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Travessia de imigrantes expõe crise e sufoca instalações na fronteira dos EUA

Número de pessoas que atravessam fronteira na região de El Paso aumentou fortemente nos últimos meses

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Por Simon Romero, J. David Goodman e Eileen Sullivan

EL PASO, TEXAS - Centenas de migrantes atravessaram o Rio Grande e entraram em El Paso após o anoitecer do domingo, 11, numa caravana de pessoas vindas principalmente da Nicarágua. Foi a maior travessia em massa da fronteira no oeste do Texas nos últimos anos.

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A chegada dos migrantes em massa causou espanto até mesmo em El Paso, que nos últimos meses tem ficado sobrecarregada com um fluxo constante de migrantes da América Central e do Sul –mais de 50 mil pessoas apenas em outubro.

Como os migrantes venezuelanos que inundaram a cidade este ano, os que chegam da Nicarágua não podem ser expulsos sumariamente sob os termos de uma política de saúde pública da era da pandemia conhecida como Título 42, que as autoridades aplicam a migrantes de outros países, como o México.

Instituição em El Paso está fornecendo abrigo temporário para migrantes que chegam do México. Foto: Paul Ratje/ The New York Times

Assim, as cenas vistas em El Paso ofereceram uma prévia dos desafios que as autoridades podem encarar em toda a fronteira sul depois que a Título 42 chegar ao fim. Tirando uma intervenção dos tribunais, isso deve ocorrer na semana que vem.

A maioria dos migrantes que chegaram no domingo se entregaram às autoridades federais para processamento. Em breve eles se juntarão a milhares de outros que atravessaram nos últimos dias, muitos dos quais foram soltos para buscar assistência e comida. Alguns se reuniram na estação rodoviária central. À noite, quando a temperatura caiu para quase zero graus, se deitaram para dormir sobre folhas de papelão.

“Eu vou para Nashville”, disse Gabriel Moreno, 21 anos. Ele deixou um emprego mal pago numa fábrica têxtil na Nicarágua, foi assaltado durante a travessia do México e, na segunda, era um dos migrantes reunidos na rodoviária de El Paso procurando maneiras de seguir viagem nos Estados Unidos.

Devido ao desgaste de suas relações diplomáticas com o regime autoritário nicaraguense, os EUA têm chances limitadas de expulsar nicaraguenses sob os termos da medida de saúde pública e não podem repatriar os cidadãos do país. E o México até agora não concordou em aceitar nicaraguenses se forem expulsos dos Estados Unidos.

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Em consequência disso, a maioria dos nicaraguenses apreendidos são soltos em liberdade condicional de curto prazo, equipados com um dispositivo de rastreamento, ou então detidos provisoriamente pela agência de imigração (ICE), onde geralmente são libertados após alguns dias. Mais adiante, todos serão convocados para um tribunal de imigração para receber ordens de deportação.

Um número enorme de pessoas chegou a El Paso no fim de semana –mais ou menos 2.000 por dia, segundo autoridades. O grupo de entre 800 e mil pessoas que fez a travessia na noite do domingo parece ter sido o maior.

Blake Barrow, diretor da Missão de Resgate de El Paso, disse que seu abrigo está superlotado com o fluxo de migrantes. “O número de pessoas chegando não parece nada que eu tenha visto nos últimos 25 anos”.

Ainda em agosto, segundo ele, quase todas as pessoas que recebiam assistência no abrigo eram cidadãos americanos em situação de rua. “Hoje os americanos sem-teto são cerca de 30% das pessoas que ajudamos”, disse Barrow. “A dinâmica toda mudou com o grande número de pessoas chegando de países como a Nicarágua.”

Aumento na chegada de migrantes sobrecarregou a cidade de El Paso e alguns dormem nas ruas, enquanto as temperaturas caem abaixo de zero. Foto: Paul Ratje/ The New York Times

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Ele falou que está colocando pessoas para dormir em qualquer lugar que consegue encontrar para elas. “Francamente, não sei como resolver este problema”, disse. “Estamos totalmente sobrecarregados.”

