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Trump planeja um tarifaço sem precedentes se ganhar a eleição. Como ele afetaria os EUA e o mundo?

Se implementados, os planos tarifários do ex-presidente levariam a custos mais altos, volatilidade do mercado de ações e conflitos com o resto do mundo

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Por David J. Lynch (The Washington Post) e Jeff Stein (The Washington Post)

O ex-presidente Donald Trump está fazendo campanha pelo mais significativo aumento de tarifas em quase um século, preparando um ataque à ordem comercial internacional que provavelmente aumentaria os preços, prejudicaria o mercado de ações e desencadearia conflitos econômicos com grande parte do mundo.

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Os planos comerciais de Trump, um elemento básico de seus discursos de campanha, têm flutuado, mas ele é consistente nos seus apelos por taxas altas para desencorajar importações e promover a produção doméstica. O ex-presidente falou em tarifas “automáticas” de 10% a 20% sobre todos os parceiros comerciais dos EUA, impostos de 60% sobre produtos da China e taxas de até 100%, 200% ou até 1.000% em outras circunstâncias.

Essas propostas iriam muito além das guerras comerciais disruptivas de seu primeiro mandato, mesmo que sejam implementadas apenas parcialmente. Elas arrancariam o país do sistema de interdependência global que surgiu nas décadas mais recentes, tornando a economia dos EUA muito mais isolada e autônoma, como era no final do século XIX (Trump afirmou falsamente na semana passada que os Estados Unidos nunca foram mais ricos do que na década de 1890, quando havia altas barreiras comerciais).

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um evento no Clube Econômico de Chicago  Foto: Julia Demaree Nikhinson/AP

“Para mim, a palavra mais bonita do dicionário é tarifa. É a minha favorita”, disse Trump em Chicago na terça feira. “Eu acredito em tarifas.”

As consequências seriam de longo alcance: os americanos seriam atingidos por preços mais altos para alimentos básicos do exterior, como frutas, legumes e café. As empresas nacionais dependentes de importações precisariam descobrir novas cadeias de fornecimento ou aumentar os custos para os consumidores. Os fabricantes dos EUA quase certamente veriam declínios acentuados nos pedidos do exterior, à medida que nações estrangeiras impusessem tarifas retaliatórias.

“Estamos falando de um plano de importância histórica: seria enorme, e o efeito colateral seria ainda maior”, disse Douglas A. Irwin, economista da Dartmouth College que escreveu um livro em 2017 a respeito da história da política comercial dos EUA. “Seria algo sem precedentes.”

Empresas e governos ao redor do mundo começaram a preparar planos de contingência para as potenciais tarifas de Trump. Nas semanas mais recentes, diplomatas e lideranças empresariais da América Latina, Europa, Ásia e até mesmo do Canadá perguntaram a seus colegas dos EUA a respeito das intenções e autoridades de Trump, de acordo com entrevistas com vários consultores econômicos nacionais e internacionais, alguns dos quais falaram sob condição de anonimato para refletir um planejamento privado.

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O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, assiste a um vídeo de sua adversária, a vice-presidente Kamala Harris, em um comício em Detroit, Michigan  Foto: Evan Vucci/AP

Tarifas

Enquanto algumas lideranças empresariais e republicanas do Congresso permanecem otimistas de que o ex-presidente está promovendo uma encenação de campanha eleitoral, Trump tem repetidamente insistido que as tarifas representam um fator positivo absoluto para a economia dos EUA, recentemente chamando-as de “a melhor coisa já inventada”. As tarifas têm sido uma base constante de sua pauta econômica desde que ele concorreu pela primeira vez em 2016, junto com impostos mais baixos, aumento da produção de energia e desregulamentação.

Trump diz que seu plano forçaria outros países a recuarem do que ele alegou serem práticas comerciais abusivas. E embora tarifas altas possam forçar muitas empresas a transferir empregos e produção para os Estados Unidos para acessar o maior mercado do mundo, isso teria um custo alto e disruptivo.

