Thomas Friedman: Putin obrigará pessoas a escolher entre comer ou se aquecer neste inverno europeu

Dependência da energia russa força fechamento de fábricas na Europa e leva governos a criarem subsídios

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Por Thomas Friedman
Atualização:

Ainda que alguns soldados russos na Ucrânia tenham deixado de apoiar a vergonhosa guerra de Vladimir Putin, sua retirada às pressas não significa que Putin está se rendendo. Na semana passada, de fato, ele abriu um novo front — no campo da energia. Putin acha que encontrou uma guerra fria que é capaz de vencer. Ele tentará literalmente congelar a União Europeia neste inverno do Hemisfério Norte, impedindo o fornecimento russo de gás natural e petróleo para pressionar o bloco europeu a abandonar a Ucrânia.

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Antecessores de Putin no Kremlin usaram invernos gelados para derrotar Napoleão e Hitler, e Putin pensa claramente que este é seu trunfo para derrotar o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, que disse ao seu povo semana passada: “A Rússia fará de tudo durante os 90 dias deste inverno para quebrar a resistência da Ucrânia, a resistência da Europa e a resistência do mundo”.

Eu gostaria de poder afirmar com certeza que Putin fracassará, que os americanos irão suprir a escassez e superar sua produção. E eu gostaria de poder escrever que Putin se arrependerá de suas táticas, porque elas eventualmente transformação uma Rússia czar da energia da Europa em uma colônia energética da China — onde Putin vende atualmente grande parte de seu petróleo com pesado desconto para superar a perda dos mercados ocidentais.

Tubos de gás do gasoduto Nord Stream 2 em usina em Lubmin, na Alemanha, em imagem do dia 7 de setembro. Fornecimento de energia russa à Europa diminuiu com guerra na Ucrânia Foto: Hannibal Hanschke / EFE

Sim, eu gostaria de poder escrever tudo isso. Mas não posso — não enquanto os EUA e seus aliados ocidentais continuarem vivendo em um mundo de fantasia no qual basta apertar um botão para realizarmos a transição dos combustíveis fósseis para as fontes renováveis de energia.

Eu bem gostaria que isso fosse possível. Esta coluna se dedica há 27 anos a defender a energia limpa e a mitigação das mudanças climáticas. Ainda defendo absolutamente — completamente — esses objetivos. Mas é impossível desejar os fins se você não deseja também os meios.

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E comprovadamente não fizemos isso!

Apesar de todo investimento em geração eólica e solar ao longo dos últimos cinco anos, os combustíveis fósseis — petróleo, gás natural e carvão — ainda atendiam a 82% do fornecimento primário total da energia no mundo em 2021 (usada para aquecer ambientes, no transporte e na geração de eletricidade), uma diminuição de somente 3 pontos porcentuais durante esse período de cinco anos. Apenas nos Estados Unidos, em 2021 cerca de 61% da eletricidade consumida foi gerada por combustíveis fósseis (principalmente carvão e gás natural), enquanto cerca de 19% veio de usinas nucleares e cerca de 20% de fontes renováveis.

Em um mundo que abriga classes médias crescentes — e sedentas de energia — na Ásia, na África e na América Latina, são necessárias enormes quantidades de energia limpa para alterar mesmo que minimamente nosso cardápio energético. Não basta apertar um botão. Nós temos uma longa transição pela frente, que só conseguiremos realizar se adotarmos urgentemente um pensamento inteligente e pragmático em relação a política energética — o que, por sua vez, resultará em maior segurança climática e maior segurança econômica.

Caso contrário, Putin continuará capaz de castigar severamente a Ucrânia e o Ocidente.

Antes da guerra na Ucrânia começar, a Rússia fornecia aproximadamente 40% do gás natural e metade do carvão que a Europa usa para aquecer ambientes e gerar eletricidade. Na semana passada, a Rússia anunciou que está suspendendo a maioria de suas exportações de gás natural para a Europa até que as sanções do Ocidente sobre os russos sejam suspensas. Putin também promete cortar todas as exportações de petróleo para a Europa se os aliados ocidentais forem adiante com seu plano de limitar o valor que pagam pelo petróleo russo.

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Imagem mostra alemães em Lubmin, na Alemanham em protesto contra a paralisação do gasoduto Nord Stream 2. Cartaz diz 'Iniciem a Nord Stream 2' Foto: Stefan Sauer / AP

Sem alternativas acessíveis economicamente para suprir o fornecimento de gás natural, segundo noticiou o Financial Times, algumas fábricas tiveram de fechar na Europa, “incapazes de pagar o custo do combustível”. As contas de energia — até 400% mais altas em alguns países europeus — “estão acercando consumidores da pobreza”.

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Alguns poderão ter de escolher neste inverno entre comer ou se aquecer. Isso força seus governos a oferecer subsídios massivos, distorcendo seus orçamentos, na esperança de evitar reações populistas e pressões para fazer a Ucrânia se render a Putin — e alguns países estão voltando a queimar carvão.

