Trump herdará um mundo mais perigoso e pode não estar preparado para uma série de desafios

Economistas afirmam que a agenda econômica de Trump poderia ocasionar uma nova rodada de inflação e mais dívida; republicano também se deparará um mundo de caos e conflitos

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Por Dan Balz (Washington Post)

O presidente eleito Donald Trump começará seu segundo mandato mais forte e mais dominante enquanto jogador na arena internacional do que quando foi empossado oito anos atrás. O mundo que o aguarda, no entanto, é muito diferente — e mais ameaçador — do que quando ele deixou a presidência, há quatro anos.

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O foco “EUA em 1.º lugar” do segundo mandato de Trump tem como objetivo principal a política doméstica. Deportar milhões de imigrantes ilegais foi uma de suas principais promessas de campanha, e suas nomeações iniciais sugerem que ele leva essa prioridade a sério. A proposta é repleta de questões práticas e políticas.

Lidar com a economia doméstica por meio de cortes de impostos e gastos associados a mudanças regulatórias foi outra promessa importante. Pesquisas sugerem que a economia — principalmente a inflação — foi mais relevante do que outros temas na vitória de Trump sobre a vice-presidente Kamala Harris. Mas muitos economistas afirmam que a agenda econômica de Trump — tarifas e uma ampliação nos cortes de impostos — poderia ocasionar uma nova rodada de inflação e mais dívida. As deportações também atrapalhariam a economia.

Trump também prometeu colocar o funcionalismo público em ordem. Uma iniciativa que inclui corte de custos e detecção de ineficiências será liderada pelo empresário multibilionário Elon Musk e seu antigo rival Vivek Ramaswamy. Ambos têm grandes ambições e, aparentemente, as bênçãos do presidente eleito. No entanto, encaram vários desafios antes de conseguir entregar mais do que mudanças simbólicas.

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E Trump pode ser rapidamente atraído para desafios de política externa. Ele se deparará um mundo de caos e conflitos: uma guerra prolongada na Ucrânia com o presidente russo Vladimir Putin mais hostil do que nunca; e o Oriente Médio ainda em turbulência após mais de 15 meses de guerra, com o Irã enfraquecido, a Síria sem Bashar Assad e Israel mais forte militarmente, mas marcado internacionalmente por sua conduta na guerra em Gaza.

A China apresenta outros desafios para Trump, que ameaçou aplicar novas tarifas importantes contra um país com sérios problemas econômicos e crescentes ambições militares. Indicando suas intenções, Trump planeja povoar seu novo governo com vários falcões em relação à China. Enquanto isso, os governos dos principais aliados dos EUA na Europa, particularmente França e Alemanha, estão enfraquecidos, com partidos populistas de direita em ascensão.

Trump se orgulha de ser um negociador. Sua abordagem de política externa em seu primeiro mandato pareceu mais pessoal do que estratégica. Ele prefere lidar com autocratas em vez de trabalhar com alianças tradicionais. Em seu segundo mandato, ele provavelmente achará mais difícil trabalhar com pessoas como Putin, o presidente chinês, Xi Jinping, e o líder que enviou a Trump o que ele qualificou como “cartas de amor”, o norte-coreano Kim Jong-un.

Daniel Benjamin, presidente da Academia Americana em Berlim, disse que talvez a maior mudança desde que Trump esteve na presidência pela última vez seja o que ele chamou de “um eixo de resistência” que inclui Rússia, China, Irã e Coreia do Norte. “Agora, esta realidade é concreta”, disse Benjamin.

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Conforme afirmou um ex-diplomata europeu, que falou sob condição de anonimato para discutir deliberações internas, “Não é como a antiga Guerra Fria, mas podemos perceber um padrão global de provocações e tensão”. Neste ambiente, acredita-se que os adversários de Trump sejam menos inclinados a fazer acordos de curto prazo que beneficiem o novo presidente.

O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, junto de seu vice, J.D. Vance, na madrugada após as eleições de 5 de novembro.  Foto: AP Photo/Evan Vucci, arquivo

“A antiga cartilha de Trump envolvia fazer as pessoas acreditarem que ele seria capaz de fechar um acordo incrível a qualquer momento, com qualquer um, e virar o melhor amigo do líder adversário. Pense naquela amalucada diplomacia pessoal com Kim Jong-un”, disse Benjamin. “Isso não vai dar certo agora.”

