NOVA YORK - Durante anos, altos executivos de empresas de mídia social trataram o presidente Donald Trump com luvas de pelica, justificando como podiam a razão de ele ainda ter permissão para postar em suas plataformas, apesar de violar suas regras repetidas vezes.
Temerosos de provocar uma reação do presidente e de seus aliados, eles fizeram discursos nebulosos em defesa da liberdade de expressão, escreveram políticas especiais para justificar sua passividade e anexaram alertas de advertência fracos às postagens de Trump. Mas a invasão ao Capitólio de quarta-feira - e talvez o conhecimento de que os democratas logo controlarão as duas casas do Congresso - parece ter lhes dado alguma coragem.
Depois de quarta-feira, as plataformas dos gigantes da tecnologia tomaram medidas mais rígidas contra Trump. O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, disse na quinta-feira que a empresa estava bloqueando as contas de Trump até pelo menos o dia da posse, acrescentando que "os riscos de permitir que o presidente continue a usar nosso serviço durante este período são simplesmente grandes demais".
A decisão de Zuckerberg veio depois que Facebook, Twitter e YouTube retiraram do ar um vídeo no qual Trump elogiava os manifestantes e alegava falsamente que a eleição presidencial havia sido fraudada. O YouTube removeu o vídeo de Trump e disse na quinta-feira que tomaria medidas contra canais que postassem vídeos promovendo afirmações falsas. O Twitter também bloqueou a conta do presidente por 12 horas na quarta-feira e, nesta sexta-feira, 8, baniu permanentemente a conta do presidente.
Essas medidas podem ser apenas o começo. Vários funcionários do Twitter e do Facebook na quarta-feira disseram que esperavam que suas empresas suspendessem as contas de Trump permanentemente. Há muito perigo de violência contínua decorrente de suas postagens, disseram esses funcionários, que falaram apenas anonimamente porque as discussões internas eram privadas, e poucos esperam que um prazo temporário seja suficiente para dissuadi-lo de atiçar seus apoiadores.
Casey Newton e Ben Thompson, dois colunistas de tecnologia cujas opiniões têm influência entre os executivos de mídia social, pediram que Trump fosse banido. Alex Stamos, ex-chefe de segurança do Facebook, disse que embora antes tenha sido contra a suspensão da conta de Trump por motivos de liberdade de expressão, mudou de ideia após a invasão do Capitólio porque as postagens de Trump representavam um ataque à própria democracia.
“Você não quer intermediários de informação incrivelmente poderosos decidindo quem tem discurso legítimo em uma democracia”, Stamos disse. “Mas tudo isso foi baseado no discurso que estava acontecendo no processo democrático.” Quer Trump tenha ou não acesso às suas contas de volta, está claro que ele já colocou em risco um de seus trunfos mais valiosos: sua capacidade de intimidar essas empresas para que lhe deem um amplo espaço.
Por anos, ser capaz de usar o Facebook e o Twitter como armas pessoais tem sido um dos maiores trunfos políticos de Trump. Ele é uma peça de propaganda incorrigível que usa esses aplicativos para escolher brigas, acertar contas, promover teorias da conspiração e disseminar desinformação; e enfrentou poucas consequências por fazer isso. Ele acumulou mais de 100 milhões de seguidores combinados nas plataformas e seus posts rotineiramente geram mais engajamento do que os de qualquer outra figura pública.
Trump ainda encontraria maneiras de alcançar seus seguidores sem o Facebook e o Twitter, é claro. Ainda haveria Fox News, Newsmax, OANN e legiões de partidários pró-Trump dispostos a repassar suas mensagens. Jornais e canais de notícias da TV a cabo, que há muito tratam qualquer coisa que o presidente diga como algo naturalmente interessante, podem não resistir a dar a Trump tempo no ar e atenção, mesmo quando ele for um cidadão comum. E Trump tem expressado interesse em iniciar seu próprio império de mídia digital, onde ele poderia definir suas próprias regras.
A mudança de curto prazo mais óbvia para Trump, após o banimento do Twitter e do Facebook, seria mudar para uma das "plataformas alternativas", como Parler e Gab, onde muitos de seus seguidores mais fervorosos se reuniram depois de terem sido expulsos dos aplicativos mais conhecidos. Na quarta à noite, o CEO do Gab, Andrew Torba, disse que estava "em contato com a equipe do presidente Trump" para falar sobre a criação da conta do presidente.
Mas esses aplicativos são pequenos e culturalmente isolados e provavelmente não seriam satisfatórios para o desejo do presidente por um público em massa. Mesmo que Trump construísse sua própria rede social, nenhuma outra plataforma poderia oferecer a ele o que o Twitter e o Facebook ofereceram: dezenas de milhões de olhos de todo o espectro político e uma linha direta para as reuniões de pauta e salas de controle de cada meio de comunicação no mundo.
Perder suas contas no Twitter e no Facebook permanentemente pode até fazer com que Trump tenha menos probabilidade de concorrer à presidência novamente em 2024, uma ideia que ele sugeriu em conversas privadas. Afinal, ele estaria competindo com os republicanos com plenos privilégios para usar as plataformas, que teriam a vantagem de levar sua mensagem a um público mais convencional e menos hiperpartidário.
Em outras palavras, é fácil imaginar que ser banido pelo Facebook e pelo Twitter poderia condenar Trump à irrelevância após o fim de seu mandato e prejudicar significativamente seu futuro político. Também é fácil imaginar que Trump pode não precisar do Facebook oudo Twitter, se seu objetivo for simplesmente acabar com tudo ao fim do mandato.
“Ele perderá a capacidade de afetar as conversas ao redor do globo”, disse Stamos, o ex-executivo do Facebook. “Mas quando você está falando sobre comandar uma revolta, então você só precisa falar com sua base.” / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
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