“As economias mundiais estão agora tão interligadas umas às outras — rasgar esses laços e separá-las seria incrivelmente disruptivo para os EUA”, disse Irwin. “Isso realmente ecoaria na economia de maneiras muito difíceis de prever.”

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, assiste a uma partida de futebol americano em Pittsburgh, Pensilvânia  Foto: Evan Vucci/AP

Brian Hughes, um consultor sênior da campanha de Trump, rejeitou as avaliações apartidárias e de Wall Street a respeito dos prováveis efeitos das tarifas.

“Assim como em 2016, Wall Street e as chamadas previsões de especialistas disseram que as políticas de Trump resultariam em menor crescimento e maior inflação, a mídia levou essas previsões ao pé da letra, e a narrativa nunca foi corrigida quando o crescimento real e os ganhos de empregos superaram amplamente essas opiniões”, disse Hughes em uma declaração. “Essas elites de Wall Street fariam bem em rever suas posições e reconhecer as deficiências de seu trabalho anterior se quiserem que suas novas previsões sejam vistas como confiáveis.”

‘Não estamos falando de caviar’

Trump e seu companheiro de chapa, o senador JD Vance (Ohio), defenderam tarifas mais altas como benéficas para a classe trabalhadora, argumentando que elas trarão de volta aos Estados Unidos empregos que haviam sido transferidos para o exterior.

O plano de Trump aplicaria automaticamente uma tarifa mínima sobre importações de todos os países que comercializam com os Estados Unidos, conhecida como tarifa universal. A Coalizão por uma América Próspera, que apoia tarifas mais altas, projetou que uma tarifa universal de 10% geraria 3 milhões de empregos adicionais e levaria a um aumento na produção industrial dos EUA. Também traria trilhões em receita para os cofres federais. Mesmo com o crescimento geral da economia, a indústria dos EUA declinou drasticamente desde a década de 1950 enquanto parcela da força de trabalho. Trump disse que as tarifas trarão esses tipos de empregos de volta aos Estados Unidos.

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Na terça feira, no entanto, Trump disse que tarifas de 10% seriam insuficientes para trazer empregos de volta e que a taxa teria que ser mais próxima de 50%.

“Quando eles tiverem que pagar tarifas para entrar, mas tiverem incentivo para construir aqui, eles voltarão com tudo”, disse Trump na Geórgia no mês passado.

O republicano Donald Trump gesticula em um evento em Detroit, Michigan, no dia 10 de outubro  Foto: Julia Demaree Nikhinson/AP

Mais da metade dos eleitores registrados disseram que teriam mais probabilidade de apoiar um candidato que apoiasse a imposição de uma tarifa de 10% sobre todas as importações e uma tarifa de 60% sobre as importações da China, de acordo com uma pesquisa da Reuters-Ipsos realizada em meados de setembro. Os republicanos tinham mais do que o dobro de probabilidade dos democratas de apoiar tarifas mais altas, mas 56% dos independentes também endossaram o plano de Trump.

No entanto, o impacto mais imediato dos planos de Trump pode ser o aumento do custo para os consumidores dos EUA, de uma forma que provavelmente será particularmente dolorosa para os americanos de baixa renda.

Durante seu primeiro mandato, Trump impôs tarifas a cerca de US$ 360 bilhões em importações chinesas, bem como às importações de aço e alumínio, máquinas de lavar e painéis solares. O governo Biden manteve amplamente essas políticas, mas Trump agora está de olho em um aumento de mais de nove vezes no volume de importações afetadas, o que os economistas dizem que levaria a um aumento de preços generalizado.

