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The Economist: Talvez ainda haja salvação para o Afeganistão

Os EUA, no entanto, se recusam a agir para tentar impedir que o país volte a ser uma teocracia violenta

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Por The Economist
Atualização:

“Um desdobramento negativo, uma tomada militar automática do Taleban, não seria uma conclusão fatal”, disse Mark Milley, o militar mais experiente dos EUA, no mês passado, enquanto reiterava o apoio americano ao acossado governo afegão. O general Milley está certo: tal tomada não é totalmente inevitável, apesar da saída das tropas americanas. Mas está ficando mais provável a cada dia – em grande parte porque os EUA, independentemente do que digam seus generais, estão fazendo muito pouco para ajudar.

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Idealmente, os EUA não estariam retirando suas forças. Por vários anos, com apenas alguns milhares de soldados e sofrendo poucas baixas, o país conseguira manter um equilíbrio entre o governo afegão e o Taleban, em grande parte graças ao poder aéreo. 

Mas, no ano passado, quando Donald Trump era presidente, os EUA fecharam um acordo com o Taleban. Em troca da promessa dos milicianos de não abrigar terroristas internacionais, Trump se comprometeu a se retirar completamente do Afeganistão. 

Pouco importava que os insurgentes recusassem qualquer tipo de cessar-fogo; pouco importava que oferecessem nada mais do que negociações indiretas com o governo apoiado pelos EUA em Cabul: Trump queria um fim rápido para aquela guerra de 20 anos, e o presidente Joe Biden manteve essa decisão insensível.

Combatentes do Taleban celebram a conquista deKandahar, no Afeganistão Foto: AFP

A pressa da retirada americana permitiu que o Taleban abandonasse a fachada de negociações e redobrasse sua campanha para remover o governo à força. Os insurgentes não controlavam nenhuma das 34 capitais de província na semana passada. Desde então, tomaram mais de dez. Três das maiores cidades do país, Herat, Kandahar e Mazar-i-Sharif, caíram. Os EUA não têm no Afeganistão mais nenhuma aeronave militar capaz de repelir tais ataques. Em vez disso, o país está despachando aviões de bases distantes no Golfo e de porta-aviões no Mar da Arábia – um arranjo muito menos eficiente. E muitos dos mecânicos que estavam ajudando a fazer a manutenção dos aviões da Força Aérea afegã partiram com os americanos, reduzindo ainda mais o poder de fogo do governo.

Isso ocasionou uma desordem que, se continuar, será um desastre. Quando governou o país, na década de 90, o Taleban proibia meninas na escola, confinava mulheres em casa e espancava qualquer um que ouvisse música ou usasse as roupas erradas. Eles não mudaram muito desde então. Nas áreas que controlam agora, estão assassinando funcionários públicos, trabalhadores de ONGs e ordenando que famílias entreguem mulheres solteiras para “casar” com seus soldados.

Renascido, o emirado Taleban não abusará apenas dos afegãos e vai espalhar miséria por toda parte. O Afeganistão já é o maior produtor mundial de heroína, um negócio que o Taleban tributa com toda a boa vontade. O país também exporta milhões de refugiados, especialmente para os vizinhos Paquistão e Irã. 

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A violência extremista é outro produto de exportação. Um braço do Taleban matou dezenas de milhares de paquistaneses durante uma sangrenta campanha terrorista que levou anos para ser reprimida. A humilhação dos EUA pode agradar a alguns na região, mas o prazer não vai durar muito.

No entanto, em vez de unir forças para conter o Taleban, as potências regionais estão brigando e lutando por vantagens. E, em vez de encontrar maneiras de ajudar o governo afegão, os EUA estão recuando rapidamente. Em 10 de agosto, Biden declarou que cabia ao Exército afegão lutar por conta própria.

Se realmente for deixado à própria sorte, o governo entrará em colapso. Mas os EUA ainda podem evitar esse destino sem restabelecer uma guarnição permanente. O país poderia enviar forças especiais em breves investidas para fortalecer o Exército afegão, por exemplo. Poderia expandir o uso de porta-aviões para fornecer apoio aéreo ou se apoiar em países vizinhos para permitir pelo menos acesso temporário às aeronaves americanas. 

Acima de tudo, Biden poderia sinalizar que não pretende abandonar o Afeganistão à própria sorte – uma impressão que está fazendo mais do que qualquer outra coisa para apressar o avanço do Taleban. Nos últimos 20 anos, os EUA não conseguiram transformar o Afeganistão em uma democracia florescente, mas ainda podem impedir que ele volte a se tornar uma teocracia violenta. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU 

© 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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