Como Irã e Estados Unidos mantiveram mais conversas esta semana para tentar reviver o seu acordo nuclear, com algum progresso, quero compartilhar a minha opinião a respeito deste assunto. Apoiei o acordo original negociado por Barack Obama em 2015. Não apoiei Donald Trump que o rasgou em 2018, mas quando fez isto, esperava que ele pudesse aliviar o sofrimento imposto para convencer o Irã a melhorar o acordo.
Trump não fez nada disso, deixando o Irã livre para aproximar-se mais do que nunca da bomba. Apoio Joe Biden em sua tentativa de reviver o acordo. E apoio os esforços secretos de Israel para sabotar a possibilidade de o Irãconstruir em algum momento uma bomba nuclear – independente de qualquer acordo. Se isto parece contraditório, é porque, bem, parece. Existe um fio unificador que atravessa tudo isto: Negociar efetivamente com o regime islâmico do Irã – de maneira a eliminar permanentemente o comportamento maligno – é impossível. O Irã é grande demais para que se possa invadi-lo. O regime é oculto demais para seja possível derrubá-lo de fora; os seus impulsos mais obscuros, dominar os vizinhos árabes sunitas e destruir o Estado judeu, são demasiado perigosos para que possam ser ignorados; e o seu povo é demasiado talentoso para que lhe seja para sempre negada uma capacidade nuclear. Portanto, ao lidar com o Irã, você faz o que pode, onde pode, como pode, mas com o entendimento de que: 1 - perfeito não está no menu; e 2 - o regime islâmico do Irã não irá mudar.
Não há nada que seja “mal interpretado”. Depois de 42 anos, algumas coisas estão claras: os clérigos que governam o Irã cultivam e celebram o conflito com os EUA e Israel como um instrumento essencial para se entrincheirarem no poder e para manter a sua Guarda Revolucionária ricamente financiada e o seu povo debaixo do seu punho de ferro, sem uma voz real no futuro ou a capacidade de realizar o seu pleno potencial.
O regime ficou muito feliz de poder usar os recursos conseguidos quando os EUA levantaram as sanções no acordo de 2015, não apenas para construir mais estradas e escolas, mas também para financiar e armar os xiitas árabes pró-iranianos para que eles pudessem dominar os sunitas árabes no Iraque, Líbano, Síria e Iêmen. Isto garantiu que todos os quatro Estados árabes permanecessem fracos ou falidos, incapazes de ameaçar Teerã ou produzir alguma democracia multisectária que lhe criaria obstáculos. Nesta sexta-feira, 18, o Irã realizará uma farsa de eleição presidencial, em que os iranianos estarão “livres” para votar em qualquer um dos candidatos aprovados anteriormente pelo regime. Está sendo previsto o menor comparecimento às urnas.
Nada disso mudará enquanto estes aiatolás estiverem no poder e, para sermos honestos, não só eles têm sido coerentes há 42 anos, mas também os presidentes americanos e os primeiros-ministros israelenses. Suas estratégias podem ser resumidas da seguinte maneira: Tentar sempre obter o melhor acordo com o Irã que o dinheiro possa comprar. Ou, mais especificamente, sempre tentar obter o melhor acordo que o levantamento ou a imposição de sanções ou a guerra dissimulada possam comprar. Mas jamais optar por derrubar o regime pela força. Infelizmente, os clérigos que estão no governo no Irã são astutos sobreviventes. Eles podem calcular o seu poderio a mais de 160 quilômetros de distância. E quando concluírem que ninguém pode realmente tentar derrubá-los ou destruir as suas instalações nucleares – não importa quantas vezes os líderes americanos ou israelenses digam que “nada está excluído da mesa – estes experientes e impiedosos clérigos encontrarão uma maneira de jamais desistir completamente de sua capacidade nuclear. As negociações tiveram sempre o mesmo objetivo: tentar obter o melhor do Irã que dinheiro ou ações secretas possam comprar. Apesar das palavras duras de Trump, e mesmo com o assassinato do principal guerreiro clandestino do Irã, Qassim Suleimani, “Trump não tinha uma estratégia diplomática para alavancar a sua campanha de “pressão máxima“ em objetivos que melhorassem o acordo nuclear ou limitassem as atividades regionais do Irã”, disse Robert Litwak, vice-presidente sênior do Wilson Center e autor do livro Managing Nuclear Risks. “Ele não estava pronto para usar a força máxima. Por isso, os