Tragédia de família na Ucrânia, imortalizada em foto, resume massacre do Exército russo

Mãe e dois filhos foram mortos ao atravessarem os restos de uma ponte em Irpin, tentando fugir para Kiev; um voluntário da igreja que os ajudava também morreu

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Por Andrew E. Kramer
Atualização:

THE NEW YORK TIMES, KIEV - Eles se conheceram no ensino médio, mas se tornaram um casal alguns anos mais tarde, depois de se encontrarem novamente em uma pista de dança em uma boate na Ucrânia. Casados em 2001, eles moravam em uma comunidade-dormitório nos arredores de Kiev, em um apartamento com seus dois filhos e seus cachorros, Benz e Cake. Ela era contadora. Ele, programador.

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Serhiy e Tetiana Perebinis possuíam uma minivan Chevrolet. Eles compartilhavam uma casa de campo com amigos. Tetiana era uma jardineira dedicada e uma ávida esquiadora. Ela tinha acabado de voltar de uma viagem de esqui na Geórgia.

E então, no final do mês passado, a Rússia invadiu a Ucrânia, e os combates rapidamente avançaram para Kiev. Não demorou muito para que os projéteis de artilharia caíssem em seu bairro. Uma noite, um projétil atingiu seu prédio, levando Tetiana e as crianças a se mudarem para o porão. Finalmente, com o marido no leste da Ucrânia cuidando de sua mãe doente, ela decidiu que era hora de pegar seus filhos e fugir.

Serhiy Perebinis segura os retratos da esposa, Tetiana, e dos filhos Mykyta, 18, e Alisa, 9, que morreram em um ataque de morteiro lançado pela Rússia quando tentavam fugir de Kiev em um corredor humanitário.  Foto: Lynsey Addario/The New York Times

Eles não conseguiram. Tetiana, de 43 anos, e seus dois filhos, Mykyta, de 18, e Alisa, de 9, junto com um voluntário da igreja que os ajudava, Anatoly Berezhnyi, de 26 anos, foram mortos no domingo ao atravessarem os restos de concreto de uma ponte danificada em sua cidade de Irpin, tentando fugir para Kiev.

A bagagem deles - uma mala com rodinhas azul, uma mala cinza e algumas mochilas - ficou espalhada perto de seus corpos, junto com uma maleta verde para um cachorrinho que estava latindo.

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Eles eram quatro pessoas entre as muitas que tentaram atravessar a ponte no fim de semana passado, mas suas mortes ressoaram muito além de seu subúrbio ucraniano. Uma fotografia da família e de Berezhnyi deitado ensanguentado e imóvel, tirada por uma fotógrafa do The New York Times, Lynsey Addario, resume o massacre indiscriminado por um Exército russo invasor que tem cada vez mais como alvo áreas civis densamente povoadas.

Fugindo da invasão da Rússia

A vida da família e suas horas finais foram descritas em uma entrevista concedida por Serhiy e uma madrinha, Polina Nedava. Serhiy, também de 43 anos, disse que soube da morte de sua família no Twitter, a partir de postagens de ucranianos.

Na única vez em que caiu em lágrimas durante a entrevista, Serhiy contou ter dito à mulher na noite anterior à sua morte que lamentava não estar com ela. “Eu disse a ela: ‘Perdoe-me por não poder defendê-la’”, disse ele. “Eu tentei cuidar de uma pessoa, e isso significa que não posso protegê-la.”

“Ela disse: ‘Não se preocupe, eu vou sair’.”

Depois que ela não conseguiu sair, ele disse que achava importante que suas mortes tenham sido registradas em fotografias e vídeos. “O mundo inteiro deveria saber o que está acontecendo aqui”, disse ele.

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Estilhaços do morteiro russo que matou Tetiana, e seus filhos, quando tentavam fugir de Kiev.  Foto: Lynsey Addario/The New York Times

Segunda fuga por causa da guerra

A família Perebyinis já havia sido deslocada uma vez pela guerra, em 2014, quando morava em Donetsk, no leste, e a Rússia fomentou uma revolta separatista. Eles se mudaram para Kiev para escapar dos combates e começaram a reconstruir suas vidas. Quando os tanques russos entraram na Ucrânia no mês passado, eles mal podiam acreditar que estava acontecendo de novo, disse Serhiy.

A empregadora de Serhiy, a SE Ranking, uma empresa de software com escritórios na Califórnia e em Londres, incentivou os funcionários a deixar a Ucrânia imediatamente assim que os combates começaram.

Ela até alugou quartos para eles na Polônia, disse. Mas sua mulher atrasou sua partida por causa da incerteza sobre como retirar sua mãe, que tem doença de Alzheimer.

Uma colega de trabalho, Anastasia Avetysian, disse que a SE Ranking forneceu fundos de emergência para a retirada de funcionários e que Tetiana, como contadora-chefe na Ucrânia, esteve ocupada em seus últimos dias distribuindo esses fundos.

“Estávamos todos em contato com ela”, disse Avetysian em entrevista por telefone. “Mesmo quando ela estava escondida no porão, ela estava otimista e brincando em nosso bate-papo em grupo que a empresa agora precisaria fazer uma operação especial para tirá-los, como ‘Saving Private Ryan’.”

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Mas por trás das piadas havia um período de espera e intensa preocupação, disse Serhiy. Seu filho, Mykyta, passou a dormir durante o dia e a ficar acordado a noite toda, vigiando sua mãe e sua irmã.

Quando havia sons de luta, ele os acordava e os três se moviam para um corredor, longe das janelas. “Meu filho estava sob muito estresse”, disse Serhiy.

