O presidente eleito Donald Trump não está perdendo tempo em enfrentar as três instituições do governo que mais frustraram suas ambições políticas durante seu primeiro mandato, deixando claro que não irá tolerar resistência desta vez.
Com suas escolhas de subordinados para liderar o Departamento de Justiça, o Pentágono e as agências de inteligência, Trump ignorou figuras do establishment como as que ele indicou há oito anos, optando por aliados incendiários com currículos não convencionais, cuja qualificação mais importante pode ser a lealdade a ele.
As escolhas de Matt Gaetz para procurador-geral, Pete Hegseth para secretário de Defesa, e Tulsi Gabbard para diretora de inteligência nacional nos últimos dias chocaram uma capital que talvez não devesse ter ficado tão surpresa assim. Qualquer um que tenha ouvido as promessas e reclamações de Trump na campanha eleitoral nos últimos dois anos poderia facilmente ter previsto que ele elevaria os compatriotas dispostos a executar sua tomada hostil do governo.
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Se confirmados, Gaetz, Hegseth e Gabbard iriam constituir a frente das tropas de choque da guerra autodeclarada de Trump contra o que ele chama de “Estado profundo”. Os três ecoaram suas convicções de que o governo está cheio de servidores públicos de carreira que ativamente frustraram suas prioridades enquanto ele estava no cargo e o atacaram depois que ele saiu. Nenhum deles tem o tipo de experiência relevante para esses empregos comparável aos antecessores de qualquer partido, mas pode-se esperar que todos eles levem “um maçarico” ao status quo, para usar o termo do ex-estrategista de Trump Stephen Bannon para Gaetz.
Em seu podcast na quarta-feira, 13, logo após a nomeação de Gaetz, Bannon destacou apresentadores, produtores e convidados da rede de TV MSNBC, bem como ex-investigadores e oficiais do FBI como um exemplo de alvos que Gaetz perseguiria se tivesse o poder de processar. “Eu entendi que eles tinham medo de nós”, ele continuou. “E por que eles têm medo de nós? Porque viemos para derrubar os globalistas e o Estado profundo.”
A escolha de Gaetz foi tão surpreendente para muitos em Washington que até mesmo os republicanos tiveram dificuldade, a princípio, em entender se Trump estava falando sério. Ele parecia quase se deleitar com as reações explosivas no Capitólio. “Ele está simplesmente provocando a América neste ponto”, escreveu Alyssa Farah Griffin, ex-assessora da Casa Branca de Trump que rompeu com ele, em uma publicação nas redes sociais.
A disposição de Trump em escolher indicados que antes seriam inimagináveis também se estendeu além das agências de segurança nacional. Na quinta-feira, 14, ele escolheu Robert F. Kennedy Jr., o ex-candidato à presidência que ganhou notoriedade liderando um movimento antivacina, para ser o secretário de Saúde e Serviços Humanos. Para a secretaria de Segurança Interna, Trump indicou a governadora Kristi Noem, de Dakota do Sul, cujas chances de ser vice-presidente desapareceram após ela admitir que matou seu próprio cachorro de 14 meses porque ele era “indomável” e mordia pessoas.
Mas o Departamento de Justiça, o Pentágono e as agências de inteligência foram as três áreas do governo que se mostraram os obstáculos mais persistentes diante dos esforços passados de Trump para legitimar sua presidência e reverter sua derrota em 2020 para se manter no poder.
As agências de inteligência mantiveram sua avaliação de que a Rússia interferiu nas eleições de 2016 com o objetivo de ajudar Trump a derrotar Hillary Clinton, apesar de uma forte reação do recém-eleito presidente, que declarou publicamente acreditar nas negações do presidente Vladimir Putin.
O Departamento de Justiça recusou os pedidos de Trump de processar muitos de seus adversários, incluindo Hillary Clinton, o ex-presidente Barack Obama e seu então vice, Joe Biden, embora tenha investigado outras pessoas que irritaram o presidente. Mais criticamente, o departamento resistiu à pressão para declarar publicamente que houve irregularidades significativas nas eleições de 2020, a fim de justificar a reversão da vitória de Biden.
