Na semana passada, Donald J. Trump esteve em um comício ao lado de dois rappers acusados de conspiração para cometer assassinato. Ele prometeu comutar a sentença de um notório traficante de drogas na Internet. E apareceu nos bastidores com outro rapper que se declarou culpado de agressão por ter dado um soco em uma fã.
Enquanto Trump aguarda a conclusão de seu julgamento em Manhattan – os argumentos finais acontecem nesta terça-feira e o veredicto pode chegar ainda esta semana – ele aproveitou uma pausa de uma semana no tribunal para se alinhar com réus e criminosos condenados acusados pelo mesmo sistema contra o qual ele está em guerra.
As aparições se encaixam perfeitamente na campanha de Trump para 2024, durante a qual ele disse que provavelmente perdoará os processados por invadir o Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021, e emprestou sua voz a uma gravação do hino nacional feita por um coro de presidiários responsáveis pelo 6 de janeiro.
Houve um tempo em que tanta criminalidade confirmada e alegada seria demais para a tolerância dos apoiadores de um candidato à presidência, um cargo com o dever juramentado de defender a Constituição. Isto pode ter sido especialmente verdade no caso de um candidato que foi indiciado quatro vezes e é acusado de total desrespeito pela lei.
No entanto, a menos de seis meses do dia das eleições, Trump, que há muito promove mensagens a respeito de “lei e ordem”, está apostando na imagem de fora-da-lei, rodeando-se de acusados de crimes e condenados.
“Não creio que as pessoas reconheçam o grau com que Trump abraçou a imagem da ilegalidade na atual campanha”, disse Tim Miller, um antigo estrategista republicano que trabalhou para a campanha presidencial de Jeb Bush e tem criticado profundamente Trump.
Miller descreveu as recentes aparições de Trump como “uma decisão de aprovação que teria sido impensável em campanhas anteriores”.
Assessores de Trump não responderam a um e-mail solicitando comentários a respeito da mensagem que ele pretendia enviar com essas aparições.
O comício de Trump na semana passada no Bronx terminou com as aparições de dois rappers, Sheff G e Sleepy Hallow, cujos nomes verdadeiros são Michael Williams e Tegan Chambers. Ambos foram acusados de envolvimento em uma conspiração que, segundo os promotores do Brooklyn, levou a 12 baleados. Williams também enfrenta duas acusações de tentativa de homicídio. Os dois homens se declararam inocentes e estão em liberdade sob fiança.
Trump, do palco do comício, apresentou os dois homens à multidão para um breve comentário. Chambers manteve sua mensagem curta e direta: “Vamos tornar os EUA grandes novamente”.
Dois dias depois, enquanto Trump falava a uma multidão hostil na convenção nacional do Partido Libertário em Washington, ele prometeu comutar a sentença de Ross Ulbricht, o fundador do site de mercado negro Silk Road, que foi condenado à prisão perpétua. em 2015. No mesmo evento, Trump tirou uma fotografia com o rapper Afroman, cujo nome verdadeiro é Joseph Edgar Foreman, e que se declarou culpado de esmurrar uma mulher que assistia a uma de suas apresentações em 2015.
No tribunal, Trump cercou-se de aliados que se tornaram réus. Na semana em que seu ex-assessor, Michael D. Cohen, deveria testemunhar que Trump havia aprovado um plano para pagar uma estrela pornô e acobertar o episódio, Trump marchou ao tribunal acompanhado por seu principal consultor jurídico, Boris Epshteyn, também indiciado, que compareceu todos os dias ao julgamento desde que suas próprias acusações chegaram em um caso de interferência eleitoral no Arizona.
Também na comitiva de Trump durante o depoimento de Cohen estavam Bernard B. Kerik, um ex-comissário de polícia da cidade de Nova York que passou algum tempo na prisão sob acusações de fraude e a quem Trump perdoou, e Chuck Zito, um ex-ator que passou anos em uma prisão federal e foi líder de um braço dos Hells Angels em Nova York.
Trump insistiu que todas as investigações que o envolvem são políticas, obra de oponentes que conspiram contra ele. Criticou vários representantes do sistema jurídico – candidatos políticos que fizeram campanha agressiva contra ele e procuradores nomeados para investigá-lo – com a mesma alegação, ao mesmo tempo que apoiou seus defensores mais controversos.
Este reflexo de Trump – ignorar acusações se o acusado lhe for útil – não é novo. Mas a escala mudou.
Na sua campanha de 2016, Trump colocou Elliott B. Broidy, um financista que sete anos antes se declarou culpado de subornar autoridades de Nova York, no seu comitê de captação de fundos. Foi um movimento pouco notado que poderia ter levantado mais sobrancelhas se Trump não estivesse destruindo uma norma após a outra enquanto provável candidato republicano.
