Zumbindo como um mosquito com anabolizantes, um pequeno drone que decolou de uma fazenda no leste da Ucrânia pairou por um tempo no céu. Depois, voou em direção a posições russas perto da cidade de Bakhmut, palco da batalha mais sangrenta da guerra.
“Amigos, vamos lá!”, disse o piloto, o soldado Yevhen, com óculos de realidade virtual presos na cabeça e um joystick na mão para guiar o artefato e sua carga de quase 1 kg de explosivos.
Montados a partir de drones de lazer, eletrônicos comuns e partes de jogos de computador, equipamentos como o de Yevhen emergiram como uma das inovações mais mortais e disseminadas nos 14 meses de invasão russa na Ucrânia.
Mais sobre a Guerra na Ucrânia
Nas linhas de frente, os drones estendem o alcance de soldados, que podem voá-los com grande precisão para jogar granadas nas trincheiras e bunkers inimigos. Também podem lançá-los contra alvos para que explodam no impacto.
Drones kamikaze, em particular, são facilmente construídos, e milhares de soldados de ambos os lados hoje têm a experiência para montá-los a partir de pedaços encontrados sem grandes dificuldades. Os ucranianos, contudo, afirmam que usam as armas com maior frequência que seus oponentes.
Os pequenos drones se proliferaram no campo de guerra desde ao menos setembro do ano passado, bem antes de a Rússia culpar a Ucrânia pelas duas explosões supostamente causadas por drones contra o Kremlin na quarta passada. Kiev e Moscou trocam acusações sobre o incidente — e, mesmo que os artefatos tenham de fato adentrado na sede do governo russo, não está claro de que tipo eram, qual era seu alcance ou a quem pertenciam.
Adaptação e criatividade
Por anos, os Estados Unidos usaram drones do tipo Predator e Reaper em sua Guerra ao Terror no Iraque e no Afeganistão. Cada um deles custava dezenas de milhares de dólares e tinha capacidade de disparar mísseis antes de voltar para suas bases.
A Ucrânia, em contraste, adaptou uma variedade de pequenos equipamentos que estão amplamente disponíveis para os consumidores, como quadricópteros e drones de asas fixas. Após alterações, tornam-se capazes de encontrar alvos de artilharia e lançar granadas.
Drones explosivos pertencem a uma classe de armas conhecida munição vagante, devido à sua capacidade de circular ou pairar por um alvo antes de mergulharem para o ataque.
A Rússia produz um drone autodestrutivo específico para fins militares, o Lancet, e faz amplo uso dos drones kamikazes iranianos do tipo Shahed. Os EUA forneceram para os ucranianos um equipamento com funções similares, o Switchblade.
Tais artefatos industrializados têm maior alcance e, alguns, maior carga útil do que os drones caseiros usados na Ucrânia. Mas o Switchblade, tal qual o Shahed, por via de regra navega para alvos pré-programados, sistema que os soldados ucranianos dizem ser menos efetivo que as alternativas artesanais, controladas remotamente por operadores.
Oficinas de garagem
Soldados e voluntários civis os constroem em oficinas de garagem, experimentando e inventando com materiais gerados em impressoras 3D. Juntam ainda explosivos e softwares exclusivos para tentar driblar os obstáculos e defesas eletrônicas russas.
Eles produziram alguns drones capazes de soltarem bombas suficientemente grandes para destruir veículos blindados, que podem ser reutilizados e cujos custos podem chegar a US$ 20 mil. Os menores e mais comuns drones kamikazes, como os usados pelo soldado Yevhen, geralmente custam algumas centenas de dólares.
Mais mambembes, os artefatos são construídos a partir de um tipo de drone usado para corridas de recreação, geralmente um modelo fabricado pela imprensa chinesa DJI — a ele, explosivos geralmente são presos usando lacres ou fitas. São armas descartáveis: uma vez armadas e lançadas, não podem sequer pousar com sucesso.
