O ex-presidente americano Donald Trump reagiu à acusação federal contra ele convocando protestos de apoiadores para esta terça-feira, 13, data em que se apresentará ao tribunal de Miami. Após ser acusado na sexta-feira, dia 8, o republicano pediu publicamente na sua rede social e em entrevista a uma rádio que quem o apoia vá para as ruas, em um esforço que pode tornar o processo criminal contra ele, inédito na história dos Estados Unidos por envolver um ex-presidente, mais turbulento.
Os esforços preocupam as autoridades americanas e da Flórida, que intensificaram a segurança do tribunal federal em que ele se apresentará e monitoram mobilizações e eventuais ameaças. Trump chegou ao estado nesta segunda-feira e se hospedou em um dos seus hotéis, o Trump National Doral. Horas depois, um grupo de cerca de 40 pessoas foi ao local com faixas pró-Trump e bandeira americana para prestar apoio aos gritos de “Trump é inocente” e “Nós amamos Trump”, noticiou o jornal Miami Herald. Diversos veículos de fora chegaram à Miami ao longo do dia.
A principal preocupação das autoridades é com o uso da violência. Desde que a acusação foi apresentada, houve uma escalada na retórica violenta, com pelo menos uma declaração de apoiadores fazendo alusão a armas. No fim de semana, Kari Lake, republicana que concorreu ao governo do Arizona, disse que os promotores teriam que passar por cima dela e de “75 milhões de americanos” que apoiam o ex-presidente se quiserem atingi-lo. “E a maioria de nós é membro de carteirinha da NRA (Associação Nacional de Rifle)”, acrescentou.
As autoridades da Flórida monitoram os planos de manifestações pró-Trump em Miami, incluindo uma em frente ao tribunal em que ele se apresenta nesta terça-feira, 13. Essa estaria sendo organizada por uma célula local dos Proud Boys, grupo de extrema direita ligado à invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. O ex-líder do grupo, Henry ‘Enrique’ Tarrio foi condenado em maio com outros três membros por causa do ataque ao Capitólio. Ele era morador de Miami.
Apesar dos temores, especialistas afirmam que o uso da violência nos protestos, como no Capitólio, agravaria ainda mais a situação jurídica do ex-presidente. Por isso, espera-se que não haja um incentivo direto do republicano para o uso da violência. “Mesmo que o julgamento de Trump seja interrompido, ele ainda enfrentará acusações criminais. Não cooperar com o processo de julgamento provavelmente também resultará na prisão de Trump, algo que ele provavelmente quer evitar”, disse ao Estadão Scott Anderson, analista do centro de estudos americanos Brookings.
Para Anderson, o sistema judiciário federal dos EUA lidou no passado com processos turbulentos e tem experiência para evitar que o caso de Trump se transforme em algo fora do normal. Ele também lembrou que os protestos na ocasião do primeiro processo criminal contra o republicano, na Justiça de Nova York, foram pacíficos. “Esperamos ver algo semelhante em Miami, embora não tenhamos certeza disso”.
Trump enfrenta 37 acusações, das quais 31 são relacionadas à manutenção de documentos secretos da Casa Branca após o fim do seu governo. Ele é o primeiro ex-presidente dos EUA a ser acusado pelo Departamento de Justiça e utiliza esse fato como suposta prova de uma perseguição política. O processo representa uma ameaça judicial grave ao republicano, maiores que o processo de Nova York, e pode atrapalhar a pretensão de ser candidato nas eleições presidenciais no ano que vem.
Acusações contra Donald Trump
Líder das pesquisas das primárias republicanas, Trump afirma que a ação do Departamento de Justiça tenta minar a sua candidatura. O ex-presidente deve discursar publicamente no seu campo de golfe em Bedminster, em Nova Jersey, depois de se apresentar ao tribunal de Miami. Ele também discursou após comparecer ao tribunal de Nova York em abril. Na ocasião, atacou o promotor de Manhattan, Alvin Bragg, que apresentou as acusações contra ele.
