PARIS - O Conselho de Estado, mais alto tribunal administrativo da França, suspendeu de forma temporária nesta sexta-feira, 26, a proibição do uso do "burkini", traje de banho que algumas muçulmanas vêm utilizando no verão europeu, enquanto se aguarda uma decisão definitiva sobre o assunto. No sistema legal francês, decisões temporárias podem ser proferidas enquanto o tribunal para preparar um julgamento sobre a legalidade do caso.
A decisão do tribunal foi tomada depois que o conselho analisou um pedido da Liga de Direitos Humanos (LDH) que pedia a suspensão da proibição ao burkini na cidade mediterrânea de Villeneuve-Loubet, alegando que a medida viola as liberdades civis. O tribunal disse em comunicado que o decreto para proibir burkinis em Villeneuve-Loubet "violou, de forma clara e séria, as liberdades fundamentais de ir e vir, a liberdade de opinião e liberdade individual".
A decisão é determinante para trinta localidades francesas que emitiram ordens similares, mas também para o governo, impaciente para encerrar um debate que causa tanta controvérsia e expôs fissuras dentro da unidade do governo socialista de François Hollande.
A decisão das prefeituras que proibiram o burkini provocou polêmica em nível internacional. O diretor do programa Europa da Anistia Internacional, John Dalhuisen, considerou que a Justiça francesa tinha "a oportunidade de anular uma proibição discriminatória que se funda e nutre os preconceitos e a intolerância".
Fotografias publicadas na terça-feira pelo jornal The New York Times que mostravam quatro policiais repreendendo uma mulher com véu em uma praia de Nice e provocaram comoção. A imprensa alemã mencionou uma "guerra de religião" e o prefeito de Londres, Sadiq Khan, considerou que "ninguém deveria ditar às mulheres o que devem vestir".
Sem mencionar o termo burkini, as ordens municipais exigem que as pessoas visitem as praias com vestimentas que respeitem "os bons costumes e a laicidade", embora na realidade tenham como alvos os trajes de banho islâmicos.
Vários prefeitos usaram como base para sua decisão a necessidade de garantir "a ordem pública", ameaçada, segundo eles, por vestes que "manifestam de maneira ostentatória uma filiação religiosa", e mencionaram o contexto particularmente tenso no litoral mediterrâneo após o atentado extremista que deixou 86 mortos em Nice em 14 de julho.
No entanto, o advogado da LDH, Patrice Spinosi, denunciou na quinta-feira que a medida deixava "vulnerável a liberdade de consciência e de religião". Na quarta-feira, o Conselho Francês de Culto Muçulmano (CFCM) informou ao governo sobre a "forte emoção e forte preocupação" dos muçulmanos franceses.
Cisão interna. A questão também é fonte de divergências dentro do governo. Enquanto o primeiro-ministro, Manuel Valls, apoiou as proibições, a ministra da Educação, Najat Vallaud-Belkacem, declarou que "a proliferação" de ordens contra o burkini não era "bem-vinda" e afirmou que se trata de uma "derivação política" que "libera o discurso racista". Além disso, a ministra da Saúde, Marisol Touraine, disse que teme uma "estigmatização perigosa para a coesão do país".
Nas fileiras da oposição, o ex-presidente francês, Nicolas Sarkozy, candidato às eleições primárias da direita, classificou na quinta-feira o burkini de "provocação" e propôs proibir também os símbolos religiosos nas empresas, administração, universidades.
Já Hollande convocou a não ceder à "provocação" nem à "estigmatização", mas não se pronunciou sobre os textos dos decretos locais envolvendo o burkini em um país que conta com a comunidade muçulmana mais importante da Europa. / REUTERS e AFP