‘Trump precisa ganhar na Geórgia para ser presidente, Harris não’, diz jornalista americano

Greg Bluestein é um dos principais jornalistas do Estado da Geórgia e escreveu um livro sobre como os democratas conseguiram grandes vitórias em um Estado que era considerado um bastião republicano nas eleições de 2020

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Foto do author Daniel Gateno
Foto: Greg Bluestein /Reprodução
Entrevista comGreg Bluestein Jornalista e autor do livro "Virada: como a Geórgia ficou roxa e quebrou o monopólio do poder republicano"

ENVIADO ESPECIAL A ATLANTA, GEÓRGIA-Durante uma sessão da Câmara Legislativa do Estado americano da Geórgia, Greg Bluestein, jornalista e analista político do The Atlanta-Journal Constitution, o principal jornal da Geórgia, ressalta a importância do Estado para a definição do próximo presidente dos Estados Unidos. “Donald Trump precisa ganhar na Geórgia em 2024 para vencer a eleição, já Kamala Harris tem mais caminhos para vencer sem a Geórgia”, pondera o jornalista em meio a fala dos parlamentares.

Bluestein é um dos principais repórteres do Estado americano e autor do livro Flipped: How Georgia Turned Purple and Broke the Monopoly on Republican Power (Virada: como a Geórgia ficou roxa e quebrou o monopólio do poder republicano), publicado em 2022, que busca explicar como os democratas conseguiram grandes vitórias em 2020 no Estado que é considerado um dos bastiões republicanos no sul dos Estados Unidos.

Joe Biden foi o primeiro democrata a vencer um pleito presidencial na Geórgia desde 1992. O Partido Democrata também elegeu dois senadores: Raphael Warnock, o primeiro afro-americano a ser senador no Estado e Jon Ossof, o primeiro judeu a ocupar o cargo pela Geórgia.

“Não existe uma virada perfeita”, destaca Bluestein, a reportagem do Estadão na tribuna de imprensa do Senado da Geórgia, em Atlanta. “Os democratas conseguiram identificar um eleitorado e fizeram um bom trabalho em energizar esta base”, disse o jornalista.

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A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, participa de um comício em Atlanta, Geórgia  Foto: Erin Schaff/NYT

Para Bluestein, o fato do ex-presidente Donald Trump ter questionado o sistema eleitoral americano também contribuiu para sua derrota no Estado em 2020. “Trump focou em questionar o sistema e fez com que milhares de republicanos ficassem em casa porque achavam que a eleição seria roubada”.

Os republicanos querem reconquistar a Geórgia porque sabem da importância do Estado, que tem 16 delegados no Colégio Eleitoral. “Para os republicanos a derrota foi um choque, eles vão buscar muito a vitória aqui no Estado, já os democratas devem focar em outros lugares como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin”, avalia Bluestein.

Confira trechos da entrevista:

Como foi o processo de apuração do seu livro?

Nós vivemos no Estado mais fascinante deste país. A dinâmica da Geórgia não pode ser encontrada em nenhum outro lugar.

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Muitas figuras importantes do Estado são nacionalmente conhecidas como a ativista e advogada Stacey Abrams, o senador Raphael Warnock, o governador da Geórgia, Brian Kemp, e a congressista Marjorie Taylor Green. Todos eles já foram cogitados para cargos importantes no governo Trump ou no governo Biden.

O senador Raphael Warnock discursa ao lado do senador Jon Ossoff, em Atlanta, Geórgia  Foto: Megan Varner/AFP

Por que Biden venceu em 2020? Foi uma mudança demográfica?

Acredito que foi uma série de fatores. Os democratas conseguiram identificar um eleitorado que não estava apoiando o partido antes e eles fizeram um bom trabalho em energizar esta base para ganhar o Estado pela primeira vez desde 1992.

E também teve o efeito Donald Trump, que era um presidente que estava se candidatando à reeleição, mas ao invés de tentar mostrar os ganhos de seu governo, focou mais em questionar o sistema eleitoral americano em 2020.

O resultado disso foi que milhares de republicanos linha dura ficaram em casa porque achavam que a eleição seria roubada. Estas pessoas poderiam ter mudado o panorama eleitoral. Eu entrevistei estas pessoas e elas de fato acreditam que o pleito foi roubado.

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Para os democratas, foi uma tempestade perfeita atrás de tempestade perfeita para que eles conseguissem uma vitória na Geórgia em 2020. Tudo que tinha que acontecer de fato aconteceu, não existe uma virada perfeita.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump participa de uma coletiva de imprensa na parte de fora da Corte Criminal de Manhattan, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Curtis Means/AP

Qual foi o papel de Stacey Abrams na vitória em 2020 e como ela pode ajudar em 2024?

Acredito que a Fair Fight, a organização criada por Stacey Abrams, teve seu papel no registro de novos votantes e isso de fato ajudou muito o Partido Democrata a vencer. Mas agora a organização está em apuros, porque eles perderam muito dinheiro em disputas judiciais e demitiram 70% da equipe.

O Partido Democrata está preocupado com a possibilidade de não ter uma estrutura organizada em 2024, da mesma forma que ocorreu nas últimas eleições. Muitos grupos que faziam o mesmo tipo de trabalho que o Fair Fight não estão bem.

O que o Partido Democrata precisa fazer para vencer na Geórgia?

