TEL AVIV - Com o Exército de Israel começando a se retirar gradualmente de Gaza, seus avanços contra o grupo terrorista Hamas são significativos, mas incompletos, afirmam autoridades militares e de segurança israelenses, e estão ameaçados pela falta de uma estratégia pós-guerra.
Embora intensos combates terrestres continuem em Khan Younis e outras partes do sul da Faixa de Gaza, o Exército israelense afirma estar se afastando de bombardeios em larga escala e transitando para uma campanha mais focada de incursões e assassinatos direcionados, com o objetivo de erradicar a liderança militar do Hamas.
A guerra devastou grande parte da parte norte da Faixa e matou mais de 25.000 pessoas, segundo o Ministério da Saúde de Gaza (controlado pelo Hamas). O ministério não faz distinção entre civis e combatentes, mas afirma que 70% dos mortos são mulheres e crianças.
O Washington Post entrevistou sete autoridades ou ex-autoridades israelenses e reservistas sobre o progresso da guerra em Gaza e seus objetivos finais. A maioria falou sob condição de anonimato para discutir estratégias militares sensíveis.
“A guerra prejudicou o Hamas como uma entidade terrorista, mas isso não é uma missão de três meses”, disse um oficial militar.
Pelo menos 9 mil combatentes foram mortos até agora, de acordo com as Forças de Defesa de Israel (IDF na sigla em inglês), menos de um terço dos 30 mil que compõem o Hamas, segundo as estimativas. O líder Yehiya Sinwar e seus principais auxiliares permanecem foragidos. O grupo terrorista não divulga o seu número de mortos na guerra, mas um representante do Hamas desconsiderou os dados israelenses. “Acredito que os israelenses estão tentando exagerar em suas realizações”, disse ao Post, falando sob condição de anonimato, conforme as regras estabelecidas pelo grupo.
Os lançamentos de foguetes relativamente de longo alcance do Hamas, que eram milhares no início da guerra, praticamente cessaram. Israel afirma ter destruído milhares de depósitos de armas, locais de produção de foguetes e poços de túneis ao longo de três meses de batalhas. No entanto, sem uma estratégia para o “dia seguinte”, autoridades dizem que essas conquistas podem ser passageiras.
O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu insiste que a eliminação total do Hamas permanece o objetivo da guerra. “Isso não é apenas uma questão de atingir o Hamas, isso não é mais uma rodada com o Hamas - esta é uma vitória completa”, disse na quinta-feira. Desde o início do conflito, líderes militares têm uma visão mais pragmática, acreditando que, nas condições atuais, o grupo pode ser enfraquecido, mas não destruído. À medida que Israel começa a reduzir suas operações em Gaza, essa tensão não expressa está se tornando pública.
Gadi Eisenkot, ministro do gabinete de guerra e ex-chefe das Forças Armadas cujo filho foi morto em Gaza no mês passado, acusou Netanyahu em uma entrevista recente de contar “histórias difíceis de acreditar” sobre a guerra. “Não foi alcançado um sucesso estratégico”, disse Eisenkot. “Não demolimos o Hamas.”
Na segunda-feira, 24 soldados israelenses foram mortos quando terroristas do Hamas dispararam contra seu tanque enquanto cercavam um prédio para demolição, o evento mais mortal para suas forças em Gaza, informou o IDF. Desde o início da guerra, 217 soldados israelenses foram mortos.
O porta-voz militar israelense Daniel Hagari disse a jornalistas na terça-feira que o número de tropas e a intensidade dos combates em Gaza continuarão a oscilar.
“Serão necessários mais reservistas em todas as áreas de combate, e, portanto, as Forças de Defesa de Israel estão operando tanto liberando forças quanto concentrando nossas atividades”, disse ele.
Autoridades israelenses não divulgaram quantas tropas ainda estão em Gaza e quantas se retiraram. Pelo menos três brigadas de combate permanecem no terreno, de acordo com um comunicado das IDF divulgado no início deste mês. A Brigada Golani, uma unidade de infantaria de elite, se retirou de Shejaiya, na cidade de Gaza, no mês passado.
Alguns soldados foram reposicionados ao longo da fronteira norte com o Líbano, onde paira a ameaça de uma guerra mais ampla; milhares retornaram para casa, para empregos e famílias, na esperança de reviver a economia de Israel, desgastada pela guerra.
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O oficial militar disse que as operações terrestre e aérea em Gaza efetivamente desmantelaram a maioria das cinco brigadas do Hamas - compostas por 24 batalhões, cada um com até 1.400 combatentes. Mais de 100 comandantes foram mortos, disse o oficial.
Dos 24 batalhões do Hamas, 17 foram desabilitados, disseram autoridades israelenses, principalmente nas partes central e norte do enclave, a ponto de se parecerem mais com pequenos grupos de guerrilheiros do que unidades militares de fato. Mas as autoridades reconhecem que milhares de combatentes permanecem.
“Isso muda de uma estrutura para um amontoado, mas um amontoado que ainda pode lutar contra você”, disse o brigadeiro-general Assaf Orion, um oficial da reserva que estava em serviço após os ataques do Hamas. “Isso não significa que o Hamas está morto, mas certamente eles não podem fazer o que fizeram em 7 de outubro.”