Os EUA importam anualmente mais de US$ 1 trilhão em bens usados diretamente pelos consumidores: eletrônicos baratos da China; alimentos da América Latina e Canadá; produtos farmacêuticos produzidos na Índia e no México. Tarifas de 20% sobre todas as importações podem representar um aumento de impostos de mais de US$ 4 trilhões na próxima década, de acordo com o Committee for a Responsible Federal Budget, um centro de estudos apartidário (Trump insistiu que as tarifas aumentam os custos apenas para países estrangeiros, embora economistas digam que os impostos, geralmente pagos pelos importadores ao governo, são normalmente repassados aos consumidores na forma de preços mais altos).

Cartaz da campanha de Donald Trump ressalta que um governo do republicano diminuiria os preços das mercadorias, em Wilmington, Carolina do Norte  Foto: Chris Seward/AP

Os preços da gasolina aumentariam em até 75 centavos por galão no Meio-Oeste, onde a maioria dos produtos refinados vem do Canadá, de acordo com Patrick De Haan, analista da GasBuddy. No geral, o Peterson Institute for International Economics disse que as tarifas de Trump custariam à família típica US$ 2.600 por ano; o Yale Budget Lab disse em uma estimativa divulgada na quarta feira que o custo anual poderia chegar a US$ 7.600 para uma família típica. Enquanto parcela da sua renda, os americanos mais pobres pagariam 6% a mais com tarifas de 20%, em comparação com 1,4% a mais para o 1% mais rico, de acordo com o Institute on Taxation and Economic Policy, um centro de estudos de esquerda.

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“Não estamos falando de caviar — essas são coisas que as pessoas precisam comprar. São essenciais”, disse Neil Saunders, diretor administrativo da empresa de análise GlobalData.

Economistas dizem que levaria vários anos dolorosos para que produtores nacionais alternativos surgissem para muitos produtos. Por exemplo, quase todos os sapatos e 90% dos tomates vendidos no país são importados, de acordo com o Peterson Institute. E os Estados Unidos nem mesmo têm o clima necessário para produzir muitos itens alimentares — como café, bananas, abacates, para não falar do robalo chileno — na escala necessária para atender à demanda doméstica, disse Joseph Politano, analista econômico que escreveu a respeito do assunto em seu Substack.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, trabalha por um turno em uma unidade do McDonald´s em Feasterville-Trevose, Pensilvânia  Foto: Doug Mills/AP

‘Juros mais altos, crescimento mais lento, inflação mais alta’

As tarifas de Trump também repercutiriam em Wall Street e nos mercados globais, dando margem a turbulências que afetariam investidores e empresas em todo o mundo. Esses efeitos provavelmente seriam sentidos rapidamente.

Durante o primeiro mandato de Trump, as ações caíram em nove dos 11 dias em 2018 e 2019 em que os Estados Unidos ou a China anunciaram novas tarifas, de acordo com um estudo deste ano feito por economistas do Federal Reserve e da Universidade de Columbia. Tarifas abrangentes causariam um rápido salto único nos preços antes de reduzir o crescimento econômico cerca de seis meses depois, de acordo com o economista David Page, chefe de pesquisa macro da AXA Investment Managers em Londres.

Muitos analistas estão esperançosos de que um pânico no mercado de ações dissuadiria ou impediria Trump de executar seus planos. O banco de investimentos UBS projetou que uma tarifa universal de 10% poderia levar a uma contração de 10% no mercado de ações. As multinacionais dos EUA são fortemente dependentes de subsidiárias estrangeiras, e varejistas, fabricantes de automóveis e outros setores industriais seriam os mais afetados, de acordo com o UBS. Chris McNally, analista da Evercore, disse que o plano de tarifas de 10% de Trump poderia causar um declínio de mais de 20% nos lucros da General Motors, com declínios ligeiramente menores para a Ford e a Stellantis.

Stephen Miran, que serviu no Departamento do Tesouro durante o governo Trump, disse que espera que Trump introduza as tarifas gradualmente, mitigando qualquer volatilidade do mercado de ações. Miran ecoou os comentários de Trump de que dezenas de países têm tarifas de importação mais altas para os produtos americanos do que os Estados Unidos têm para produtos desses países — e vê as propostas do ex-presidente como um primeiro passo em direção a acordos comerciais mais justos.