O Pentágono, por sua vez, deixou claro que não cooperaria com nenhum esforço ilegal para usar tropas contra opositores domésticos ou ajudar Trump a ficar no cargo. Michael Flynn, tenente-general aposentado e aliado de Trump, tentou convencer o presidente, em dezembro de 2020, a declarar uma forma de lei marcial, ordenar que o exército confiscasse equipamentos de votação e refizesse as eleições nos Estados onde ele havia perdido. O general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto, já havia sinalizado por meses que não permitiria que os militares fossem transformados em uma arma política.
“Ele queria usá-los como sua alavanca, mas foram eles que atuaram como barreiras de proteção”, disse Olivia Troye, que serviu como assessora de segurança nacional do vice-presidente Mike Pence durante o governo Trump e se tornou uma crítica ferrenha do presidente eleito. “E acho que tudo isso decorre disso.”
Em contraste, é mais difícil imaginar que Gaetz, Hegseth ou Gabbard desafiem Trump após sua nova posse em 20 de janeiro. Gaetz, um republicano da Flórida que acabou de renunciar sua cadeira na Câmara, tem sido um crítico feroz do departamento que pode assumir — um departamento que o investigou por tráfico sexual antes de arquivar o caso.
Ainda esta semana, Gaetz sugeriu abolir o FBI e o Bureau of Alcohol, Tobacco, Firearms and Explosives (ATF), que estariam sob sua supervisão como procurador-geral. Do jeito que está, Trump, há uma grande expectativa que, depois da posse, Trump demita Christopher Wray, o diretor do FBI que ele instalou em 2017, por ser muito independente.
Hegseth, um apresentador da Fox News que chamou a atenção de Trump defendendo um criminoso de guerra militar condenado, serviu como major na Guarda Nacional do Exército e foi enviado ao Iraque e Afeganistão, mas não tem experiência em comandar uma grande organização, muito menos uma força armada de dois milhões de soldados. Ele também tem sido um defensor feroz de Trump e atacou o que ele chama de militares modernos “woke”.
Gabbard, uma ex-congressista democrata do Havaí que deixou seu partido e apoiou Trump, passou duas décadas na Guarda Nacional do Exército e na Reserva do Exército, chegando a tenente-coronel, mas não tem experiência nas agências de inteligência que supervisionaria. Ela frequentemente ecoou as posições da Rússia sobre a Ucrânia e a Otan, a ponto de um apresentador de televisão estatal russa chamá-la de “nossa namorada”.
Compare esses três com os indicados que Trump instalou nos mesmos cargos quando assumiu em 2017: Jeff Sessions, senador republicano e ex-juiz, como procurador-geral; Jim Mattis, general aposentado de quatro estrelas da Marinha, como secretário de Defesa; e Dan Coats, senador republicano de longa data de Indiana e embaixador na Alemanha, como diretor de inteligência nacional.
Todos os três se mostraram independentes demais para Trump. Sessions irritou o presidente ao se recusar a participar da investigação sobre a Rússia e se recusar a ajudar a expulsar o procurador especial Robert S. Mueller III. Ele acabou sendo demitido.
Mattis resistiu a muitas ideias de Trump que ele considerava perigosas para a segurança nacional. Ele acabou renunciando em protesto contra a decisão de abandonar os aliados curdos na Síria. Coats defendeu seus analistas de inteligência sobre suas conclusões sobre a Rússia e ficou tão surpreso com a deferência de Trump a Putin que se perguntou, em particular, o que os russos tinham sobre o novo presidente. Ele também acabou pedindo demissão.
Trump aprendeu com essas experiências. Quando chegou à Casa Branca, ele não tinha passado um único dia em cargo público e, portanto, frequentemente confiava em pessoas que não conhecia bem. Ele retorna oito anos depois com uma compreensão muito melhor de como o poder funciona na Casa Branca e uma melhor noção de em quem confiar.
No processo, de acordo com Troye, ele está citando a suposta armamentização do governo pelos democratas para virá-lo contra seus adversários. “É quase uma projeção porque ele faz exatamente o que acusa essas pessoas de fazer”, ela disse. “É a politização dessas comunidades.”
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