Trump reclama da campanha enquanto assessores tentam se concentrar no ataque a Harris

Candidatura democrata ganhou impulso em momento que derrota de ex-presidente parecia improvável

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Por Josh Dawsey (The Washington Post) e Michael Scherer (The Washington Post)

A candidatura à presidência de Donald Trump parecia totalmente destinada à vitória semanas atrás.

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Ele se ergueu desafiador da bala de raspão que o atingiu na tentativa de assassinato levantando o punho em riste, contando com o apoio de um partido unificado e uma crescente vantagem nas pesquisas, dissolvendo indiciamentos criminais e com um oponente em dificuldades, o presidente Joe Biden, enfrentando uma revolta completa em seu partido. Trump zombou da ideia da vice-presidente Kamala Harris tornar-se a nova indicada democrata, classificando-a como “patética”.

Quando os integrantes da campanha republicana e seus aliados se reuniram na convenção do partido, em Milwaukee, alguns discutiram privadamente quais cargos no governo certas pessoas desejavam — prevendo uma vitória de lavada na eleição. Houve conversas sobre gastar dinheiro em Estados onde os republicanos não ganham há décadas.

“Na convenção estava tudo resolvido, e os democratas perceberam isso”, afirmou Richard Porter, do Comitê Nacional Republicano em Illinois. “Parecia bom demais para ser verdade — e era. Foi impressionante a rapidez com que eles se uniram em torno de outro candidato.”

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Imagem mostra candidato presidencial Donald Trump durante uma entrevista coletiva em Mar-a-Lago, em 8 de agosto. Eleições americanas se acirraram após candidatura de Kamala Harris Foto: Alex Brandon/AP

Trump agora se encontra em uma disputa apertadíssima e diante de novos sinais de pressão em sua órbita. Em face ao impulso democrata, o ex-presidente tem se mostrado cada vez mais irritado a respeito do crescimento de Harris nas pesquisas e da cobertura dos meios de imprensa desde que ela substitui o Biden como cabeça de chapa, reclamando incessantemente e perguntando aos amigos suas opiniões sobre o desempenho de sua campanha, de acordo com cinco fontes próximas à equipe de Trump que falaram sob condição de anonimato para discutir conversas privadas.

“É injusto eu ter derrotado ele e agora ter de derrotá-la também”, disse o ex-presidente a um aliado durante um telefonema, no fim de semana passado.

Os aliados não apontaram culpados para justificar vários eventos que aparentemente saíram dos trilhos. Amigos, sócios de Mar-a-Lago e doadores transmitiram suas preocupações a Trump, que por sua vez as comunicou para outras pessoas, de acordo com três fontes próximas ao ex-presidente. Aliados de Trump no Senado americano e outros apoiadores estão tentando fazer Trump colocar foco em atacar Harris.

“Muitas coisas boas aconteceram para nós em uma sequência que era insustentável, e encontramos alguns obstáculos”, disse em entrevista o senador Lindsey Graham (republicano da Carolina do Sul), aliado de Trump. “Houve um momento difícil.”

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Trump e Harris asseguraram oficialmente as indicações de seus partidos para a disputa presidencial. Trump escolheu como vice o senador JD Vance (republicano de Ohio); e Harris, o governador de Minnesota, Tim Walz.

A campanha de Trump, de sua parte, segue confiando em uma vitória convincente de Trump em novembro, com assessores afirmando que não deram como certa a vantagem em julho nem baixaram a guarda. O ex-presidente segue à frente da candidatura democrata ou empatado na maioria dos Estados indefinidos e continua a atrair grandes multidões, com o montante de financiamento quase equivalendo à operação democrata.

“A campanha de Trump nunca deu nada como certo. Nós sempre lutamos como se estivéssemos atrás”, afirmou Steven Cheung, porta-voz de Trump, em um comunicado. “Isso foi especialmente verdadeiro após a tentativa de assassinato do (ex-)presidente Trump anterior à Convenção. Nossa única função é ajudar o (ex-)presidente Trump vencer a eleição, e vamos brecar com toda força a chapa perigosamente progressista de Kamala e Walz.”

Mas, pela primeira vez desde que Trump estabeleceu sua dominância na disputa pela indicação do Partido Republicano, sua campanha encontrou-se publicamente em dificuldades para administrar o fluxo diário de notícias, enquanto a animação em torno de Harris aumentou juntamente com suas atividades de campanha. Isso deixou pessoas próximas à campanha imaginando por que Trump e sua equipe pareciam mal preparados, já que vinham especulando privadamente a respeito da possibilidade de Harris ser a indicada democrata desde o desastroso desempenho de Biden no debate de 27 de junho.

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Fontes familiarizadas com os trabalhos internos da campanha de Trump afirmam que não há nenhum pânico entre a equipe — nem brigas dramáticas entre conselheiros graduados nos dias recentes, ao contrário do que ocorreu em campanhas anteriores do ex-presidente quando as coisas foram mal.