A rede de túneis do Hamas se mostrou muito mais extensa do que as estimativas anteriores das Forças de Defesa de Israel, abrangendo mais de 480 quilômetros apenas no sul, de acordo com o oficial militar. Mais de 5.600 poços de túneis foram descobertos IDF, segundo um ex-oficial de segurança informado sobre a inteligência, e muitos foram destruídos. No entanto, a amplitude da rede subterrânea, construída secretamente ao longo de muitos anos, significa que é improvável que seja totalmente desmantelada.
A maioria dos assassinatos em Gaza mirou membros de baixo a médio escalão - parte de uma estratégia para que o grupo perdesse uma “massa crítica” de combatentes, disse o ex-oficial de segurança.
O Exército de Israel “ficou estático”, encarregado de manter o controle sobre áreas pacificadas em vez de tentar ganhar mais terreno.
No norte e centro de Gaza, o ritmo da guerra diminuiu o suficiente para alguns palestinos se aventurarem de volta aos bairros devastadas, embora a reconstrução continue sendo uma esperança distante. No sul, mais de um milhão de pessoas deslocadas estão aglomeradas perto da fronteira com o Egito. Grupos de ajuda humanitária alertam sobre a propagação de doenças, e mais de 90 por cento dos habitantes de Gaza não têm comida suficiente.
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No entanto, pequenas células do Hamas, escondidas em túneis e nas ruínas de edifícios destruídos, continuam sendo uma ameaça letal. Após uma saraivada de foguetes disparados do enclave na semana passada em direção à cidade de Netivot, no sul de Israel, as tropas conseguiram cercar rapidamente o local de lançamento no centro de Gaza e matar numerosos atiradores, segundo um oficial militar familiarizado com a operação - prenunciando o tipo de incursões e ataques direcionados que provavelmente caracterizarão a próxima fase da guerra.
Mas como Israel pode impedir que um Hamas enfraquecido se reconstrua permanece uma questão em aberto e vexatória para os líderes militares. A entidade que governe Gaza - seja a Autoridade Palestina, como defende os Estados Unidos, ou uma força internacional, uma ideia que alguns oficiais israelenses sugeriram - determinará se as tropas das IDF podem operar a partir de posições permanentes dentro do enclave ou responder de bases na fronteira.
Permanecer dentro representaria uma reocupação de Gaza, um objetivo apoiado por políticos de extrema direita, mas fortemente contestado por Washington e pela maioria dos israelenses, como mostram as pesquisas. Uma presença de segurança a longo prazo, que manteria Israel responsável pelos civis palestinos e exporia as tropas a ameaças constantes, foi descartada como um “cenário de pesadelo” pela maior parte do establishment da segurança, segundo uma fonte militar.
“Seríamos alvos fáceis”, disse ele.
Operar de fora da faixa seria possível na prática, mas exigiria uma parceria de segurança com as autoridades governantes, semelhante ao acordo de Israel com a Autoridade Palestina em partes da Cisjordânia ocupada.
“Aparar a grama” - termo para a estratégia passada de Israel de estabelecer dissuasão temporária reduzindo, mas não eliminando, as capacidades de grupos como o Hamas - tende a se tornar mais arriscado ao longo do tempo, disse Orion. Ele citou incursões das IDF na Cisjordânia, que se tornaram cada vez mais mortíferas para ambos os lados no último ano, à medida que as armas fluíam para os campos de refugiados palestinos e a resistência armada aumentava.
“Você vê que aparar a grama na Cisjordânia se tornou mais complicado”, disse ele. “Gaza é um desafio muito maior.”
Sem um esforço internacional para limitar o poder do Hamas na Gaza pós-guerra, disse o ex-oficial de segurança israelense, o risco de seus combatentes se reagruparem permanecerá sempre presente.
“Até agora, a parte militar do Hamas, não seus elementos políticos, foi enfrentada de maneira eficiente. Mas o que acontecerá agora em Gaza, e como o Hamas reagirá politicamente e militarmente - como o Hamas revitalizará suas forças ainda está para ser visto”, disse ele.
Outras questões críticas de segurança pairam: autoridades militares israelenses dizem que impedir o rearmamento do Hamas com armas externas vai envolver a passagem de Rafah na fronteira com o Egito. Autoridades egípcias já estão resistindo a um plano israelense de manter o controle sobre uma zona de segurança ao longo da fronteira, onde túneis de contrabando proliferaram no passado.
Há também a questão urgente dos mais de 100 reféns que permanecem em cativeiro em Gaza. Parentes dos montaram acampamento durante o fim de semana fora da casa de Netanyahu, pedindo ao governo que faça qualquer coisa necessária para garantir sua libertação. No mês passado, as IDF mataram por engano três israelenses que escaparam de seus captores.
“Se o Estado de Israel abandonar seus reféns”, então os 1.200 soldados e cidadãos mortos em 7 de outubro “terão morrido em vão”, postou Hen Avigdori no X (antigo Twitter). Sua esposa e filha de 12 anos ficaram em Gaza por quase dois meses antes de serem libertadas durante uma breve trégua no final de novembro.
“Não há vitória sem o retorno dos reféns”, ele escreveu.
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