Trump é favorito na Geórgia: entenda por que ex-presidente sai na frente no Estado americano

O republicano conseguiu passar a mensagem de que a economia americana estava melhor sob sua supervisão; base democrata está enfraquecida e partido não conta com o apoio massivo necessário de afro-americanos

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Foto do author Daniel Gateno
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ENVIADO ESPECIAL A ATLANTA, GEÓRGIA-A menos de uma semana das eleições presidenciais nos Estados Unidos o clima político no Estado americano da Geórgia sinaliza um leve favoritismo para o ex-presidente e candidato presidencial republicano, Donald Trump. Ele lidera a maioria das pesquisas e é visto como o mais competente nos temas que mais importam para os eleitores: economia e imigração.

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“Os preços aumentaram muito por conta da inflação. Independente das opiniões sobre Donald Trump, os americanos querem se sentir economicamente seguros novamente”, avalia o advogado Jason Shepherd, ex-líder republicano no condado de Cobb, um subúrbio de Atlanta, capital da Geórgia, em entrevista ao Estadão.

Shepherd se distanciou da legenda por não concordar com o movimento trumpista que domina o Partido Republicano e questiona até hoje os resultados das eleições presidenciais de 2020. Mas isso não significa que ele vai deixar de votar em Trump e defender as políticas da legenda. “Se Donald Trump fosse uma pessoa menos polêmica esta eleição não seria tão acirrada, porque suas propostas são simplesmente melhores”.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um comício em Nova York, Estados Unidos  Foto: Evan Vucci/AP

A Geórgia é um dos sete swing states, Estados-pêndulo em português, ao lado de Pensilvânia, Michigan, Wisconsin, Nevada, Arizona e Carolina do Norte. Estes Estados não têm um comportamento eleitoral definido, podendo optar por democratas ou republicanos, dependendo da eleição.

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Em 2020, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, venceu na Geórgia por menos de 12 mil votos. Ele foi o primeiro democrata a vencer uma eleição presidencial no Estado desde 1992. Em 2024, a maioria das pesquisas colocam Trump na frente, com 48%, contra 46% da vice-presidente americana e candidata presidencial democrata, Kamala Harris.

Economia impulsiona Trump

Durante seus comícios pelos Estados-pêndulo, Trump tem tentado passar a mensagem de que a economia americana estava melhor sob sua supervisão. Mesmo em um Estado como a Geórgia, que está muito bem economicamente, a estratégia parece estar dando certo.

“Trump fez com que as pessoas focassem em aspectos da economia que elas não gostavam, como a questão dos preços”, afirma o professor de ciências políticas da Universidade da Geórgia, Charles Bullock.

Donald Trump discursa em um drive-thru do McDonalds, em Feasterville-Trevose, Pensilvânia  Foto: Evan Vucci/AP

Por conta da inflação ao longo do governo Biden os preços de fato aumentaram e as mercadorias da vida cotidiana estão mais caras agora do que durante o governo Trump. Mas o Estado está muito bem. A Geórgia teve uma taxa de desemprego de apenas 3,6% em setembro, nível menor do que a taxa nacional para o mesmo mês, que ficou em 4,1%.

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O Estado também foi eleito em 2023 pelo 10° ano consecutivo como o melhor Estado americano para fazer negócios pela revista especializada Area Development. O governo da Geórgia conseguiu este feito com impostos menores para corporações e incentivos fiscais. A região metropolitana de Atlanta abriga empresas como Coca-Cola, a varejista americana The Home Depot e a companhia aérea Delta Air Lines.

“Muitas pessoas já se esqueceram dos pontos negativos do governo Trump”, avalia Bullock. “Com o passar dos anos as questões positivas ficam, mas as negativas vão embora. A maneira que Trump lidou com a pandemia foi desastrosa, mas as pessoas não estão lembrando disso”, aponta o professor da Universidade da Geórgia.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um comício em Atlanta, Geórgia  Foto: Mike Stewart/AP

Imigração

O Estado da Geórgia está a mais de 2000 km da fronteira com o México, mas mesmo assim o tema imigração tem preocupado os eleitores do Estado e deve impactar o voto. O assassinato da estudante de enfermagem Laken Riley em fevereiro colocou o tema nos holofotes.

