Os Estados Unidos tiveram uma postura diferente em relação à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela ao longo dos anos. No governo do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, Washington optou por penalizar o regime chavista com múltiplas sanções que contribuiram para o desastre econômico e social do país. O republicano também decidiu reconhecer Juan Guaidó, então presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, como presidente interino do país, uma aposta que não deu certo.
Já o atual presidente americano Joe Biden apostou em um relaxamento das sanções econômicas contra Caracas para reduzir a imigração ilegal em massa de venezuelanos na fronteira americana. O democrata fechou um acordo com Maduro para a repatriação direta de venezuelanos e apoiou o Acordo de Barbados, entendimento costurado em outubro de 2023 entre o governo de Maduro e a oposição venezuelana, para que eleições livres e justas ocorressem em 2024.
Mas essa aposta também não deu certo. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) declarou a reeleição de Maduro com 51% dos votos, apesar de denúncias da oposição de que houve fraude. 1.200 pessoas foram presas por protestarem contra o regime e 12 morreram. O governo Biden reconheceu a vitória do opositor Edmundo González Urrutia.
A crise na Venezuela ocorre apenas alguns meses antes da eleição americana que será disputada entre o ex-presidente americano Donald Trump e a vice-presidente Kamala Harris. Em entrevista ao Estadão, o ex-representante especial para Venezuela e Irã no governo Trump Elliot Abrams destaca que Trump retornaria ao caminho das sanções contra o regime de Maduro.
“A linha de sanções deve voltar. Reduzir o número de sanções foi o maior erro de Biden nesta questão. Ele acreditou que com a redução das sanções o número de venezuelanos na fronteira iria diminuir”, destacou Abrams. “As pessoas estão saindo da Venezuela pela falta de esperança, não pelo número de sanções”.
Segundo Abrams, um possível governo Trump tentaria lidar com a questão da fronteira sozinho, sem precisar conversar com Maduro. “Se ele conseguir fechar a fronteira, então as pessoas podem até sair da Venezuela, mas não virão para os EUA”.
O ex-representante especial para Venezuela também se disse decepcionado com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. “Lula é um democrata, gostaria que ele fosse até Caracas e conversasse com Maduro. Ele precisa fazer mais para acabar com a única ditadura na América do Sul”.
Confira trechos da entrevista:
Como um possível novo governo Trump lidaria com Nicolás Maduro na Venezuela?
É sempre difícil prever o que Trump vai fazer. Mas se olharmos para a forma que ele lidou com a Venezuela em seu primeiro mandato, eu acredito que ele deve seguir na linha das sanções. Ele voltaria para as sanções que tinha imposto antes e se Biden reimpor as sanções que ele flexibilizou, acredito que Trump manteria essas sanções.
Trump conversaria com Maduro ou tentaria um acordo com ele para reduzir o número de venezuelanos na fronteira americana, como Biden fez?
Este foi o maior erro da administração Biden na minha opinião. O governo dele adotou a visão que a migração de pessoas da Venezuela para os Estados Unidos é produto das sanções. Nesta visão, se diminuirmos as sanções, o número de venezuelanos na fronteira irá reduzir. Mas isso não é verdade.
As pessoas estão saindo da Venezuela porque não tem esperança lá. Agora, veremos um aumento significativo na migração se Maduro conseguir se safar de ter roubado a eleição. Se Biden e Kamala Harris estão preocupados com a eleição dos Estados Unidos em novembro, então precisam estar preocupados com o número de venezuelanos que querem sair da Venezuela. Isso pode fazer com que eles tenham uma posição mais dura contra Maduro, vamos ver se isso vai acontecer.
Então Trump não conversaria com Maduro?
Não sabemos. Com Trump é difícil de prever, foi a mesma coisa com Kim Jong-un. Ninguém esperava que ele se encontrasse com o líder supremo da Coreia do Norte, mas isso aconteceu. Ele queria conversar com Hassan Rouhani, o então presidente do Irã em 2017. Ele pediu este encontro, mas o Irã disse que não.
Não acho impossível que ele converse com Maduro, mas temos o primeiro mandato dele como histórico para avaliar. Ele teve quatro anos para fazer isso e não fez.