O número de migrantes extrapolou de longe a grande caravana que chegou no domingo e não parece estar diminuindo. Rosalio Sosa, que administra uma rede de abrigos, inclusive em Ciudad Juárez, do outro lado da fronteira em relação a El Paso, disse que ainda havia migrantes atravessando a fronteira na tarde de segunda-feira, 12. Uma fila se formara do outro lado do rio, com as pessoas que haviam chegado mais recentemente aguardando ser processadas pelas autoridades americanas. “A fila está interminável”, ele disse.

Foi a segunda vez nos últimos meses que a chegada de grande número de migrantes de uma vez ameaçou sobrecarregar os recursos da cidade de fronteira e das autoridades imigratórias federais, já sob pressão devido ao fluxo constante de migrantes este ano. Mais de 5.000 migrantes estavam na unidade central de processamento da Patrulha de Fronteira na segunda, segundo autoridades de El Passo.

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“Estamos sobrecarregados”, disse o senador estadual César J. Blanco, que representa a área e pediu ajuda humanitária aos governos estadual e federal. Segundo ele, El Paso tornou-se o ponto de entrada de migrantes em situação de desespero, como foi Ellis Island. “Querendo ou não, essa é a realidade”.

Migrantes ao longo do Rio Grande se aproximam do muro da fronteira do Texas. Foto: Paul Ratje/ The New York Times

Na segunda-feira migrantes, principalmente nicaraguenses, eram vistos agrupados nas esquinas da cidade ou aguardando diante da rodoviária.

“Tenho cinco pessoas hospedadas comigo agora na minha casa e deixei outras três dormirem no meu caminhão”, contou Almaraz Saucedo Isidro, que mora num dos apartamentos em frente à rodoviária. “Está fazendo frio. Eles não têm comida nem agasalhos. Simplesmente foram largados aqui.”

O número de pessoas que atravessam do México aumentou fortemente na região de El Paso nos últimos meses. Em outubro, o mês mais recente para o qual há dados disponíveis, 53 mil encontros foram registrados por agentes de fronteira na área. Isso é mais que em qualquer outro setor da fronteira EUA-México. Nos últimos 12 meses, agentes federais registraram um número recorde de encontros ao longo de toda a fronteira sul: quase 2,4 milhões.

As imagens de migrantes em grande número atravessando a pé seções rasas do Rio Grande em El Paso lembraram momentos anteriores de crise na fronteira sul, mais recentemente na pequena cidade de Del Rio, Texas, onde no ano passado mais de 9.000 migrantes, sobretudo haitianos, se espremeram em condições de precariedade absoluta num acampamento temporário sob uma ponte sobre o rio.

Autoridades estão considerando retomar o transporte de migrantes para outras cidades do país. Foto: Paul Ratje/ The New York Times

Quase 7.000 migrantes foram libertados da custódia da imigração federal na semana passada em El Paso –um total semanal que superou mesmo os números vistos durante a grande onda de chegada de venezuelanos este ano. A maioria dos que são soltos em El Paso acabam saindo da cidade, mas antes disso muitas vezes procuram comida, abrigo e assistência.

John Martin, vice-diretor do Centro de Oportunidades para os Sem-Teto em El Paso, disse que foi informado na segunda-feira que outros 2.500 migrantes serão soltos esta semana. O centro, que trabalha principalmente com a população local em situação de rua, opera vários abrigos, a maioria dos quais já superlotada, segundo Martin.

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As cenas –de grandes grupos atravessando o rio durante a noite, de migrantes dormindo nas ruas da cidade— ofereceram um vislumbre potencial da situação que as autoridades vêm se preparando para encarar possivelmente já na próxima semana, quando terminar a vigência da política de saúde Título 42.

Adotada pela administração Trump e continuada sob a administração de Joe Biden, graças a uma ordem judicial, a política tem permitido às autoridades americanas expulsar migrantes sumariamente para impedir o alastramento do coronavírus.