Laken estava correndo pelo campus da Universidade da Geórgia, na cidade de Athens, quando foi morta. O principal suspeito é Jose Ibarra, venezuelano que cruzou a fronteira de forma ilegal e não tinha sua documentação regularizada.

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O tema tomou proporções nacionais durante o discurso do Estado da União feito pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em março. Biden foi interrompido por Marjorie Taylor Greene, congressista republicana da Geórgia, que gritou o nome de Riley. Os republicanos responsabilizaram Biden pela morte da estudante por conta do aumento do fluxo de imigrantes na fronteira com o México.

Ibarra está preso de forma preventiva e declarou não ser culpado em seu primeiro julgamento. Ele foi indiciado por 10 crimes, entre eles homicídio doloso, homicídio qualificado e sequestro.

Trump explorou o episódio politicamente e grupos ligados ao Partido Republicano realizaram diversas propagandas ressaltando o caso e questionando o futuro dos Estados Unidos em uma possível nova administração democrata.

A vice-presidente dos Estados Unidos e candidata presidencial democrata, Kamala Harris, participa de um evento em Washington, Estados Unidos  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

Afro-americanos

A preferência por Trump em temas como imigração e economia também afeta a comunidade afro-americana da Geórgia, que representa 33% da população do Estado. Em 2020, os afro-americanos da Geórgia alavancaram a surpreendente vitória de Biden no Estado, mas a situação é diferente com Kamala.

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Segundo uma pesquisa publicada em outubro pelo jornal The New York Times em parceria com a Siena College, a candidata democrata tem 78% das intenções de votos entre afro-americanos. Parece muito, mas ela precisa aumentar este número para ser competitiva, especialmente em Estados com uma grande população afro-americana como a Geórgia. Biden teve 92% do voto afro-americano.

Na pesquisa do Times, Trump aparece com 15% dos votos. Em uma eleição que será decidida por pequenas margens esta parcela pode fazer a diferença. Em outras pesquisas ao longo da campanha o ex-presidente americano chegou a ter 20% das intenções de voto entre a comunidade negra. Trump pode se tornar o republicano com a maior votação entre afro-americanos desde Richard Nixon, em 1960, que ocorreu antes da aprovação da Lei dos Direitos Civis, que cravou a lealdade do eleitorado negro com os democratas.

O estrago é maior especialmente entre homens negros. Muitos estão gravitando para a candidatura do republicano. De acordo com uma pesquisa da Universidade de Chicago, 26% de homens negros com idades entre 18 e 40 anos disseram que votariam em Trump, em comparação com apenas 12% de mulheres negras.

O ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama participa de um comício em Tucson, Arizona  Foto: Mamta Popat/AP

“Kamala precisa de 90% dos votos do eleitorado afro-americano para ser eleita e o seu maior problema é uma maior rejeição com homens negros”, aponta Bullock. O professor da Universidade da Geórgia destaca que muitos homens afro-americanos não estão muito entusiasmados com o Partido Democrata, depois de anos de apoio.

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“Muitos homens negros sentem que a vida deles não mudou depois do voto em Biden e passaram a considerar outras alternativas. Eles acreditam que a economia estava melhor com Trump”, destaca o especialista.

Para o professor de ciências políticas, a questão de gênero também é um fator. Muitos homens afro-americanos não se sentem confortáveis votando em uma mulher para a Casa Branca. “Parte do problema está no machismo. Mulheres negras vão mais à faculdade, têm mais probabilidade de encontrar trabalhos com bons salários. Homens negros com menos instrução estão menos dispostos a votarem em uma mulher para uma posição dominante”.