Ivo Daalder, diretor executivo do Conselho de Assuntos Globais de Chicago e ex-embaixador dos EUA na Otan, disse: “O mais importante é que a Rússia está em guerra com o Ocidente”. Segundo Daalder, o foco imediato do líder russo é subjugar a Ucrânia, com o objetivo de longo prazo de recuperar a posição estratégica da Rússia perdida no fim da Guerra Fria.

“Isso significa que Putin é um ator muito diferente”, disse Daalder. “Mais isolado. Mais focado num objetivo singular do que poderia ter sido quando Trump se encontrou com ele pela última vez.”

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A guerra na Ucrânia pode se tornar o primeiro teste de Trump, dada a situação no campo de batalha, o esgotamento das forças ucranianas e o apoio cada vez menor nos Estados Unidos, particularmente entre os republicanos, para a continuidade da ajuda para Kiev.

Trump disse durante a campanha que seria capaz de fechar um acordo para acabar com a guerra em um dia, o tipo de exagero pelo qual ele é famoso. A realidade é diferente. A preocupação entre os analistas europeus é que Putin tenha demandas maximalistas e que Trump, ansioso para obter um acordo, possa ceder demais.

Os possíveis movimentos de Trump em relação à Ucrânia são uma fonte de preocupação considerável entre os aliados dos EUA na Europa, que fizeram parte da coalizão reunida inicialmente pelo presidente Joe Biden e que teriam seus próprios problemas de segurança dependendo do que acontecer. Trump venderia os ucranianos num acordo que essencialmente destruiria sua soberania? A Ucrânia poderia ser forçada a abrir mão de território em troca de garantias que vinculassem Kiev ao Ocidente?

Trump tem a oportunidade de ajudar a reformular o Oriente Médio, mas há pelo menos duas grandes questões. Primeiro, até que ponto Trump daria uma carta-branca a Israel que Biden não tenha dado? Segundo, qual seria sua postura em relação ao Irã? Ele verá uma oportunidade de negociação ou adotará uma abordagem muito linha-dura? Sua escolha para embaixador em Israel, o ex-governador do Arkansas Mike Huckabee, que é fortemente pró-Israel, foi interpretada como um sinal de que ele dará mais ao primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, do que Biden.

Trump assumirá a presidência com alguns aliados dos EUA enfraquecidos e absorvidos por problemas internos. O presidente francês, Emmanuel Macron, sofreu uma série de derrotas políticas nos últimos meses. Na Alemanha, o governo de coalizão do chanceler Olaf Scholz caiu, e novas eleições estão a caminho. O governo da Coreia do Sul está em turbulência após o impeachment do presidente Yoon Suk Yeol. O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, anunciou, na segunda-feira, 6, sua renúncia ao cargo.

Trump e Justin Trudeau. Premiê canadense anunciou a renúncia ao cargo em 6 de janeiro.  Foto: AP Photo/Evan Vucci, arquivo

Na Alemanha e na França partidos de extrema direita estão ganhando força, e Musk recentemente causou controvérsia com um artigo de opinião qualificando a AfD (Alternativa para a Alemanha) como “a última fagulha de esperança” daquele país. No Reino Unido, Musk tem sido duramente crítico em relação ao primeiro-ministro Keir Starmer e flertou com o partido populista de extrema direita Reform UK. O líder da legenda, Nigel Farage, um aliado de Trump, chegou a pedir a Musk apoio financeiro para seu partido.

Os europeus verão Trump de forma diferente agora do que no início de seu último mandato. Sua segunda vitória foi uma surpresa para muitos analistas europeus, e sua atual agenda é levada mais a sério do que nunca. A posição intimidadora de Trump em relação à Otan é uma preocupação constante, e a perspectiva de novas tarifas é profundamente preocupante para os aliados europeus dos EUA.

Entre analistas de política externa há uma sensação de que Trump chega ao seu segundo mandato mais bem preparado para levar a cabo suas prioridades de política externa. E, dizem eles, Trump começa com alguns atributos claros para aumentar sua capacidade de moldar eventos ao redor do mundo, mas talvez com menos espaço para arrogância. Conforme observou Robin Niblett, um distinto membro do instituto de análise Chatham House, sediado em Londres, em um mundo mais perigoso, “o custo de usar seu peso pode ser maior”./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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