Os três caminhos para o fim da guerra de Putin; leia o artigo de Thomas Friedman

É ótimo que a Ucrânia esteja fazendo os russos recuar um pouco, mas como esta guerra resultará em um desfecho estável?

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Por Thomas L. Friedman

MUNIQUE — A semana passada foi uma semana interessante para estar na Europa conversando sobre a Ucrânia com especialistas em segurança nacional, autoridades e executivos de empresas. A Ucrânia e seus aliados acabavam de forçar invasores russos a uma caótica retirada de uma grande faixa de território, enquanto os presidentes de China e Índia pareceram deixar claro para Vladimir Putin que a inflação sobre os alimentos e a energia que sua guerra provocou está castigando os 2,7 bilhões de habitantes de seus países. Além disso tudo, uma icônica estrela pop russa disse aos seus 3,4 milhões de seguidores no Instagram que a guerra está “transformando nosso país em pária e piorando a vida dos nossos cidadãos”.

Em suma, foi a pior semana para Putin desde que ele invadiu a Ucrânia — sem sabedoria, justiça, piedade ou um plano B.

E mesmo assim… talvez eu estivesse falando com as pessoas erradas, mas detectei certo refluxo de ansiedade em muitas de minhas conversas com os aliados europeus da Ucrânia.

Soldados ucranianos em seu caminho para a linha de frente contra as tropas russas em Donetsk Foto: Anatolii Stepanov/AFP

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Aprendi muito tempo atrás como correspondente internacional que às vezes a notícia está no ruído, no que está sendo dito e berrado, e às vezes está no silêncio, no que não está sendo dito absolutamente. E minha interpretação sobre o que não estava sendo dito na semana passada é a seguinte: Sim, é ótimo que a Ucrânia esteja fazendo os russos recuar um pouco, mas você pode me responder uma pergunta que paira desde que o conflito começou: Como esta guerra resultará em um desfecho estável?

Ainda não sabemos. À medida que inseri essa pergunta nas minhas conversas, identifiquei três desfechos possíveis — uns inteiramente novos, outros familiares, mas todos resultantes de efeitos colaterais complicados e imprevisíveis:

O Desfecho 1 é a vitória total da Ucrânia, o que poderá fazer Putin cometer alguma loucura em face à derrota e humilhação.

O Desfecho 2 é um acordo sujo com Putin, que assegure um cessar-fogo e ponha fim à destruição, mas que arrisca fragmentar os aliados ocidentais e enfurecer muitos ucranianos.

O Desfecho 3 é um acordo não tão sujo — retornamos para as fronteiras a que todos atendiam antes de Putin invadir em fevereiro. A Ucrânia pode estar disposta a aceitar essa condição e talvez o povo russo também aceite, mas Putin teria de ser deposto antes, porque ele jamais toleraria a inegável implicação de que sua guerra foi completamente inútil.

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A disparidade entre esses desfechos é profunda, e poucos de nós não serão afetados pelas diferentes maneiras que eles se desdobrarem. Você pode não se interessar pela guerra na Ucrânia, mas a guerra na Ucrânia se interessará por você, na energia que você consome, nos preços dos alimentos que você come e, mais importante, na humanidade a que você pertence — conforme descobriram até mesmo as “neutras” China e Índia.

Esmiucemos, então, as três conclusões possíveis.

Desfecho 1: Ninguém espera que o Exército ucraniano seja capaz de dar continuidade às substanciais vitórias das duas últimas semanas e simplesmente escorracem o restante do Exército russo para o outro lado da fronteira. Mas pela primeira vez pude ouvir pessoas indagando: “E se o Exército russo realmente colapsar?”.

Certamente não são poucos os soldados russos — e os ucranianos russófonos que se aliaram a eles, pensando que os russos venceriam e permaneceriam para sempre por lá — se fazendo a mesma pergunta de John Kerry sobre a Guerra do Vietnã: “Como pedir para um homem que ele seja o último a morrer por um erro?”.

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Agora todos conseguem ver a grande mentira que toda esta guerra foi. Todos ouvem histórias de que alguns dos reforços que Putin está enviando para o front são detentos que concordaram em lutar na Ucrânia por seis meses em troca de sua liberdade. Muitos outros são mercenários de lugares distantes, como a Síria.

Espere um minuto. Se a Ucrânia realmente tivesse se tornado, como afirmou Putin, um Estado liderado por “nazistas” e encabeçasse um plano da Otan de expansão para o leste, na direção da mãe-pátria russa, como Putin poderia se abster de pedir ao povo russo que se mobilize para esse combate? Se a causa era tão justa e a guerra tão necessária, por que Putin teve de pagar criminosos e mercenários para lutar, esperando que as classes médias de Moscou e Leningrado simplesmente se calassem?

