Opinião | Por que Trump está apostando tudo que os Estados Unidos têm?

O presidente americano seguiu o próprio instinto e apostou em um caminho capaz de mudar radicalmente a maneira que a nação se relaciona com aliados e inimigos

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Foto do author Thomas Friedman
Por Thomas Friedman (The New York Times)

Donald Trump não é conhecido por fazer lição de casa — ele é mais o tipo que segue o próprio instinto. O que acho mais assustador sobre o que Trump está fazendo atualmente é que ele parece estar confiando amplamente em seu instinto para apostar que é capaz de mudar radicalmente as maneiras que as instituições americanas operam e a nação se relaciona com aliados e inimigos — e acertar em tudo. Como se os Estados Unidos fossem se tornar mais fortes e prósperos enquanto o restante do mundo apenas se ajustasse. E próxima pergunta.

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Bem, quais são as chances de Trump acertar em todas essas questões complexas — com base na confiança que sente em seu instinto — quando no mesmo dia em que anunciou seus enormes aumentos de tarifas sobre importações do mundo todo ele convidou para o Salão Oval Laura Loomer, uma teórica da conspiração que acredita que o 11 de Setembro foi trabalho “interno”?

Ela foi lá, segundo noticiaram meus colegas do Times, informar Trump a respeito de quão desleais seriam os principais membros da equipe do Conselho de Segurança Nacional. Logo depois, o presidente demitiu pelo menos seis deles. (Não é de se espantar que tantos chineses tenham me perguntado em Pequim na semana passada se estamos passando por uma “revolução cultural” em estilo Mao. Falaremos mais sobre isso adiante.)

Bem, quais são as chances de que este presidente, aparentemente disposto a agir em política externa aconselhado por teóricos da conspiração, tenha acertado toda essa teoria comercial? Eu diria que distantes.

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, conversa com jornalistas no Salão Oval ao lado do secretário de Defesa, Pete Hegseth, em Washington  Foto: Haiyun Jiang/NYT

China

O que Trump, com suas entranhas repletas de ressentimentos, é incapaz de entender? O tempo em que vivemos atualmente, embora longe de perfeito ou igualitário, é, no entanto, amplamente considerado por historiadores um dos períodos relativamente mais pacíficos e prósperos da história. Estamos nos beneficiando dessa era pacífica em grande parte por causa de uma rede cada vez mais firme de globalização e comércio — e também por causa do domínio mundial de um hegemon excepcionalmente benigno e generoso chamado Estados Unidos da América, que está em paz e emaranhado economicamente com seu maior rival, a China.

Em outras palavras, o mundo tem sido do jeito que tem sido nos últimos 80 anos porque os EUA foram do jeito que foram: uma superpotência disposta a deixar outros países tirarem alguma vantagem de si no comércio porque presidentes anteriores entenderam que se o mundo se tornasse cada vez mais rico e pacífico e se os EUA continuassem a obter a mesma fatia do PIB global — cerca de 25% — o país ainda prosperaria lindamente porque o bolo total cresceria cada vez mais. Exatamente o que aconteceu.

O mundo tem sido do jeito que tem sido porque a China tirou mais pessoas da pobreza mais rapidamente do que qualquer outro país na história, em grande parte graças a um gigantesco e implacável motor de exportação que se beneficiou do sistema global de livre-comércio arquitetado pelos EUA.

O presidente da China, Xi Jinping, participa de um evento no Grande Salão do Povo, em Pequim  Foto: Ng Han Guan/AP

Canadá e México

O mundo tem sido do jeito que tem sido porque os EUA tiveram a sorte de fazer fronteira com duas democracias amigáveis, o Canadá e o México. Juntas, as três nações teceram uma rede de cadeias de fornecimento que as tornaram mais ricas, não importando que muitos produtos fabricados na América do Norte pudessem ter um rótulo afirmando: “Fabricado pelos EUA, pelo México e pelo Canadá juntos”.

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O mundo tem sido do jeito que tem sido graças à aliança entre os EUA e os outros membros da Otan e da União Europeia, que com a ajuda de Washington mantiveram a Europa em paz do fim da 2.ª Guerra até a invasão russa à Ucrânia, em 2022. Essa vasta e próspera parceria transatlântica tem sido um pilar do crescimento e da segurança global.

O mundo tem sido do jeito que tem sido porque os EUA tiveram a força de trabalho governamental que tiveram, com expertise, incorruptibilidade e financiamento à pesquisa científica invejados por todo o mundo.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, desembarca no Aeroporto Internacional de Miami  Foto: Mandel Ngan/AFP

Agora Trump está apostando que o mundo continuará do jeito que vinha sendo — tornando-se cada vez mais próspero e pacífico — mesmo que ele converta os EUA em uma potência predatória e disposta a tomar territórios, como a Groenlândia; e apesar dele enviar a mensagem aos talentosos aspirantes a imigrantes legais de que, “Se vierem para cá, tenham muito, muito cuidado com o que disserem”.

Se Trump estiver certo — no sentido de que ainda desfrutaremos dos benefícios econômicos e da estabilidade que tivemos por quase um século mesmo que os EUA se transformem subitamente de um hegemon benigno em um predador; de um dos mais importantes defensores do livre-comércio no mundo para um gigante tarifário global; de um dos protetores da União Europeia para dizer ao bloco que os europeus estão por conta própria; e de defensores da ciência para um país que força um especialista em vacinas como o dr. Peter Marks a se demitir por se recusar a concordar com uma medicina charlatanesca — eu admitirei meu erro.

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Mas se estiver errado, Trump terá semeado o vento, e nós, enquanto nação, colheremos a tempestade. O restante do mundo também. E posso lhes dizer que o mundo está preocupado.

Quando visitei a China na semana passada várias pessoas me perguntaram se Trump estava lançando uma “revolução cultural” aos modos de Mao. Mao durou 10 anos — de 1966 a 1976 — e destruiu toda a economia depois de instruir a juventude de seu partido a destruir os burocratas que ele pensava estar se opondo a ele.

Essa questão ocupa tanto os pensamentos de um alto funcionário chinês aposentado que ele me enviou um e-mail na semana passada com um alerta: Mao mandou seus quadros jovens do partido atacar “qualquer um que fosse capaz de pensar — membros das elites governantes, como Deng Xiaoping, professores universitários, engenheiros, escritores e jornalistas, médicos, etc. Mao quis emburrecer a população para poder governar com facilidade e eternamente”, escreveu o ex-funcionário. “Parece um pouco o que está acontecendo nos EUA? Espero que não.”

Eu também espero que não — especialmente por uma razão apontada por Stephen Roach, um economista de Yale com extensa experiência em China. Quando a Revolução Cultural de Mao aconteceu, observou Roach, a China estava amplamente isolada e os efeitos foram sentidos principalmente dentro de suas fronteiras. Uma revolução cultural semelhante hoje nos EUA, observou Roach, poderia surtir um “impacto profundo” no mundo inteiro. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Thomas Friedman

é colunista de assuntos internacionais do The New York Times e ganhador de três prêmios Pulitzer. É autor de sete livros, entre eles 'De Beirute a Jerusalém', que venceu o Prêmio Nacional do Livro

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