Precisão devastadora
Kyryl Veres, comandante de uma brigada ucraniana estacionada perto de Severesk, no norte de Bakhmut, disse ver “grande potencial” para tais armamentos no tipo de batalhas de trincheira que vêm dominando esta guerra. “Qualquer equipamento pode ser atingido em um lugar onde o inimigo acredita estar um milhão por cento seguro”, afirmou, em entrevista.
Um drone relativamente barato destruindo um blindado muito mais caro, por exemplo, é um exemplo significativo de guerra assimétrica, estratégia para superar as vantagens tecnológicas ou numéricas do inimigo. E, apesar da chegada de armas ocidentais, as forças ucranianas continuam menores que as russas.
“O Exército ucraniano deve usar ferramentas assimétricas, incomuns de guerra”, disse Serhiy Hrabsky, coronel aposentado e um comentarista recorrente na imprensa ucraniana.
Ele traçou um paralelo entre as bombas postas nos acostamentos iraquianos e afegãos por insurgentes, usadas contra os militares americanos, que as chamavam de artefatos explosivos improvisados. A Ucrânia, afirmou o general reformado, usa “drones kamikazes improvisados”, afirmando que “a arte da guerra não é estática”.
A experiência de voar com óculos de realidade virtual, permitindo uma visão imersiva da câmera do drone, é similar a de jogar um videogame particularmente estressante. As missões passam longe de serem seguras para os pilotos: o pequeno alcance dos drones com cargas explosivas — geralmente ao redor de 6 ou 7 quilômetros — faz com que os condutores precisem estar nas trincheiras ou perto da linha de frente, onde ficam vulneráveis à artilharia e snipers.
Ainda assim, os drones são letalmente efetivos. Os militares ucranianos já postaram dezenas de vídeos filmados pelos artefatos enquanto mergulham para ir de encontro a seus alvos, com precisão devastadora.
Pilotos perseguem e atacam tanques em movimento ou viajam pelas portas abertas de blindados para explodi-los de dentro, enquanto os soldados usam os segundos finais para tentar pular em fuga. E rotineiramente levam os drones até bunkers, como era a intenção de Yevhen, que estava na linha de frente perto de Bakhmut.
Como funcionam os ataques
Em uma manhã recente E de céu claro, o matagal de onde o soldado operava seu drone era como um aeroporto de equipamentos. Vários colegas navegavam artefatos de vigilância, enquanto outros tentavam lançar granadas nas trincheiras russas.
Após o drone decolar com um zumbido, Yevhen deixou-o parar por um momento enquanto testava os controles. O drone despencou de volta ao solo — momento estressante, já que o explosivo estava já pronto para ser detonado. Mas isso não acontece e ele levantou voo de novo.
Se tudo seguisse de acordo com os planos, o soldado rapidamente veria se aproximar a entrada de um bunker e, no momento derradeiro de contato, talvez uma espiadinha de soldados russos com pouca sorte. Suas mãos tremiam no console.
Dois outros drones acompanharam o artefato de ataque, voando perto para guiar e acompanhar o assalto. Fios, plugues e telas em um bunker faziam o sistema funcionar em conjunto. “Faça-me um favor e vá para a direita”, disse o soldado Yevhen a um piloto que o acompanhava.
Os drones chegaram à área crítica onde as proteções eletrônicas russas podem confundir seus sinais, fazendo com que os pilotos percam o controle e até batam. “Estável, estável”, disse ele sobre sua conexão de rádio.
Logo depois, contudo, Yevhen perdeu o controle. Ele perguntou ao colega “onde você voou”, tentando manter-se nas rédeas. “Estou aqui”, respondeu o outro piloto.
Mas o drone kamikaze de Yevhen havia mergulhado algumas centenas de metros antes do alvo. Nem ele ou os artefatos de vigilância, que estavam fora da posição correta, conseguiam afirmar se a explosão havia ocorrido ou se só havia pousado. Também não estava claro se a culpa pelo fracasso era da defesa russa ou de problemas técnicos ucranianos. “Tudo foi perdido”, disse ele, tirando o óculos. “Ele só caiu”.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.