Opinião | Trump acha que dará conta do recado, mas o mundo mudou muito desde que ele foi presidente

Se Trump simplesmente abraçar Netanyahu, o presidente e os EUA também se sujarão; republicano também precisa trabalhar com a China em IA

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Por Thomas Friedman (The New York Times)

Donald Trump deixou a Casa Branca há quase quatro anos. Dada sua autoconfiança, suspeito que ele esteja pensando agora: “O que poderia ter mudado tanto? Eu sei me virar.”

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Bem, acabei de ir de uma viagem de reportagem em Tel Aviv para uma conferência nos Emirados Árabes Unidos, seguida por um mergulho profundo com a equipe de inteligência artificial DeepMind do Google em Londres, e acho que o presidente eleito seria sensato em lembrar de um famoso aforismo: há décadas em que nada acontece, e há semanas em que décadas acontecem.

O que vi e ouvi me expôs a três placas tectônicas gigantes e móveis que terão implicações profundas para o novo governo.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, discursa em um evento em Palm Beach, Flórida  Foto: Alex Brandon/AP

O evento geopolítico mais significativo

Apenas nos dois meses mais recentes, o Exército israelense infligiu ao Irã uma derrota que se aproxima da derrota do Egito, Síria e Jordânia na Guerra dos Seis Dias de 1967. Ponto final. Vamos repassar:

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Nas décadas mais recentes, o Irã construiu uma rede de ameaças formidável que parecia colocar Israel no aperto de um polvo. Tornou-se amplamente aceito que Israel foi dissuadido de atacar as instalações nucleares do Irã porque o Irã havia armado a milícia do Hezbollah no Líbano com foguetes de precisão suficientes para destruir os portos, aeroportos, fábricas de alta tecnologia, bases aéreas e infraestrutura de Israel.

Calma lá. Acontece que o Mossad e a Unidade cibernética 8200 de Israel estavam forjando o que se tornou um dos maiores sucessos de inteligência do país. Eles plantaram dispositivos explosivos nos pagers e walkie-talkies usados pelos comandantes militares do Hezbollah, desenvolveram capacidades de rastreamento humano e tecnológico para encontrar os principais líderes do Hezbollah, identificaram meticulosamente instalações de armazenamento no Líbano e na Síria para os foguetes de precisão mais letais do Hezbollah e então sistematicamente derrubaram muitos deles por via aérea em outubro.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, discursa em Jerusalém, Israel  Foto: Assessoria de imprensa do governo israelense / AP

O resultado é que o Hezbollah aceitou um cessar-fogo de 60 dias com Israel no Líbano negociado pelo mediador americano Amos Hochstein. Isso é muito importante. Significa que, mesmo que apenas por 60 dias, o Hezbollah e, por extensão, o Irã decidiram se desligar do Hamas em Gaza e parar os disparos do Líbano pela primeira vez desde 8 de outubro de 2023, um dia após o Hamas invadir Israel. Veremos se isso vai durar, mas, se durar, aumentará a pressão sobre o Hamas para concordar com um cessar-fogo com Israel e a libertação de reféns, em termos mais favoráveis a Israel.

Há uma razão para isso. A nave-mãe do Hezbollah sofreu um golpe real. De acordo com o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, o ataque de abril de Israel ao Irã eliminou uma das quatro baterias de defesa antimísseis terra-ar S-300 fornecidas pela Rússia ao redor de Teerã, e Israel destruiu as três baterias restantes em 26 de outubro. Israel também danificou as capacidades de produção de mísseis balísticos do Irã e sua capacidade de produzir o combustível sólido usado em mísseis balísticos de longo alcance. Além disso, de acordo com a Axios, o ataque de Israel ao Irã em 26 de outubro, que foi uma resposta a um ataque iraniano anterior a Israel, também destruiu o equipamento usado para criar os explosivos que cercam o urânio em um dispositivo nuclear, atrasando os esforços do Irã na pesquisa de armas nucleares.

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Um alto funcionário da defesa israelense me disse que o ataque de 26 de outubro ao Irã “foi letal, preciso e uma surpresa”. E até agora, os iranianos “não sabem tecnologicamente como os atingimos. Então eles estão no ponto mais vulnerável que já estiveram nesta geração: o Hamas não está lá para defendê-los, o Hezbollah não está lá para defendê-los, suas defesas aéreas não estão mais lá, sua capacidade de retaliação está drasticamente diminuída, e eles estão preocupados com Trump.”