A magnitude do problema para os democratas fez com que o ex-presidente americano Barack Obama falasse sobre o assunto em um comício em Pittsburgh, na Pensilvânia.

“As mulheres em nossas vidas tem nos protegido o tempo todo. Quando temos problemas e o sistema não funciona para nós, são elas que marcham e protestam”, afirmou Obama, em um incentivo direcionado a homens afro-americanos.

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Diferenças de 2020 para 2024

Em 2020 os afro-americanos fizeram a diferença para os democratas na Geórgia. Organizações como a Fair Fight e New Georgia Project, fundadas pela advogada e ativista Stacey Abrams, conseguiram engajar um eleitorado que não participava do processo. Segundo estimativas, as organizações registraram 1 milhão de novos votantes na Geórgia nas eleições para o governo do Estado, em 2018, e para presidente, em 2020.

A maioria dos novos votantes era jovem e fazia parte do eleitorado afro-americano. O trabalho duro de registro de novos votantes deu resultado com a vitória de Biden em 2020. A legenda também emplacou as vitórias de dois senadores na Geórgia: Raphael Warnock, o primeiro afro-americano a ser eleito para o cargo pela Geórgia, e Jon Ossoff, o primeiro judeu a ser senador no Estado.

O governador da Geórgia, Brian Kemp, participa de uma coletiva de imprensa em Atlanta, Georgia Foto: Jeff Amy/AP

Mas em 2024 o cenário é outro. O movimento perdeu tração e organizações fundadas por Stacey tiveram que reduzir as equipes por conta de processos na justiça. A advogada se candidatou duas vezes para o governo da Geórgia e perdeu em ambas para o republicano Brian Kemp, um governador popular que não descarta uma candidatura presidencial no futuro.

O Partido Republicano também mudou de abordagem. Integrantes da legenda entrevistados pelo Estadão ressaltaram que o partido acreditava que iria ganhar na Geórgia sem muito esforço em 2020 e não mobilizou os recursos necessários para garantir a vitória. Trump também minou a credibilidade do processo eleitoral e não incentivou o voto antecipado e por correio.

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“Nestas eleições Trump está incentivando o voto antecipado, o voto por correio. O Partido Republicano e vários grupos que estão apoiando a campanha estão com este foco”, avalia o republicano Jason Shepherd. “Acredito que esta mudança de estratégia vai apagar a margem de 12 mil votos que os democratas tiveram em 2020″.

Mudanças demográficas

A vitória dos democratas em 2020 ocorreu também por conta de uma grande mudança demográfica no sul dos Estados Unidos. A região está mais diversa racialmente com um retorno de afro-americanos para os locais que seus ancestrais saíram por conta das leis discriminatórias de Jim Crow (1877-1965).

Entre 1910 e 1970, cerca de seis milhões de afro-americanos se mudaram do sul em um movimento chamado de “A Grande Migração”. Já a volta da comunidade negra para o sul é chamada de “Nova Grande Migração”.

Atraídos por um ambiente mais favorável aos negócios e boa infraestrutura, a população de afro-americanos na Geórgia saltou de 1,8 milhão em 1990 para 3,3 milhões em 2023, segundo o Censo americano. De acordo com um estudo publicado por William H. Frey, demógrafo do Instituto Brookings, o movimento começou nos anos 70, mas ganhou tração em 1990.

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Mas isso não significa que este eleitorado vai votar no Partido Democrata automaticamente, como mostram as pesquisas. Com os números atuais de Kamala entre afro-americanos, ela corre o risco de perder na Geórgia e também nacionalmente. Mesmo que muitos dentro da comunidade negra não considerem a possibilidade de votar em Trump, eles podem simplesmente não votar.

“A população afro-americana na Geórgia cresceu e o percentual de brancos no Estado está diminuindo, mas os democratas não podem acreditar que se uma pessoa faz parte de uma minoria ela vai necessariamente votar neles”, avalia Bullock. “O Partido Democrata precisa lutar por estes votos”.

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