Mas outros países talvez não concordem com acordos comerciais mais favoráveis para os EUA. E se isso acontecer, as novas tarifas deprimiriam o comércio global de mercadorias e interromperiam os fluxos financeiros correspondentes entre os Estados Unidos, China e Europa, dizem os especialistas.

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Como os Estados Unidos compraram menos produtos da China e da Europa, eles, por sua vez, puderam comprar menos títulos do Tesouro. Isso faria com que os rendimentos aumentassem na dívida de longo prazo do governo dos EUA; os consumidores americanos sentiriam o impacto com taxas de hipoteca mais altas.

Trump falou em encontrar maneiras de reduzir o valor do dólar para tornar as exportações dos EUA mais atraentes para clientes estrangeiros. Mas as tarifas globais prejudicariam essa meta, empurrando o dólar para cima. Em 2018, quando Trump implementou as primeiras rodadas de aumentos de tarifas, o dólar subiu mais de 10% em relação ao yuan chinês.

“Estaríamos enfrentando taxas de juros mais altas, crescimento mais lento, inflação mais alta — aquele cenário de estagflação a respeito do qual as pessoas falam”, disse Marc Chandler, diretor administrativo da Bannockburn Global Forex, referindo-se a uma combinação de alta inflação e crescimento anêmico.

Donald Trump e Kamala Harris se enfrentam na corrida presidencial americana, que será decidida no dia 5 de novembro de 2024  Foto: Alex Brandon/AP

‘Todas as capitais do mundo’ podem responder

Trump e seus assessores expressam confiança de que as tarifas podem ser uma ferramenta eficaz para persuadir outros países a cumprir suas exigências. Mas muitos podem responder impondo suas próprias restrições comerciais às exportações dos EUA.

Durante o primeiro mandato de Trump, a União Europeia impôs tarifas retaliatórias a tudo, desde o milho americano até as motocicletas Harley-Davidson. A China reduziu as compras de produtos alimentícios feitos no Meio-Oeste, levando o governo Trump a aprovar um resgate de US$ 30 bilhões para agricultores. Isso precedeu um acordo comercial China-EUA, mas não há garantia de que uma resolução semelhante possa ser alcançada novamente.

Embora as discussões sejam preliminares, autoridades no Canadá, União Europeia, China, Índia e outros lugares já estão trabalhando em alternativas para responder a outra potencial guerra comercial de Trump. A retaliação pode ser mais dura desta vez: o Canadá, por exemplo, pode cortar o acesso a madeira, alumínio e aço. As exportações de aeronaves Boeing e veículos dos EUA podem ser ameaçadas. Alguns analistas acreditam que a China pode devastar as exportações agrícolas dos EUA.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, cumprimenta uma apoiadora em um comício em Lancaster, Pensilvânia  Foto: Susan Walsh/AP

“Eles estão pensando em seus pontos de pressão, e tenho certeza de que todas as capitais do mundo estão fazendo o mesmo”, disse uma pessoa em contato com autoridades canadenses do alto escalão preparando possíveis respostas, falando sob condição de anonimato para discutir conversas privadas.

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Uma nova tarifa universal violaria os compromissos dos EUA com a Organização Mundial do Comércio. Outros países quase certamente apresentariam queixas à OMC. Mas especialistas disseram que os parceiros comerciais não esperariam por esse processo judicial complicado, que pode levar anos para produzir uma conclusão.

“No primeiro dia de mandato, se houver uma tarifa de 10% em vigor, no segundo dia, haverá tarifas retaliatórias de todos os nossos parceiros comerciais”, disse John Veroneau, advogado comercial da Covington & Burling, que atuou como representante comercial adjunto dos EUA no governo do presidente George W. Bush. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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