O que significa que o regime de Teerã está mais maduro do que nunca para negociações para conter seu programa nuclear ou mais maduro do que nunca para ser alvo de um ataque de Israel ou do governo Trump — ou ambos — para destruir essas instalações nucleares. De qualquer forma, Trump enfrentará escolhas que não tinha quatro anos atrás.

O Líder Supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, discursa em um evento oficial em Teerã, Irã  Foto: Serviço de imprensa do Líder Supremo do Irã/AFP

Não é apenas um novo Irã com o qual Trump estará lidando, mas também um novo Israel

Houve razões legítimas para o presidente Biden denunciar os mandados de prisão do Tribunal Penal Internacional contra Netanyahu e seu ex-ministro da defesa, Yoav Gallant, acusando-os de crimes de guerra em Gaza contra um inimigo do Hamas que deliberadamente se infiltrou entre civis. Este mesmo tribunal nunca emitiu um mandado de prisão para o presidente Bashar al-Assad, da Síria, cujo Exército matou centenas de milhares de seu próprio povo. O TPI disse que a Síria não é um membro da sua organização. Mas Israel tampouco é. Também é estranho que o TPI tenha emitido um mandado apenas para o líder do Hamas Mohammed Deif, que muitos consideram já morto, e não para o vivíssimo Muhammad Sinwar (o irmão mais novo do falecido líder do Hamas, Yahya Sinwar), que agora estaria supostamente comandando o Hamas em Gaza e foi um comandante no ataque de 7 de outubro contra Israel.

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Mas embora os mandados do TPI sejam questionáveis, eles também eram evitáveis. A estratégia que Netanyahu impôs a seus militares é uma das mais feias da história de Israel: entre em Gaza, destrua o máximo do Hamas que puder, não se preocupe muito com as baixas civis, e então deixe os remanescentes do Hamas no comando para saquear comboios de alimentos e intimidar a população local — em seguida, enxaguar e repetir o ciclo. Voltar, destruir e não deixar ninguém melhor no comando, criando uma Somália permanente na fronteira de Israel.

Por que ele está fazendo isso? Como Bibi está sendo dirigido pelos supremacistas judeus de extrema direita, ele precisa permanecer no poder e possivelmente fora da prisão por acusações de corrupção. E o objetivo declarado desses supremacistas judeus é estender os assentamentos israelenses da Cisjordânia até Gaza. Eles se opõem a qualquer cenário em que a Autoridade Palestina seja gradualmente instalada em Gaza como parte de uma força de manutenção da paz árabe para substituir o Hamas. Eles temem que a Autoridade Palestina possa então se tornar um parceiro legítimo para uma solução de dois Estados.

Palestinos de Gaza inspecionam os escombros de um local que foi atingido por um bombardeio israelense em Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza  Foto: Eyad Baba/AFP

Quem luta uma guerra com tantas baixas civis por um ano e não oferece nenhuma visão de paz com o outro lado acaba convidando a ação do TPI.

Atenção, presidente eleito Trump: Netanyahu dirá que Israel está defendendo o mundo livre ao derrotar as forças obscuras do Hamas, Hezbollah e Irã. Há alguma verdade nisso. Mas também há verdade no fato de que ele está fazendo isso para defender uma visão supremacista judaica do apartheid na Cisjordânia e em Gaza. É um negócio sujo. Se Trump simplesmente o abraçar, o presidente e os EUA também se sujarão. Trump também garantirá com isso que seus netos judeus um dia aprendam o que é ser judeu em um mundo onde o Estado judeu é um pária.

A inteligência artificial geral provavelmente está chegando durante o governo de Trump

A inteligência artificial geral polimática, ou AGI, ainda se situava em grande parte no reino da ficção científica quando Trump deixou o cargo há quatro anos, mas está rapidamente se tornando realidade. E a ASI — superinteligência artificial — também pode seguir esse mesmo rumo um dia.