As pessoas conversam, e todos os soldados russos ou ucranianos russófonos que aderiram a Putin devem estar pensando: “Devo ficar? Devo sair correndo? Quem vai me proteger se romperem o front?”. Essa aliança é altamente vulnerável a um colapso em efeito cascata — primeiro gradual e depois acelerado. Cuidado.

Por quê? Porque Putin já aludiu diversas vezes para sua disposição em contemplar o uso de uma arma nuclear caso a Ucrânia e seus aliados da Otan comecem a sobrepujar suas forças, e ele está diante da humilhação completa. Espero mesmo que a CIA tenha um plano secreto para interromper a cadeia de comando de Putin para que ninguém aperte o botão.

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Desfecho 2: Não consigo imaginar o presidente Volodmir Zelenski aceitando um cessar-fogo neste momento, com suas forças atualmente tão motivadas e tão comprometidas em recuperar cada centímetro de território ucraniano, incluindo a Crimeia. Mas mantenha essa possibilidade na cabeça à medida que o inverno chega e Putin se recusa a vender gás natural para a Europa, fazendo os preços da energia aumentarem tanto que a situação força mais fábricas europeias a fechar e europeus mais pobres a ter de escolher entre comer ou se aquecer.

Apesar disso significar que os ganhos de Putin com a guerra não chegaram nem perto de seus objetivos, ele pode se interessar nesse desfecho, para ter pelo menos algo a mostrar a despeito de todas as suas derrotas e evitar a humilhação total.

Muitos líderes europeus defenderiam esse acordo, mesmo que não digam isso em alto e bom tom. Veja como um estadista europeu aposentado, que falou sob condição de não ser citado pelo nome, explicou isso em um seminário sobre negócios e política a que compareci.

O objetivo da Ucrânia, disse ele, é vencer. O objetivo da União Europeia é um pouco diferente. É ter paz, e se houver um preço para isso, alguns líderes na Europa estariam dispostos a pagar o preço certo. Os EUA ficam longe de lá, e para os EUA, acrescentou ele, não é tão ruim manter a guerra para enfraquecer a Rússia e se assegurar de que a Rússia não tenha energia para outras aventuras.

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Certamente, acrescentou ele, a UE está mais unida do que antes da guerra começar. Contudo, nos próximos meses as coisas ficarão bem difíceis. Haverá grande dissensão dentro da UE — e a coisa ficará cada vez mais difícil porque os objetivos se tornarão cada vez mais discrepantes, afirmou o ex-estadista. Mesmo que as declarações públicas sejam as mesmas, a UE está dividida em relação a como lidar com a guerra — não sobre a questão maior a respeito de Putin estar certo ou não, ou sobre a existência de uma ameaça; mas sobre como lidar com a situação como um todo, especialmente onde reações populistas emergiriam quando as pessoas ficassem completamente estressadas neste inverno.

Alguns líderes europeus começarão a perguntar: “Existe um caminho por meio de negociações?”. Países como os Estados bálticos com certeza apoiarão Zelenski 100%. Mas outros não se disporão a congelar por Donetsk ou Luhansk, concluiu ele.

Pessoas seguram cartazes contra a guerra na Ucrânia em Belgrado, Sérvia, depois que o presidente russo escalou o conflito ao convocar 300 mil reservistas Foto: Oliver Bunic/AFP

Conforme Michael Mandelbaum, autor de “The Four Ages of American Foreign Policy” (As quatro eras da política externa americana), me colocou: Putin pode farejar isso e decidir que sua melhor jogada é se movimentar para salvar uma nesga de dignidade e “expor divisões dentro da UE, anunciando que está pronto para negociar um cessar-fogo efetivo e retomar a exportação de gás para a UE caso um acordo possa ser alcançado. Mas isso certamente requereria fornecer a Zelenski o incentivo de garantias de segurança permanentes e vinculantes — talvez adesão plena à Otan”.

Esse desfecho é sujo porque significaria que Putin sairia impune de assassínio e apropriação indébita em grande escala, comprovando que ele pode mudar fronteiras na Europa à força. Mas se você não acha que alguns europeus (e muitos republicanos trumpistas no Congresso) se aproveitarão e pressionarão por isso se a guerra continuar durante o inverno, você está se enganando.

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Eu também não descartaria um Desfecho 2-B, em que Putin finca o pé e dobra a aposta para garantir que é capaz de conquistar unilateralmente ao menos uma fatia da Ucrânia, tentando causar mais estrago em cidades ucranianas que ele não controla e fazendo seu Parlamento-fantoche aprovar leis possibilitando que quatro regiões ucranianas ocupadas pela Rússia organizem “referendos” que deliberem sobre juntar-se à Rússia. As manobras nesta semana no sentido de organizar referendos parecem ter dois objetivos: pôr fim ao pânico nessas regiões entre ucranianos pró-Rússia com medo de ser abandonados e sinalizar o seguinte para Kiev, EUA e UE: “Eu ainda tenho muitos foguetes e continuo sem nenhum sentimento de culpa. Se vocês não me derem uma fatia que salve as aparências para que eu seja capaz de justificar esta guerra para o meu povo, eu realmente destruirei esse lugar. Lembrem-se de Grozny e Alepo”.