iranianos só tiveram de esperar que ele deixasse o governo”. Estou feliz por isso. Não apoio que se force de fora uma mudança de regime em Teerã. Este é um projeto que somente o povo iraniano tem o direito e o poder de fazer. É por isso que apoio todas estas diferentes maneiras de obter o melhor acordo que o dinheiro e a ação secreta podem comprar – mas não tenho ilusões de que tornarão o Irã um bom vizinho. Como diz o ditado: “Os problemas têm soluções, mas os dilemas têm chifres”. E administrar a luta com o regime iraniano é ir permanentemente para frente e para trás nos chifres de um dilema. Entretanto, esta realidade agora está causando uma divisão silenciosa, mas grave, entre EUA e Israel. E embora o governo israelense pós-Bibi Netanyahu deva tratar disso de maneira sem estardalhaço, já se sabe que Joe Biden é diferente. Não só Biden não atenderá a cada capricho do novo primeiro-ministro de Israel como Trump fazia com Bibi. Biden está totalmente concentrado em garantir o que acha que seja o interesse estratégico fundamental dos EUA no Oriente Médio – impedir que o Irã adquira uma arma nuclear que obrigaria a Turquia e todos os Estados árabes por sua vez a conseguirem bombas, acabando desse modo com a ordem de não proliferação nuclear e tornando a região uma gigantesca ameaça para a estabilidade global A equipe de Biden acredita que a campanha de pressão máxima de Trump não diminuiu minimamente o comportamento perverso do Irã na região (mostrarei os dados que comprovam isto). Portanto, Biden quer pelo menos trancar o programa nuclear em alguma gaveta por um tempo, e depois tentar frear este criador de problemas regional de outras maneiras. Ao mesmo tempo, Biden quer concentrar-se mais na construção de uma nação em seu país e em fazer frente à China. A resposta de Israel é que os EUA pagarão o Irã para engavetar uma arma nuclear que é improvável que possa vir a usar ou proliferar – embora liberando-o e, de fato financiando-o para aprontar e proliferar as mais sofisticadas armas convencionais que poderiam ser usadas: os foguetes inteligentes guiados com precisão que o Irã está enviando aos seus representantes no Líbano e na Síria visando Israel. Dificilmente Israel tolerará esta arma carregada apontada para a sua cabeça enquanto os clérigos do Irã estão confortavelmente sentados em Teerã.
Na guerra de 2006 no Líbano, o Hezbollah só pôde disparar alguns mísseis superfície-superfície nada inteligentes, não guiados, de alcance limitado para danificar um único alvo israelense. Com mísseis de alcance maior guiados por GPS fornecidos pelo Irã, o Hezbollah terá de disparar somente um foguete cada contra 20 alvos em Israel – o seu reator nuclear, aeroporto, portos, usinas elétricas, fábricas de alta tecnologia e bases militares – com uma maior probabilidade de danificá-los completamente. A equipe de Biden afirma que está empenhada em conter esta ameaça por meio de conversas com o Irã – depois que o acordo nuclear for restaurado. A isto os israelenses perguntam: Obrigado, mas que influência vocês terão uma vez que levantaram tantas sanções? Tenho uma ideia: Uma maneira de diminuir a tensão entre EUA e Israel seria que Biden tentasse uma nova iniciativa diplomática – uma compra alavancada da presença iraniana na Síria. A Síria hoje é efetivamente controlada em diferentes setores por três potências não árabes – Rússia, Turquia e Irã. À Rússia não agrada ter forças iranianas na Síria ao lado das suas, mas precisou delas para ajudar a esmagar os inimigos islâmicos sunitas do seu agente, o ditador sírio Bashar Assad. Biden e os Estados árabes do Golfo poderiam ir para os russos e Assad com a seguinte oferta: Ponham as forças iranianas para fora da Síria e nós triplicaremos qualquer ajuda financeira que o Irã estivesse dando à Síria. Enquanto isso, nós concordamos tacitamente que Assad (embora criminoso de guerra) possa permanecer no poder a curto prazo. O Exército de Israel apoiaria esta oferta porque quebrar a ponte terrestre síria que o Irã usa para manter o Hezbollah abastecido com foguetes, representaria um divisor de águas. Sim, seria um acordo cínico. Ao qual digo: 1 - Esta é a Idade Média, gente; e 2 - problemas têm soluções, mas dilemas têm chifres. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.