O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a causar polêmica ao sustentar que o russo Vladimir Putin poderia vir ao Brasil sem medo de ser preso para a cúpula do G-20 no Rio de Janeiro em 2024 — ano em que o país assumirá a presidência rotativa do bloco. Acusado de cometer crimes de guerra na Ucrânia, o chefe do Kremlin é alvo de um mandado de prisão do TPI, o Tribunal Penal e Internacional, e passou a evitar países que integram a Corte para não correr riscos.
Foi por isso que Vladimir Putin faltou ao encontro do Brics, que ocorreu no mês passado em Joanesburgo. Signatária desde os anos 2000, a África do Sul até sugeriu que poderia deixar o Tribunal, mas a declaração pegou mal e o presidente Cyril Ramaphosa foi desmentido pelo próprio gabinete. Diante do impasse, Putin falou por vídeo e foi representado pelo ministro das Relações Exteriores Sergei Lavrov.
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Agora, para contornar a repercussão negativa do convite, Lula fez um movimento parecido de questionar a participação brasileira no Tribunal Penal Internacional. O petista chegou a dizer também que não conhecia o TPI, do qual o Brasil é signatário há 20 anos.
A adesão foi promulgada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em dezembro de 2002, dias antes de passar para Lula a faixa presidencial. Já durante o governo petista, a brasileira Sylvia Steiner foi eleita juíza do Tribunal Penal Internacional, cargo que ocupou até 2016.
O que é o Tribunal Penal Internacional?
O chamado Tribunal de Haia foi estabelecido pelo Estatuto de Roma, em 1998 e entrou em vigor em 2002. A missão é investigar, processar e julgar indivíduos por violações que dizem respeito à comunidade internacional, mais especificamente genocídios, crimes contra humanidade, de guerra e de agressão. Esse último caracterizado pelo uso da força de um Estado contra a integridade territorial de outro país.
Por julgar apenas indivíduos, o TPI não deve ser confundido com a Corte Internacional de Justiça, que também fica na cidade de Haia, na Holanda, mas foca nas contendas entre Estados. O Tribunal também se difere de órgãos antecessores criados de forma provisória no âmbito das Nações Unidas para casos específicos, como os massacres em Ruanda e na Iugoslávia por exemplo. O TPI é permanente e opera independente da ONU.
“Foi a primeira vez na história da humanidade que os países decidiram aceitar a jurisdição de uma corte penal internacional para processar os perpetradores dos mais sérios crimes cometidos nos seus territórios ou pessoas da sua nacionalidade”, explica em nota o próprio TPI.
Quais são os Estados-membros?
Hoje, 123 países espalhados pelo mundo são considerados membros do Tribunal. Além de emergentes como Brasil e África do Sul, a lista inclui potências europeias, como Alemanha, França e Reino Unido. No entanto, os grandes players globais da atualidade, Estados Unidos e China, não se sujeitam às determinações do Tribunal.
Índia, Rússia e a própria Ucrânia também não assinam o Estatuto de Roma. Mesmo assim, Kiev autorizou o TPI a atuar em seu território, o que permitiu o mandado de prisão contra Vladimir Putin, acusado de deportar ilegalmente crianças ucranianas nos territórios ocupados pela Rússia.
Passo a passo dos processos
Qualquer Estado-membro ou país que aceite a jurisdição do Tribunal em seu território, como a Ucrânia, pode pedir uma investigação que será conduzida pelos promotores do TPI com autorização da câmara pré-julgamento. Essa instância é a mesma que emite os mandados de prisão se considerar que a medida é necessária para evitar que novos crimes sejam cometidos ou garantir que o acusado vá a julgamento.
Esse é um exemplo das limitações do Tribunal Penal Internacional. Sem força policial própria, o TPI depende dos Estados para fazer valer os pedidos de prisão. No caso dos signatários, como o Brasil, o Estado tem a obrigação legal de cooperar com a Corte. Enquanto aqueles que estão foram do Estatuto de Roma podem ser convidados a colaborar ou fazê-lo de forma voluntária.
“O Tribunal é o pilar judicial do sistema estabelecido pelo Estatuto de Roma. O pilar operacional pertence aos Estados, incluindo a execução de ordens judiciais”, justifica o TPI.
Em caso de condenação, os juízes podem impor penas de prisão de até 30 anos, que podem ser acrescidas de multas ou confisco de bens. Nos casos considerados mais extremos, o Tribunal pode decretar prisão perpétua, mas a pena de morte é vedada.
Além de ter poder limitado, a Corte não substitui a Justiça dos Estados-membros, é considerada um último recurso. “Pode investigar e, quando justificado, processar e julgar indivíduos apenas se o Estado interessado não faz, não pode ou genuinamente não quer fazer”, ressalta o documento do TPI.
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