terminou em 1995, quando o país aderiu à União Europeia: “Não temos uma voz sueca independente em assuntos internacionais, tentamos ter uma voz europeia forte em comum.”

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Considerações políticas podem ser importantes para Andersson. Com as eleições parlamentares marcadas para 11 de setembro, ela deve ser cuidadosa para não perder eleitores para o Partido da Esquerda ou para os verdes. Mas as pesquisas mostram os social-democratas com 32% da preferência do eleitorado, seu maior índice em anos. A popularidade pessoal de Andersson ostentou invejáveis 59% em uma pesquisa Morning Consult. A maioria considerava que ela era favorável à adesão à Otan e que vinha manobrado habilmente seu partido para essa posição sem pressionar com força demais.

“Ela fez isso de maneira extraordinária, muitos não partidários dos social-democratas, como eu mesmo, estão muito impressionados”, afirma Larsson. Faz sentido para a Suécia movimentar-se mais lentamente do que a Finlândia. Se os suecos estão prestes a romper com sua secular política de neutralidade, eles precisarão de um amplo consenso para fazê-lo. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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