Em um Estado como a Geórgia, um democrata precisa de pelo menos 90% dos votos do eleitorado afro-americano para ter uma chance, sem isso vai ser muito difícil. Não acho que Donald Trump vai conseguir chegar a 20% dos votos dentro da comunidade negra do Estado como algumas pesquisas disseram, mas se ele conseguir aumentar um pouco a sua porcentagem ou convencer uma parcela do eleitorado afro-americano a simplesmente não votar essa já vai ser uma vitória para os republicanos.

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O eleitorado afro-americano avalia que algumas promessas que Biden fez em 2020 não foram cumpridas e existe muita insatisfação também por conta da guerra entre Israel e o Hamas. Mas geralmente quando o período eleitoral realmente começa muitas questões simplesmente não importam mais.

Eu escrevi muitas matérias sobre como Raphael Warnock (senador da Geórgia) e Stacey Abrams (candidata a governadora em 2022) estavam com dificuldade em atingir o eleitorado afro-americano e no final isso não importou muito e eles eles tiveram 90% dos votos da comunidade negra.

A advogada e ativista Stacey Abrams fundou o movimento Fair Fight em 2018  Foto: Demetrius Freeman/The Washington Post

Além disso, uma parcela considerável da população da Geórgia, que tradicionalmente vota nos republicanos, votou em Biden em 2020 e nos candidatos democratas em 2022. São eleitores que moram nos subúrbios e geralmente tem um diploma de ensino superior. Se eles votaram contra Trump em 2020, eles podem fazer isso de novo agora.

Para os republicanos, a derrota na Geórgia foi um choque. Eles estavam acostumados a vencer as eleições presidenciais. O Estado deve ter uma disputa acirrada e os democratas estão preocupados. Alguns outros Estados devem receber mais atenção como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin.

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Existem relatos de que os democratas estão mais otimistas com uma vitória na Carolina do Norte do que na Geórgia

Provavelmente os democratas estão mais otimistas com a Carolina do Norte por conta do candidato republicano ao governo do Estado (Mike Robinson), que é um personagem muito controverso e pode ajudar o Partido Democrata.

Mas no final das contas, os democratas sabem que se eles vencerem em Michigan, Pensilvânia e Wisconsin eles devem manter a presidência. Eles vão focar em tentar vencer nestes Estados, não acredito que o partido vai gastar muito dinheiro e infraestrutura para tentar vencer na Carolina do Norte ou mesmo na Geórgia. Vencer na Geórgia seria a cereja do bolo para Kamala Harris, vencer na Carolina do Norte também seria ótimo, mas ela não precisa.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa em um evento em Washington, Estados Unidos  Foto: Susan Walsh/AP

Para os republicanos é diferente. Eles não vão vencer a eleição presidencial se não conseguirem vencer na Geórgia. Existem poucos cenários em que Donald Trump vence a eleição sem vencer a Geórgia. Harris tem mais possibilidades.

O Partido Republicano está se esforçando para motivar a sua base, eles estão incentivando os eleitores do partido a votarem cedo, encorajando os eleitores a votarem por correio, algo que não fizeram em 2020, especialmente por conta das mentiras de Donald Trump sobre o voto por correio.

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É possível que a Geórgia se torne um Estado democrata no futuro?

Acho que a Geórgia vai continuar sendo um Estado concorrido. Não acredito que o Estado será muito democrata ou muito republicano.

Vai depender muito de quem estiver concorrendo e do que está acontecendo. O senador Raphael Warnock, que é democrata, conseguiu vencer de novo porque ele estava enfrentando um candidato republicano que era muito problemático (o ex-jogador de futebol americano Herschel Walker), mas Stacey Abrams perdeu para o republicano Brian Kemp na disputa pelo governo.

Mas é certo que a composição política do Estado mudou totalmente. Nós temos dois senadores democratas e por muitos anos tivemos só senadores republicanos que votaram sempre com os presidentes republicanos, mas rejeitaram todas as propostas dos democratas. Warnock e Ossof (Jon Ossof, senador democrata da Geórgia) foram importantes para que Biden pudesse aprovar tudo que ele aprovou, sem eles isso não seria possível.

Então podemos dizer que esta mudança política mudou o país. Não vou julgar se eles mudaram o país para melhor ou pior, mas mudaram o país.

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O senador americano Jon Ossof, democrata da Geórgia, participa de uma comissão no Senado americano, em Washington, Estados Unidos  Foto: Hilary Swift/NYT

Você tem alguma previsão para as eleições?

Não vou fazer previsões, mas eu acredito que muita coisa ainda pode mudar. Em 2020 achávamos que as eleições seriam um referendo sobre como Donald Trump lidou com a pandemia, mas no final teve a morte de George Floyd e tudo mudou. O tópico da justiça social foi muito importante e ganhou um espaço muito grande.

Então muito pode mudar e nada está definido.

Quais são os principais problemas no Estado da Geórgia?

A maioria das pesquisas sempre mostram que a economia e o mercado de trabalho são os principais problemas que os cidadãos do Estado estão mais preocupados, mas neste momento temos um outro tema que geralmente não aparece: imigração.

Este tema aparece como uma maior preocupação entre republicanos, mas também entre democratas, principalmente por conta do assassinato da estudante de enfermagem Laken Riley, em fevereiro, na cidade de Athens, que fica há duas horas de Atlanta, por um imigrante da Venezuela que chegou aos Estados Unidos de forma ilegal.

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Geralmente imigração não é um grande assunto para os democratas, mas eles estão reconhecendo esta situação como uma crise. Saúde pública e defesa da democracia são temas que aparecem mais entre os democratas.