Migrantes, principalmente da Nicarágua, são vistos de Juarez, no México, ao longo da costa do Rio Grande, perto do muro da fronteira com os EUA. Foto: Paul Ratje/ The New York Times

O grupo que chegou no sábado incluía migrantes vindos de vários países centro e sul-americanos, além do Haiti, e que haviam recebido status legal temporário no México que lhes permitia deslocar-se livremente nesse país por 180 dias, disse Santiago González Reyes, diretor de escritórios de direitos humanos em Ciudad Juárez, do outro lado da fronteira em relação a El Paso.

Segundo Marcos Chavez Torres, prefeito de Jiménez, no estado mexicano de Chihuahua, alguns dos migrantes faziam parte de um grupo grande que foi sequestrado ao longo do caminho e extorquido, até que as autoridades mexicanas conseguiram sua libertação.

Na tarde do domingo, disse González, o governo de Chihuahua enviou uma caravana de 1.100 migrantes de ônibus para Juárez. Os 19 ônibus foram pagos pelo governo mexicano, segundo ele, que argumentou que os migrantes teriam caminhado para o norte de qualquer maneira e providenciou uma escolta policial para garantir sua segurança.

O grupo não ficou muito tempo em Juárez. Por volta das 16h os migrantes decidiram atravessar a fronteira em massa, ele disse. Centenas de outros se juntaram a eles. “Partiram a pé e atravessaram o rio”, disse González.

Cenas de grandes grupos atravessando o rio oferecem um vislumbre da potencial situação que as autoridades vêm se preparando para encarar. Foto: Paul Ratje/ The New York Times

O centro de processamento em El Paso está funcionando acima de sua capacidade no momento, algo que as autoridades de fronteira conseguiram controlar em ocasiões anteriores.

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Felix Acuna, 41 anos, chegou à fronteira no domingo, vindo da Nicarágua, depois de 25 dias de viagem. Ele passou sete horas detido pelas autoridades federais até ser libertado e foi orientado a telefonar em duas semanas para saber a data em que deve comparecer a um tribunal. Acuna disse que estava tentando entrar em contato com seus familiares em Miami e conseguir uma passagem de ônibus para lá.

“Está muito difícil na Nicarágua no momento –não há trabalho”, ele disse. “Vim para cá procurar trabalho, porque tenho quatro filhas em casa.”

Até recentemente a prefeitura de El Paso pagava as passagens de ônibus de migrantes para destinos ao norte e leste. Em setembro o número de migrantes que faziam a travessia na cidade chegava a 2.000 em alguns dias, em sua maioria venezuelanos.

Mulheres migrantes embarcam em um ônibus da Alfândega e Proteção de Fronteiras no Opportunity Center for the Homeless no centro de El Paso. Foto: Paul Ratje/ The New York Times

As autoridades locais suspenderam o programa de envio por ônibus –que havia tirado quase 14 mil pessoas da cidade, das quais 10 mil foram a Nova York— em outubro, quando a administração Biden mudou sua política e começou a aplicar a ordem sanitária Título 42 a grande número de venezuelanos que estavam chegando à fronteira, a maioria dos quais anteriormente podia permanecer e aguardar o processamento de seus pedidos de asilo.

No centro de El Paso, na segunda, alguns dos migrantes reunidos perto da estação rodoviária se aventuraram a andar pela área em volta.

Carmen Tercero, 37 anos, estava sentada num banco ao lado de suas duas filhas, que têm 8 e 17 anos. Depois de sair da Nicarágua e atravessar o México, elas cruzaram a fronteira na semana passada e foram libertadas de um centro de processamento na manhã da segunda-feira.

“Só o que eu quero é uma vida melhor para minhas filhas”, disse Tercero, que trabalhava num salão de beleza em Manágua. Enquanto aguardavam um ônibus para Houston, onde vive sua irmã, ela prosseguiu: “Atravessarei a fronteira outras cem vezes se for preciso para ajudá-las”.

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