Nós não sabemos onde estaremos no final de janeiro, talvez Maduro não esteja no poder, talvez tenhamos um golpe militar ou as pessoas tirarão ele do poder. O que afeta mais Trump é a imigração. Pelo que ele fala, está inclinado a fechar a fronteira americana com o México para lidar com o problema. Se ele conseguir fazer isso, não precisa conversar com ninguém.
Isso não vai fazer com que os venezuelanos saiam da Venezuela, mas aí eles irão para outros países como Colômbia, Peru e Chile.
Uma nova rodada de negociações com Maduro sobre o resultado das eleições é possível?
O tempo de negociar é agora, é preciso negociar uma transição para a democracia em um governo de Edmundo González, com anistias para funcionários do governo Maduro. Aconteceu no Brasil, Argentina, Chile e em vários outros lugares.
Mas se isso não acontecer, não vejo a oposição voltando a Barbados para negociar alguma coisa. Mas eu acredito que existe esperança, a população da Venezuela compareceu em grandes números nos centros de votação, mostrou a sua opinião, mesmo com todos os obstáculos e elegeu González.
E sobre isso eu estou desapontado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eu não sei o que ele está fazendo em segredo, mas ele é um democrata, Boric é um democrata, Petro é um democrata. Eles precisam fazer mais para eliminar a única ditadura na América do Sul.
Qual deveria ser a posição do Brasil?
Eu gostaria que Lula, Petro e Boric viajassem juntos para Caracas. Gostaria que eles se reunissem com Maduro e dissessem que ele precisa largar o poder, que a sua hora chegou. Eles precisam oferecer esta ajuda aos venezuelanos, claro que é um processo que não acontece da noite para o dia, mas eles são capazes de fazer isso.
Mas essa posição de apenas observar, sem fazer ou dizer alguma coisa, enquanto Maduro ameaça prender Edmundo González e María Corina Machado é muito decepcionante.
Qual é o papel que os Estados Unidos deveriam ter na Venezuela? Os EUA não tem uma embaixada em Caracas
Agora nós não podemos fazer isso. E se Biden quisesse isso, ele teria feito antes, quando sua administração começou. Existem contatos, diversas reuniões já foram feitas com pessoas do regime de Maduro.
Na minha visão a política dos EUA deveria ser: se vocês continuarem nesta linha de repressão, as coisas vão terminar de um jeito muito ruim e nós vamos reimpor todas as sanções. Mas se quiserem negociar um acordo para a saída do regime, nós estamos abertos.
Eu espero que o governo Biden esteja enviando esta mensagem a Maduro.
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Qual seria a posição de Kamala Harris em relação à Venezuela?
Não acredito que seria tão diferente de Trump. Esta política de apoiar que a Venezuela seja uma democracia é basicamente uma política bipartidária nos Estados Unidos.
Biden e Trump tiveram algumas diferenças, principalmente nessa questão de relaxamento das sanções que foi feita pelo atual presidente americano. E isso só foi feito porque o governo Biden tem uma visão de que as sanções são a causa da migração, o que não é verdade.
Este é um ano de eleição e eles querem manter os preços do petróleo mais baixos, e isso também justificaria o relaxamento das sanções. Mas na minha visão isso também não faz sentido porque existe um preço mundial de petróleo e cerca de 100 milhões de barris são vendidos todos os dias e a Venezuela vende 800 mil de barris, menos de 1%, então isso não vai mudar o preço do petróleo nos Estados Unidos.
O senhor enxerga alguma ameaça de ataque da Venezuela à Guiana, um país aliado dos Estados Unidos?
Eu fiquei com medo que Maduro tentasse fazer alguma coisa na região de Essequibo antes da eleição para aumentar o nacionalismo venezuelano, mas isso não aconteceu.
O que aconteceria se Maduro invadisse a Guiana? poderia ser o fim do regime de Maduro. Os EUA poderiam interceder para defender a Guiana, possivelmente com o Reino Unido. E essa derrota venezuelana poderia ser igual a Guerra das Malvinas.
O senhor faria parte de um novo governo Trump se fosse convidado?
Existe uma expressão que eu gosto muito: nunca rejeite um trabalho que ainda não foi oferecido. Eu não vou rejeitar nenhum trabalho, vamos ver o que vai acontecer.
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