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A AGI significa que as máquinas serão dotadas de inteligência tão boa quanto a do ser humano mais inteligente em qualquer campo, mas, por causa de suas capacidades de integrar o aprendizado em muitos campos, provavelmente se tornará melhor do que qualquer médico, advogado ou programador de computador médio. ASI é um cérebro de computador que pode exceder o que qualquer humano pode fazer em qualquer campo e então, com sua habilidade polimática, pode produzir insights muito além de qualquer coisa que os humanos possam fazer ou mesmo imaginar. Pode até inventar uma linguagem própria que não entendemos.

Nossa adaptação à AGI não fez parte da campanha presidencial de 2024. Prevejo que será um tema central da eleição de 2028. Até lá, todos os líderes do mundo — mas particularmente os presidentes dos Estados Unidos e da China, as duas superpotências de IA — serão julgados por sua habilidade de permitir que seus países obtenham o melhor da IA e amorteçam os piores efeitos da tempestade de IA que se aproxima.

O presidente da China, Xi Jinping, recebe o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em Pequim, China  Foto: Doug Mills/NYT

Pelo que ouvi de cientistas líderes de IA e ganhadores do Prêmio Nobel na conferência do Google DeepMind sobre como a IA já está impulsionando avanços na descoberta científica, a IAA provavelmente será alcançada nos próximos três a cinco anos.

Dois cientistas da DeepMind acabaram de ganhar o Prêmio Nobel de Química por seu sistema AlphaFold de IA, que prevê estruturas de proteínas e já está sendo usado por cientistas para inventar medicamentos e materiais em todo o mundo. Agora, a DeepMind está trabalhando no GraphCast, um sistema de IA que pode produzir previsões meteorológicas de 10 dias incrivelmente precisas em menos de um minuto, e no Gnome, que identificou cerca de 2,2 milhões de novos cristais inorgânicos que podem ser úteis na fabricação de tudo, de chips de computador a baterias e painéis solares.

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É a ponta de um iceberg. Ele mudará ou desafiará praticamente todos os empregos. Enquanto eu estava em Tel Aviv, visitei o laboratório da Mentee Robotics, uma startup israelense, e recebi uma demonstração de um robô humanoide, mais ou menos da minha altura, alimentado por sensores e IA com destreza manual semelhante à humana, uma voz e percepção que, como diz seu site, “podem ser personalizadas e ajustadas a diferentes ambientes e tarefas usando interação humana natural”.

Se o presidente eleito Trump acha que trabalhadores de colarinho azul sem diplomas universitários estão enfrentando desafios hoje, espere até daqui a quatro anos.

Mas esse não é o único desafio de Trump. Se esses poderes de IA caírem nas mãos erradas ou forem usados por poderes existentes de maneiras erradas, poderemos nos ver diante de possíveis eventos de extinção civilizacional.

É por isso que precisamos discutir sistemas de controle de IA agora. E é por isso que dois cofundadores da DeepMind, Shane Legg e Demis Hassabis, foram signatários de uma carta aberta de 23 palavras, emitida em maio de 2023, junto com outros líderes do universo da IA, que declarou: “Mitigar o risco de extinção representado pela IA deve ser uma prioridade global ao lado de outros riscos de larga escala à sociedade, como pandemias e a guerra nuclear”.

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Mas isso não pode ser deixado apenas para as empresas. Tentamos isso com as redes sociais, e o resultado foi ruim.

Talvez o presidente eleito Trump pense que seu segundo mandato será julgado por quantas tarifas ele imporá à China. Discordo. Quando se trata das relações EUA-China, acho que o legado dele — assim como o do presidente Xi Jinping — será determinado pela rapidez, eficácia e colaboração com que os Estados Unidos e a China possam criar uma estrutura técnica e ética compartilhada incorporada em cada sistema de IA impedindo-o de se tornar destrutivo por si só — sem direção humana — ou de ser útil para agentes maliciosos interessados em usá-lo para propósitos destrutivos.

A história não vai olhar com bons olhos para você, presidente eleito Trump, se você escolher priorizar o preço dos brinquedos para crianças americanas em vez de um acordo com a China quanto ao comportamento de robôs de IA. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Opinião por Thomas Friedman

É ganhador do Pullitzer e colunista do NYT. Especialista em relações internacionais, escreveu 'De Beirute a Jerusalém'

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