Se quisermos fazer os preços do petróleo e do gás natural baixarem para níveis razoavelmente baixos para alimentar a economia dos EUA e, ao mesmo tempo, ajudar nossos aliados europeus a escapar das garras da Rússia ao mesmo tempo que possamos acelerar nossa produção de energia limpa — chamem isso de nossa “Tríade Energética” — precisamos de um plano de transição que equilibre segurança climática, segurança energética e segurança econômica.

O presidente Joe Biden acaba de dar um impulso enorme para a geração de energia limpa nos EUA com seu pacote ambiental, que também dá estímulo à produção mais limpa de gás natural e petróleo por meio de incentivos inteligentes destinados a diminuir vazamentos durante sua prospecção e incentivando os produtores a investir mais em tecnologias de sequestro de carbono.

Imagem mostra navio com armazenamento de gás natural no porto de Prigorodnoye, na Rússia, em 29 de outubro de 2021 Foto: AP

Mas o fator mais importante para expandir rapidamente nossa exploração de petróleo e gás natural e nossa geração solar, eólica, geotérmica, hidroelétrica ou nuclear é dar às empresas que as empreendem (e aos bancos que as financiam) certeza prevista em regulamentação de que, se elas investirem bilhões, o governo as ajudará a construir rapidamente linhas de transmissão, gasodutos e oleodutos para transportar sua energia até o mercado.

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Os verdes amam painéis solares mas odeiam linhas de transmissão. Pena que essa abordagem não salva o planeta.

Philip Anschutz, bilionário conservador que fez fortuna extraindo petróleo, está tentando construir uma linha de transmissão de eletricidade para conectar sua gigantesca fazenda eólica no Wyoming com o mercado que se propõe a atender, em Las Vegas. O planejamento começou 17 anos atrás, mas apenas em dezembro Anschutz finalmente alcançou “um acordo com um rancho do Colorado para atravessar suas terras” com os elétrons limpos a caminho do mercado, noticiou a Bloomberg.

“Muitos dos melhores locais para a produção de energia limpa são desertos remotos e planícies isoladas”, acrescentou a reportagem, “mas esticar as linhas de transmissão para alcançar essas regiões pode levar uma década ou mais, em razão das permissões requeridas de proprietários privados, agências estaduais e do governo federal. A demora para obtenção dessas licenças é uma das maiores ameaças para as ambições do presidente dos EUA, Joe Biden, em livrar as redes de eletricidade dos combustíveis fósseis”.

Para conquistar o apoio crucial do senador Joe Manchin ao pacote ambiental de Biden, líderes democratas no Senado, conduzidos por Chuck Schumer, concordaram com um pacto paralelo: apoiar um projeto de lei que pretende agilizar, mas não eliminar, avaliações de impacto ambiental e outras análises regulatórias que com frequência atravancam o licenciamento de linhas de transmissão, gasodutos e oleodutos necessários para tornar economicamente viáveis projetos que envolvem gás natural, petróleo e geração solar e eólica. Se nosso principal caminho para a descarbonização for eletrificar os veículos e gerar eletricidade de fontes renováveis, precisaremos de mais vias de transmissão para fazer mais eletricidade circular — e precisaremos de mais sistemas de apoio movidos a gás natural para os dias em que o sol não brilhar ou o vento não soprar.

Por essas e outras razões, Biden quer que esse pacote destinado aos licenciamentos seja aprovado, assim como quase todos os senadores democratas. Schumer planeja atrelá-lo ao permanente projeto de resolução que o Congresso tem de aprovar para manter o governo aberto após o fim do ano fiscal, em 30 de setembro. Infelizmente, o senador Bernie Sanders se mostrou contrário — assim como mais de 70 deputados federais democratas, a maioria da Bancada Progressista do Congresso. Não está claro quantos deles chegarão ao ponto de bloquear a lei de financiamento do governo se seu texto incluir essa legislação de licenciamento, mas haverá alguns.

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Portanto, os lobistas das empresas de petróleo têm pedido para congressistas republicanos votarem a favor da legislação para compensar os progressistas que dizem não. Mas o Partido Republicano mandou as empresas de petróleo se lixar. Os congressistas republicanos não colaborarão de nenhuma maneira para outro sucesso de Biden.

Não sei quem é mais irresponsável: os virtuosos e orgulhosos progressistas que pretendem uma revolução verde súbita e imaculada, com painéis solares e fazendas eólicas mas sem nenhuma linha de transmissão nova nem gasodutos; ou os republicanos cínicos passando-se por durões, que preferem ver Putin vencendo e nossas empresas de energia perdendo a que fazer o que é certo pelos EUA e pela Ucrânia ao concordar com Biden.

Não me canso de repetir: A atual política energética dos EUA tem de ser o arsenal da democracia para derrotar o petroputinismo na Europa, fornecendo o petróleo e o gás natural tão urgentemente necessários para nossos aliados a preços razoáveis, para que Putin não seja capaz de chantageá-los. Isso tem de ser o motor do crescimento econômico, fornecendo a energia fóssil mais limpa e mais barata possível enquanto fazemos a transição para uma economia de baixas emissões de carbono. E tem de ser o primeiro passo no sentido da geração em escala a partir de fontes renováveis, para levar o mundo àquele futuro de baixas emissões o mais rapidamente possível. Qualquer política que não maximizar esses três aspectos nos deixará menos saudáveis, menos prósperos e menos seguros. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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