Os esforços de Trump para permanecer no cargo e impedir a transferência de poder resultaram em múltiplas investigações envolvendo ele e seus aliados.
Pouco depois da eleição, Trump e a sua campanha foram enredados em uma investigação a respeito de eventuais ligações entre sua operação política e os russos. Vários assessores foram envolvidos nesse inquérito, incluindo seu conselheiro de segurança nacional, Michael T. Flynn; seu presidente de campanha, Paul Manafort; seu conselheiro mais antigo, Roger J. Stone Jr.; e Cohen, seu faz-tudo e advogado pessoal.
Trump, que denunciou essa investigação como uma armada usada contra ele, atacou repetidamente Cohen depois que ele se confessou culpado de uma série de crimes, incluindo uma infração de financiamento de campanha que ele disse ter ocorrido a mando de Trump. Mas o presidente acabou perdoando Flynn, Manafort e Stone, parte de uma onda de indultos e comutações em suas últimas semanas no cargo.
Trump também concedeu clemência a pessoas como Jonathan Braun, um homem de Staten Island com um histórico de ameaças violentas que, na época, era perseguido por autoridades federais por seu trabalho como credor predatório. Braun usou uma conexão com a família do genro de Trump, Jared Kushner, enquanto pedia clemência.
No início da presidência de Trump, ele comutou a sentença de Rod R. Blagojevich, o ex-governador democrata de Illinois. Foi uma medida à qual alguns republicanos se opuseram, mas Trump orgulhosamente contou com Blagojevich em uma recente captação de fundos do Comitê Nacional Republicano na Flórida.
Os esforços de Trump para permanecer no cargo e impedir a transferência de poder resultaram em múltiplas investigações envolvendo ele e seus aliados.
As pessoas indiciadas nessas investigações incluem o advogado pessoal de Trump, Rudolph W. Giuliani; seu chefe de gabinete da Casa Branca, Mark Meadows; seu atual principal consultor jurídico, Epshteyn; sua consultora jurídica, Jenna Ellis; e um ex-funcionário do Departamento de Justiça, Jeffrey B. Clark.
Dois outros conselheiros e aliados de Trump, Stephen K. Bannon e Peter Navarro, foram condenados por desrespeito ao Congresso por desafiarem intimações para cooperar com a investigação da Câmara a respeito dos esforços do ex-presidente para permanecer no cargo.
O comportamento mais recente de Trump ocorreu tendo como pano de fundo os argumentos dos seus advogados perante a Suprema Corte dizendo que ele estaria imune à acusação no caso federal por seus esforços para anular as eleições de 2020. Nas redes sociais, Trump insistiu que os presidentes deveriam ter “imunidade absoluta”.
Apesar de argumentar que estava agindo dentro dos seus direitos, Trump transformou suas acusações criminais em um bem valioso. Ele vende merchandising de campanha com sua foto de acusado na Geórgia e capta dinheiro agressivamente com alegações de que está sendo perseguido.
Um dos recentes esforços de captação de fundos da campanha centrou-se nas falsas alegações de Trump sobre a operação de busca do FBI em Mar-a-Lago, o clube exclusivo para associados que serve como sua residência, em agosto de 2022. A busca ocorreu depois que ele desafiou uma intimação do grande júri solicitando a devolução de quaisquer documentos confidenciais que ainda estivessem em sua casa.
Mas o ex-presidente argumentou infundadamente que o FBI estava tentando assassiná-lo, usando a linguagem padrão usada em uma ordem de operações para a busca, que foi recentemente aberta como parte de uma moção de defesa.
Os promotores pediram recentemente ao juiz supervisor do caso dos documentos que alterasse as condições de libertação de Trump, impedindo-o de fazer quaisquer comentários adicionais que possam colocar em risco os agentes federais que trabalham no caso. Em resposta, a equipe de Trump acusou-os de “histrionismo infundado” e exigiu sanções contra eles.
“Ou ele não sabe a verdade, o que é imprudente, ou sabe a verdade e mentiu sobre ela, o que é abominável”, disse Chuck Rosenberg, ex-procurador dos EUA e funcionário do FBI, a respeito dos procedimentos padrão que Trump deturpou.
“Ele se preocupa muito em exercer o poder, mas não em servir a algum bem maior”, disse Rosenberg. “Em vez disso, ele quer o poder – inclusive sobre o Departamento de Justiça – para beneficiar a si mesmo e a seus amigos, e prejudicar outros. Ele vê esse poder como apropriado apenas em suas mãos. Isso é uma corrupção miserável do que o Estado de direito significa – e deveria significar – neste país, e é algo profundamente perigoso.” /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.