No sábado passado, depois de dois dias no porão, eles fizeram uma primeira tentativa de saída. Mas enquanto eles estavam arrumando sua minivan, um tanque passou na rua do lado de fora. Resolveram esperar.

No dia seguinte, eles se levantaram e se mudaram por volta das 7 da manhã. Tetiana havia discutido o plano minuciosamente com o marido. Ela e seus dois filhos e sua mãe e seu pai, que moravam nas proximidades, se juntariam a um grupo da igreja e tentariam sair em direção a Kiev, e depois chegar a algum lugar seguro de lá.

Eles dirigiram o mais longe que puderam em Irpin, mas então Tetiana foi forçada a abandonar a minivan. Eles partiram a pé em direção a uma ponte danificada sobre o Rio Irpin.

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Para escapar, eles foram forçados a atravessar cerca de cem metros de rua em um lado da ponte. Enquanto as forças russas disparavam contra a área, muitos tentavam se esconder atrás de uma parede de tijolos.

O voluntário da igreja, que já havia retirado sua própria família, mas voltou para ajudar outras pessoas, estava com Perebyinis e seus filhos quando eles começaram a correr para o outro lado.

Descobrindo a morte da família pelo Twitter

Durante a noite, Serhiy tentou monitorar a localização de sua mulher usando um aplicativo localizador em seus telefones. Mas não mostrava nada: a família estava em um porão, sem sinal de celular.

Perto do amanhecer, contou, viu um sinal, mostrando o endereço de localização deles. Mas nada os mostrava se movendo. A cobertura do celular havia se tornado muito irregular na cidade.

O próximo sinal de uma localização no telefone de Serhiy veio por volta das 10 da manhã de domingo. Foi no Hospital Clínico No. 7 em Kiev. Algo tinha dado errado.

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Ele ligou para o número de sua mulher. Estava tocando, mas ninguém atendeu. Ele ligou para os números de telefone de seus filhos, com o mesmo resultado.

Cerca de meia hora depois, ele viu um post no Twitter dizendo que uma família havia sido morta em um ataque de morteiro na rota de saída de Irpin. Pouco tempo depois, apareceu outro post no Twitter, com uma foto. “Reconheci a bagagem e foi assim que soube”, disse ele.

Serhiy Perebyinis segura o casaco de sua mulher, Tetiana, ensaguentando e perfurado por estilhaços do morteiro lançado pelo Exército russo sobre os civis em Kiev.  Foto: Lynsey Addario/The New York Times

Quando o morteiro atingiu, a família e Berezhnyi estavam a cerca de 12 metros da cratera deixada pelo morteiro. Eles não tiveram chance. A explosão enviou um jato de centenas de fragmentos de estilhaços metálicos. Seus corpos caíram na rua lamacenta ao lado de um monumento aos mortos da 2ª Guerra em Irpin. Uma placa no monumento dizia: “Memória eterna para aqueles que se apaixonaram pela pátria na Grande Guerra Patriótica”.

Os pais de Tetiana estavam atrás da mãe e dos filhos e saíram ilesos. Eles agora estão com Polina, a madrinha. No dia seguinte, uma tempestade de neve caiu sobre Kiev.

As malas, uma das quais havia sido aberta pela explosão ou depois aberta por moradores, estavam cobertas de neve na rua ao lado de manchas de sangue. Continha apenas roupas: uma regata infantil rosa, calça de moletom, meias amarelas e azuis de tamanho infantil, aparentemente para Alisa.

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‘Minha família inteira morreu’

Quando solicitado a descrever sua mulher, Serhiy caiu em sua cadeira. Poliana disse que ela tinha um espírito “leve”, muitas vezes brincava e animava uma sala. “Fomos casados por 23 anos e reformamos três apartamentos e nunca discutimos uma vez”, disse Serhiy.

Berezhnyi havia levado sua mulher para o oeste da Ucrânia, mas voltou a Irpin para ajudar na retirada organizada por sua igreja, a Igreja Bíblica Irpin, disse o pastor Mykola Romaniuk em entrevista por telefone.

Quando o ataque de morteiros começou, com projéteis caindo a algumas centenas de metros de distância, Romaniuk disse que outros voluntários da igreja viram Berezhnyi correr para ajudar Tetiana. “Ele pegou a mala dela e eles começaram a correr”, disse ele.

O retrato de Tetiana Perebyinis, morta com seus filhos por estilhaços de um morteiro russo, e que Serhiy Perebyinis guarda com ele  Foto: Lynsey Addario/The New York Times

Berezhnyi, disse o pastor Romaniuk, foi tranquilo e generoso. “Ele era o tipo de amigo que está pronto para ajudar sem precisar de palavras”, disse ele. “Não sei como Deus pode perdoar tais crimes.”

Em meados de fevereiro, antes do início da guerra, Serhiy viajou para sua cidade natal, Donetsk, no leste da Ucrânia controlado pelos rebeldes, para cuidar de sua mãe, que estava doente com covid-19. Depois que as hostilidades começaram, o ponto de passagem foi fechado e ele ficou preso no leste.

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Para retornar a Kiev do leste da Ucrânia controlado pelos separatistas após a morte de sua família, Serhiy viajou para a Rússia e voou para a cidade de Kaliningrado para cruzar uma fronteira terrestre com a Ucrânia.

Na imigração, disse ele, os guardas russos o interrogaram, tiraram suas impressões digitais e pareciam prontos para prendê-lo por razões pouco claras, embora ele tenha sido autorizado a seguir viagem.

Ele disse a eles: “Minha família inteira morreu no que vocês chamam de operação especial e nós chamamos de guerra. Você pode fazer o que quiser comigo. Não tenho mais nada a perder.”

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