O promotor especial que o acusou a nível federal, Jack Smith, foi alvo de ataques antes mesmo da acusação. Trump o chamou de “demente” e disse que a equipe do promotor era formada por “bandidos”, enquanto reforçava as alegações de perseguição política. A retórica é seguida por aliados e apoiadores do ex-presidente, na tentativa de enfraquecer as acusações. Dois aliados partidários, o senador Lindsey Graham e Jim Jordan, classificaram o processo como politicamente motivado.
Durante uma entrevista de rádio com um assessor antigo, chamado Roger Stone, na tarde de domingo, o ex-presidente disse que precisa de força. “Nosso país tem que protestar. Temos muito para protestar. Perdemos tudo”, declarou. Stone, que ajudou o republicano a mobilizar os protestos que culminaram na invasão ao Capitólio, alertou os manifestantes a permanecerem “pacíficos, civis e dentro da lei”.
Apesar dos pedidos públicos de manifestação pacífica, declarações como a de Kari Lake e a participação de grupos de extrema direita na convocação dos protestos aludem à violência do 6 de janeiro de 2021. Além de falar que a maioria dos apoiadores de Trump são membros da Associação Nacional de Rifle, a republicana também adotou uma retórica bélica ao convocar as manifestações. “Estamos em guerra, pessoal, estamos em guerra”, declarou durante uma conferência de republicanos na Geórgia, onde foi aplaudida.
As autoridades de Miami proibiram os policiais de tirar folga na terça-feira e instruíram agentes à paisana a usarem seus uniformes caso precisassem ser destacados, de acordo com e-mails obtidos pelo The Washington Post.
Acusações
Segundo a acusação, Trump reteve intencionalmente centenas de documentos secretos da Casa Branca após o término do seu mandato no seu resort pessoal, Mar-a-Lago, onde costuma realizar eventos luxuosos que reúnem centenas de pessoas. O material continha informações sobre programas nucleares, capacidades de defesa e armas dos EUA e de estrangeiros e planos de ataque do Pentágono. A acusação afirma que eles ficaram armazenados sem qualquer cuidado em diversos cômodos do resort, incluindo o banheiro e um salão de festa, e teria sido apresentado a convidados em pelo menos duas ocasiões.
As informações dos documentos colocam em risco membros das Forças Armadas e fontes do Pentágono, além de expor métodos de espionagem, acrescentaram os promotores.
Ex-aliados de Trump, como William Barr, que atuou como procurador-geral no mandato do republicano, reconhecem a gravidade do processo. Em entrevista à Fox News, Barr declarou que as alegações são detalhadas e condenatórias. “Se até metade disso for verdade, ele está ferrado”, declarou.
O ex-presidente também é acusado de obstruir os esforços do governo para recuperar os documentos. Ele teria orientado o assessor pessoal Walt Nauta, também acusado no processo, e o seu advogado a esconder as caixas ou destruir documentos solicitados pelo Departamento de Justiça.
Aliados republicanos relembram o escândalo dos e-mails de Hillary Clinton, no qual ela teria usado um servidor pessoal e não o e-mail oficial do governo para se comunicar, para fazer um paralelo e argumentar que o republicano é tratado de forma injusta. O caso veio à tona em 2016, e no fim da investigação o Departamento de Justiça não acusou a democrata. Mas, ao contrário do processo contra Trump, o FBI não encontrou nenhuma evidência de que Hillary ou assessores tenham violado leis sobre informações secretas ou obstruído a investigação.
Alguns republicanos reconhecem a diferença entre os dois processos. No domingo, o governador de New Hampshire, Chris Sununu, falou sobre essa diferença, mas ressaltou que ela “precisa ser explicada ao povo americano”.
No início deste mês, o Departamento de Justiça informou ao ex-vice-presidente Mike Pence que não apresentaria acusações contra ele pela presença de documentos secretos em sua casa em Indiana. Outra investigação, sobre a descoberta de arquivos em uma casa e em um escritório de Joe Biden, continua sem nenhuma evidência de violação intencional da lei e obstrução de justiça. /Com AP e W.P.
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