Desfecho 3: Trata-se de um acordo menos sujo, mas com o povo russo, não com Putin. Nesse cenário, a Otan e os ucranianos propõem um cessar-fogo segundo as fronteiras até 24 de fevereiro: atrás das quais as forças russas e ucranianas permaneciam antes da invasão de Putin. A Ucrânia é poupada de mais destruição, e o princípio da inadmissibilidade da alteração de fronteiras pela força é mantido. Mas Putin teria de admitir para o seu povo: “Sofremos cerca de 70 mil baixas, perdemos milhares de tanques e veículos blindados e experimentamos terríveis sanções econômicas — e não lhes consegui nada em troca”.

Evidentemente é impossível imaginá-lo dizendo isso. Mas esse acordo poderia ser de interesse do povo russo. Portanto, até onde consigo vislumbrar, imagino que Putin teria provavelmente de ser derrubado por um movimento popular de protestos em massa ou por um golpe palaciano. Toda responsabilidade sobre a guerra poderia ser atribuída exclusivamente a ele, e a Rússia poderia prometer ser uma boa vizinha novamente se o Ocidente suspendesse suas sanções. Zelenski teria de desistir do sonho de recuperar as regiões ucranianas tomadas pela Rússia em 2014, mas a Ucrânia poderia iniciar sua cura e ao menos reatar o processo de aderir à União Europeia — e talvez até mesmo à Otan.

Esta guerra sempre foi a guerra de Putin. Nunca foi a guerra do povo russo. E ainda que, até agora, as pessoas na Rússia possam ter considerado que não pagaram um preço alto por ficar em silêncio, elas estão erradas.

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Quando todos os alegados massacres perpetrados pelos russos na Ucrânia forem documentados e revelados ao mundo, o povo russo não será capaz de se dissociar do que foi feito por Putin em seu nome e com seu nome. Quando os combates cessarem e o mundo exigir que as reservas da Rússia em moeda estrangeira atualmente congeladas em bancos ocidentais — cerca de US$ 300 bilhões — sejam destinadas para a Ucrânia reconstruir pontes, escolas e hospitais destruídos pelo Exército russo, o povo russo começará a entender que esta guerra não sairá de graça. Quando documentaristas montarem todos os testemunhos de mulheres ucranianas que afirmam ter sido estupradas por soldados russos, nenhum cidadão russo será capaz de viajar pelo mundo sem sentir vergonha por um longo tempo.

Repito, não sou ingênuo. Mesmo se Putin fosse de alguma maneira substituído por Alexei Navalni, o cruzado nacionalista, anticorrupção e antiguerra que, acredita-se, Putin primeiro envenenou e depois jogou na cadeia, um cessar-fogo com a Ucrânia ainda poderia ser difícil de negociar ou manter. Além disso, as leis repressivas e uma implacável polícia secreta, a escassez de líderes e o medo justificado de que Putin poderia fazer com seu próprio povo o que está fazendo com os ucranianos argumentam contra a deposição de Putin por algum movimento popular.

Também estou ciente de que esse desfecho poderia resultar em Putin substituído por alguém pior, algum membro de sua direita ultranacionalista afirmando que Putin não lutou com força suficiente ou que foi sabotado por seus generais. Ou Putin poderia ser substituído por vácuo de poder e desordem — em um país com milhares de ogivas nucleares.

Mas considere esse exemplo de protesto público contra Putin, conforme noticiaram no último fim de semana meus colegas do Times que cobrem Rússia, nos revelando que esses dias incomuns para aquele país podem invocar respostas incomuns: “A estrela pop que definiu o século 20 na Rússia, Alla Pugacheva, expressou sua oposição à invasão russa à Ucrânia neste domingo, emergindo como a mais relevante celebridade a se opor publicamente à guerra, em um momento em que Vladimir Putin enfrenta desafios crescentes dentro e fora do campo de batalha. Pugacheva, de 73 anos, escreveu em um post no Instagram, onde possui 3,4 milhões de seguidores, que os russos estão morrendo na Ucrânia por ‘objetivos ilusórios’”.

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Tudo isso ajuda a explicar o refluxo que detectei na Europa semana passada, a sensação de que essa guerra pode acabar de muitas maneiras diferentes, algumas melhores, algumas piores, mas nenhuma delas fáceis.

E nem falamos do Desfecho 4 — algo que ninguém é capaz de prever./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO