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Trump prospera no destroçado sistema políticos dos EUA; leia artigo de Thomas Friedman

Ex-presidente americano é como um traficante de drogas que prospera em um bairro despedaçado, fazendo todos ficarem viciados em seus valores pervertidos

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Por Thomas L. Friedman

E se Mitch McConnell, no encerramento de seu discurso inflamado no recinto do Senado culpando Donald Trump pela arruaça ocorrida no Capitólio em 6 de janeiro de 2021 tivesse prometido usar todas as suas forças para garantir que o ex-presidente fosse condenado em um processo de impeachment para nunca mais poder retornar ao Salão Oval?

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E se Melania Trump, depois de a estrela pornô Stormy Daniels afirmar que Trump manteve relação sexual com ela sem proteção menos de quatro meses antes de Melania dar à luz ao seu filho, tivesse jogado pela janela da Casa Branca todas as roupas, tacos de golfe, bonés MAGA e spray de cabelo de Trump com a seguinte mensagem, “Não volte aqui nunca mais, ser desprezível!”.

E se o influente líder evangélico Robert Jeffress, depois de Trump ser flagrado por uma gravação explicando que, como astro da TV, ele se sentia no direito de “apalpar” partes íntimas de mulheres — ou depois depois de Trump ter sido considerado culpado por um júri de Manhattan por fazer exatamente isso com Elizabeth Jean Carroll — declarasse que lideraria uma campanha para garantir que qualquer um menos Trump seja eleito em 2024 porque o ex-presidente é um devasso, que ele jamais permitiria cuidar de suas duas filhas, muito menos do país?

O ex-presidente americano Donald Trump acena para apoiadores em seu resort de Mar-a-Lago, na Flórida, ao anunciar que iria concorrer de novo à presidência, no fim de 2022 Foto: Andrew Harnik/AP

Com que expressão declarações e ações como essas teriam deixado Kevin McCarthy, seus debilóides da bancada republicana na Câmara e outros republicanos que agora defendem Trump contra o indiciamento do Departamento de Justiça? Eles se mostrariam tão ávidos em proclamar a inocência de Trump? Estariam vociferando contra a audiência de terça-feira em Miami? Alegariam falsamente que Joe Biden está indiciando Trump quando sabem muito bem que o presidente não tem poder para indiciar ninguém?

Duvido. Mas eu sei que todas essas perguntas são retóricas. Nenhuma dessas pessoas tem caráter para levantar esse tipo de questão ética e se contrapor a Trump e ao que ele fez para destroçar nosso sistema político. Trump é como um traficante de drogas que prospera em um bairro despedaçado, fazendo todos ficarem viciados em seus valores pervertidos. É por isso que ele está fazendo tudo o que pode para despedaçar nossa vizinhança nacional de duas maneiras fundamentais.

Para começar, Trump tenta consistentemente ferir a reputação de indivíduos que demonstram caráter e coragem rotulando-os de perdedores e fracotes. Isso ocorre naturalmente para Trump porque ele é um homem absolutamente sem caráter — vazio de qualquer noção de ética ou lealdade a qualquer sistema de valores ou pessoa além dele mesmo. E para ele, a política é um esporte sangrento, no qual você agride os adversários — sejam eles do outro partido ou não — difamando-os, dando-lhes apelidos e contando mentiras até que eles saiam de seu caminho.

Trump inaugurou essa estratégia com John McCain — um militar veterano, que não cedeu em mais de cinco anos como prisioneiro no Vietnã do Norte, um homem de caráter verdadeiro. Vocês se lembram o que Trump disse a respeito de McCain em uma conferência de liderança familiar, em Ames, Iowa, em 18 de julho de 2015?

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Quando McCain concorreu à presidência, “Eu o apoiei”, disse Trump à plateia. “Ele perdeu. Ele nos decepcionou. Mas perdeu. Então eu nunca mais voltei a gostar tanto dele depois disso, porque não gosto de perdedores.” Quando a plateia deu risada, o especialista em pesquisas Frank Luntz, que moderava a conferência, intercedeu, “Mas ele é um herói de guerra!”.

Trump — que conseguiu uma duvidosa dispensa médica para evitar a convocação para lutar na Guerra do Vietnã — então respondeu: “Ele não é herói de guerra. Ele é herói de guerra porque foi capturado. Eu gosto de pessoas que não foram capturadas”. Posteriormente aquele dia, Trump retuitou um post intitulado, “Donald Trump: John McCain é ‘um perdedor’”.

Portanto, parte da maneira pela qual Trump tenta destroçar nosso sistema é redefinindo as qualidades de um líder — pelo menos no Partido Republicano. Um líder não é alguém como Liz Cheney ou Mitt Romney, pessoas prontas para colocar em risco suas carreiras para defender a verdade, servir ao país e honrar a Constituição. Não, um líder é alguém como ele, alguém disposto a vencer a qualquer custo — em detrimento do país, da Constituição e do exemplo que devemos dar aos nossos filhos e aliados.

E quando sua definição de liderança e vitória é essa, pessoas de caráter, como McCain, Cheney e Romney, atrapalham seu caminho. Você precisa despir de caráter todos em sua volta e trabalhar apenas para garantir poder e dinheiro. É por este motivo que tanta gente que orbitou Trump desde 2015 saiu queimada. E é por isso que eu sei que todas as perguntas que fiz anteriormente são retóricas.

Walt Nauta, à esquerda, pega um telefone do ex-presidente americano Donald Trump durante o LIV Golf Pro-Am no Trump National Golf Club Foto: Alex Brandon / AP

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A segunda maneira pela qual Trump tenta destroçar nosso sistema foi escancarada na terça-feira, em Miami, onde, em seguida à sua apresentação como réu em um tribunal federal, ele partiu diretamente para um encontro político em um restaurante cubano. Por lá, mais uma vez Trump tentou desacreditar as regras do jogo que o conteriam e limitariam seu voraz apetite pelo poder puro e simples.

Como Trump faz isso? Primeiro, ele faz todos em seu entorno — e, por fim, a vasta maioria em seu partido — parar de insistir que ele respeite normas éticas. Parentes e colegas de partido se acostumaram a correr dos microfones dos repórteres depois de cada disparate de Trump.

Mas precisamente porque aliados políticos cruciais, líderes religiosos e parentes próximos não cobram Trump por suas transgressões morais e jurídicas — o que tornaria impensável sua candidatura em 2024 e apressaria sua partida da cena política — nós temos de confiar apenas nos tribunais para defender as regras do jogo.

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Esta imagem divulgada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos mostra diversos documentos confidenciais do governo americano instalados no banheiro da residência do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump em Mar-a-lago, Palm Beach  Foto: Departamento de Justiça dos Estados Unidos / AFP

E quando isso acontece, uma pressão tremenda recai sobre o nosso Judiciário e até sobre a própria democracia do nosso país, porque a decisão de levar um processo adiante é sempre um arbítrio. E quando essas decisões têm ocasionalmente de ser proferidas por juízes ou promotores indicados por democratas — pois nosso sistema funciona assim — isso dá a Trump e seu rebanho a abertura perfeita para denunciar todo o sistema como uma “caça às bruxas”.

E quando esse tipo de comportamento ocorre consecutivamente e com ampla exposição — porque Trump não para em nenhum sinal vermelho e segue nos desafiando a ignorar suas transgressões ou indiciá-lo para que ele possa alegar perseguição — os dois pilares mais importantes do nosso sistema democrático acabam se erodindo: a convicção na independência do nosso Judiciário, garantindo que ninguém esteja acima da lei, e na nossa capacidade de transferir o poder pacificamente e legitimamente.

Apoiadores do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump participam de comício em apoio ao político  Foto: Alex Brandon/ AP

Considerem apenas o seguinte aspecto do indiciamento de Trump: ele ocorre após um tribunal do júri federal ter intimado o ex-presidente, em maio de 2022, a entregar todos os documentos secretos em sua posse. Anotações escritas por seu próprio advogado, Evan Corcoran, citam Trump afirmando, “Eu não quero ninguém bisbilhotando minhas caixas, realmente não quero. (…) O que acontece se simplesmente não respondermos de nenhuma maneira ou não entrarmos no jogo deles? Não seria melhor se simplesmente disséssemos a eles que não temos nada aqui?”.

“Não seria melhor se simplesmente disséssemos a eles que não temos nada aqui?”

Melhor para quem, exatamente? Para um único homem. E eu repito por quê: Trump não nos colocou nesta situação por acidente; ele quer realmente destroçar nosso sistema, porque ele e pessoas como ele só prosperam em sistemas destroçados.

Então ele continua pressionando cada vez mais nosso sistema até seu ponto de ruptura — onde as regras são para os otários; as normas, para os idiotas; as verdades básicas são maleáveis; e homens e mulheres de bom caráter são banidos.

É exatamente isso que pretensos ditadores tentam fazer: inundar o ambiente de mentiras, para que as pessoas confiem somente neles e a verdade seja somente o que eles dizem ser. É impossível exagerar o grau do perigo que este momento representa para o nosso país. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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