O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, teve uma vitória expressiva nas eleições americanas não apenas nos Estados-chave, mas sobretudo nas regiões de maioria latina. Dos 101 condados com 50% ou mais de sua população composta por habitantes de origem hispânica ou latina, segundo dados do Censo de 2020, o republicano venceu em 82, o que representa 81,2%. A democrata Kamala Harris triunfou em apenas 19.
Em números totais, Trump também saiu na frente. Nos mesmos condados, o presidente eleito somou 2.562.010 votos, já Kamala teve 2.388.723. Em 2020, Joe Biden levou a melhor com 717 mil votos a mais que o republicano, nas mesmas comunidades.
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Quando avaliamos os condados com mais de 90% de sua população formada por pessoas de origem latina, os dados se mostram ainda mais expressivos: a democrata venceu em apenas um de seis.
Estes seis condados ficam todos no Estado do Texas, e estão próximos à fronteira dos EUA com o México. Todos os conquistados por Donald Trump no Estado fazem fronteira direta com o país, local de porta de entrada para imigrantes que cruzam a fronteira de forma ilegal. A deportação em massa de imigrantes ilegais foi uma das bandeiras levantadas pelo candidato republicano.
Em Starr, condado com o maior percentual de população latina dos Estados Unidos, 97,7% das pessoas são autodeclaradas com esta origem. Pela primeira vez um republicano venceu na comunidade, com 57,7% dos votos, contra 41,8% de Kamala. O fenômeno se repetiu nos condados vizinhos, em que Trump ganhou com larga vantagem, sendo a menor delas em Webb, em que venceu com 50,7% dos votos, pouco mais de 1.400 a mais que Kamala.
Carlos Poggio, professor do Berea College, no Kentucky, cita o conservadorismo como fator relevante para o resultado local. “Existe uma cultura de armamento. Isso é muito importante para o eleitor latino. Tende a ser um eleitor mais conservador, muitas vezes contrário ao aborto. A Kamala Harris fez muita campanha dela em cima da questão do aborto. Isso pode ter afastado principalmente homens latinos”, acrescenta.
Já para Filipe Figueiredo, historiador e comentarista de política internacional, a questão migratória desempenhou um papel fundamental nesta eleição. “O Estado e o governo federal dos Estados Unidos sob a gestão Joe Biden tiveram um choque na justiça devido a questões migratórias, devido à autoridade da Border Patrol. Então, não apenas o Donald Trump venceu em um Estado que costuma ser conservador, mas a rejeição aos democratas aumentou no Estado “, explica.
Nos Estados Unidos os hispânicos e latinos são oficialmente considerados as pessoas de origem ou ascendência espanhola como, por exemplo, as de países como Porto Rico, México, Cuba e Espanha. Os brasileiros não são considerados latinos pela legislação americana.
Desempenho em Estados-pêndulos
Fundamentais na vitória de Donald Trump, os “swings-states”, mais conhecidos como Estados-pêndulos, têm uma população considerável de pessoas com origem latina e hispânica, que ajudaram o republicado a chegar pela segunda vez à Casa Branca.
Veja abaixo a votação em cada um dos 3 mil condados americanos, divididos pela proporção da população hispânica ou latina a partir dos dados do Censo Americano de 2020:
Na Pensilvânia, por exemplo, Trump venceu em mais condados e em alguns tradicionalmente democratas. O republicano levou 58 dos 67, com Kamala conquistando apenas 9. A democrata levou o condado com maior concentração de latinos, Lehigh, que compreendem pouco mais de 25% da população local. A democrata também levou os condados de Philadelphia, Allegheny e Montgomery, os mais populosos do Estado.
Contudo, Trump venceu no condado de Berks, o segundo com maior população latina (cerca de 23%), e com larga vantagem: recebendo 115.676 votos (55,78%), contra 89.764 (43,3,4%) de Kamala.
Wisconsin foi crucial para a vitória de Trump. Embora Kamala tenha vencido em Milwaukee, condado com maior população latina (16,29%), Trump conquistou condados rurais com significativa presença latina, como Kenosha, Racine, Trempealeau e Walworth, onde a população hispânica varia entre 11% e 14%.
No Estado de Michigan, a participação da população latina foi ainda mais decisiva, tendo Trump vencido os dois condados principais. No de Oceana, que tem cerca de 27 mil habitantes (15% de latinos), Trump venceu Kamala por 64,2% a 34,2%. No Estado todo, Trump levou 74 dos 83 condados, enquanto Kamala venceu apenas 9.
Assim como Pensilvânia, Wisconsin e Michigan, Trump venceu na Geórgia, diferente de 2020. Além disso, o republicano faturou as comunidades com a maior concentração percentual de latinos: Whitfield (35,89%), Echols (29,51%), Hall (28,06%) e Atkinson County (24,72%).
Virada em redutos democratas
Um outro fenômeno desta eleição foi a maior entrada de Donald Trump em antigos redutos do partido democrata. Entre os 18 condados onde mais de 80% da população é hispânica ou latina, o presidente eleito cresceu em todos no percentual de votos, enquanto Kamala teve menos votos que Biden, em comparação a 2020.
Apesar de Kamala vencer na Califórnia com certa folga - o Estado mais populoso do país e com o maior colégio eleitoral (54) -, conquistou menos condados que o adversário. Trump somou 34 contra 25. Em relação aos latinos, os números são ainda mais expressivos, tendo Kamala vencido apenas 3 dos 11 condados com maior porcentagem de latinos.
O analista Filipe Figueiredo atribui o desempenho aquém de Kamala no Estado a dois fatores: “Primeiro, o governo democrata da Califórnia, tem enfrentado rejeição devido ao aumento de problemas socioeconômicos no Estado e a Kamala Harris é da Califórnia. E a segunda questão é que nesse ano nós tivemos, talvez, pela primeira vez, o que se convencionou chamar de Big techs, que são em boa parte sediadas na Califórnia, agindo em prol de uma candidatura [de Trump]. Não apenas Elon Musk e Mark Zuckerberg, mas o setor das Big techs como um todo”, analisa.
A Flórida, que já foi considerada Estado-pêndulo, mas que vem sendo fiel a Trump nas últimas eleições, também apresenta dados interessantes. Trump venceu o condado de Miami-Dade, o terceiro mais populoso do país e que é 68,73% composto por latinos, sendo esta a primeira vez na história em que um republicano triunfa na região.
Em 2016, Hillary Clinton ganhou em Miami-Dade, com mais de 60% dos votos. Trump conseguiu aumentar a votação dele em 2020 e agora foi o mais votado do condado. Para Carlos Poggio, professor no Berea College, no Kentucky, tal feito reflete um fenômeno importante.
“Isso mostra que não é uma questão isolada dos condados que ficam na fronteira com o México. É uma questão que está mais ampla. Particularmente entre homens latinos, grupo em que Trump ganhou, porque também é a primeira vez que o republicano ganha esse grupo em muitos anos”, explica. É neste condado que fica a cidade de Miami, famosa pelo movimento migratório de latinos oriundos do caribe.
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