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“O que aconteceu nas últimas duas semanas é que a campanha virou uma disputa de verdade. É uma campanha real para a presidência. A versão Biden-Trump tinha um evento por semana de cada candidato, muito raramente consecutivo, e não havia tanto engajamento real”, afirmou o estrategista republicano Kevin Madden, que trabalhou na equipe de Mitt Romney durante a campanha presidencial de 2012. “Agora vai ser uma daquelas campanhas em que estratégias, recursos e tempo importam. E não há muito espaço para o erro.”

Fontes familiarizadas com os trabalhos internos da campanha de Trump afirmam que não há nenhum pânico entre a equipe — nem brigas dramáticas entre conselheiros graduados nos dias recentes, ao contrário do que ocorreu em campanhas anteriores do ex-presidente quando as coisas foram mal. Os membros da equipe têm se reunido no comitê da campanha para discutir pesquisas, gastos e eventos futuros.

Cheung desconsiderou os questionamentos de aliados e assessores de Trump a respeito da eficácia da campanha, afirmando que são oriundos de “fontes não identificadas que não têm ideia sobre o que estão falando e não fazem outra coisa a não ser ajudar os democratas”.

“Nós sempre prosperamos sob pressão porque seguimos as instruções do (ex-)presidente Trump”, afirmou Cheung. “Sob sua liderança, nós continuamos a provar que todos estão errados. Qualquer um de fora que continue a reclamar simplesmente não foi testado em batalha nem atravessou a adversidade que nós atravessamos e saímos por cima.”

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Mas não há dúvida de que algumas das grandes vantagens de Trump desvaneceram.

A vantagem em arrecadação de recursos para a campanha que Trump possuía foi superada pelo aumento para US$ 310 milhões na arrecadação democrata após Harris assumir a chapa, em julho — cerca de US$ 170 milhões a mais do que o candidato republicano havia anunciado para aquele mesmo mês. A campanha muito maior de Harris parece agora posicionada para tirar vantagem de uma nova energia que emana das bases, incluindo mais de 1,3 milhão de eleitores que se inscreveram para comparecer a eventos de campanha desde que ela entrou na disputa presidencial.

Imagem do dia 7 mostra candidata democrata Kamala Harris e seu vice Tim Walz. Chapa surgiu após desistência de Joe Biden por pressão partidária Foto: Kerem Yücel/AP

Apesar de crescer nas pesquisas com a veiculação de seus primeiros anúncios na TV da campanha para a eleição geral, os democratas ainda estão gastando mais do que Trump e seus aliados nos Estados indefinidos. Nos cinco primeiros dias de agosto, Trump e seus aliados gastaram cerca de US$ 16,5 milhões em publicidade, de acordo com a AdImpact, em comparação a aproximadamente US$ 23 milhões gastos por Biden, Harris e seus aliados. Do início de março até o começo de agosto, o lado de Biden gastou US$ 309 milhões, contra US$ 110 milhões do lado de Trump, segundo a empresa de monitoramento publicitário.

Ainda que venha afirmando repetidamente que as autoridades do Partido Republicano só precisam colocar foco na integridade das eleições, Trump começou a ouvir de aliados externos que sua campanha não tem presença significativa em importantes Estados indefinidos. E ficou incomodado com parte do foco da mídia sobre seus assessores, sugerindo para outras pessoas que seus conselheiros recebem muito crédito. Alguns conselheiros lhe pediram que gaste mais em publicidade digital, afirmando que ele está sendo massacrado online.

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Os democratas e alguns indivíduos na órbita de Trump têm tentado chamar a atenção para posts em redes sociais de conselheiros e aliados do ex-presidente que, segundo eles, revelam medo ou transmitem mensagens ruins, ao mesmo tempo que tentam incitar divisões de outra maneiras. A campanha de Harris circulou posts e comunicados à imprensa a respeito da equipe de Trump, da escolha do senador JD Vance (Ohio) como seu colega de chapa e sobre tamanhos de plateias e outros tópicos que, dizem eles, irritarão o ex-presidente e farão com que ele faça delcarações controvertidas.

“É fácil pensar como Donald Trump”, escreveu um assessor de Harris, sugerindo uma reportagem sobre o tamanhos das plateias em comícios agora que a democrata atrai multidões tão grandes quanto ou maiores que as presentes nos eventos de Trump.

Harris, enquanto isso, tem viajado mais para fazer campanha do que Trump, que nesta semana está arrecadando recursos na Flórida. Desde o debate de 27 de junho, o ex-presidente participou de oito comícios de campanha, além da convenção que o nomeou candidato, incluindo eventos em Minnesota, Flórida e Virgínia — todos fora do mapa dos Estados indefinidos.

Imagem mostra vice-presidente Kamala Harris, candidata à presidência pelo Pratido Democrata, em evento na Filadélfia, Pensilvânia Foto: Brendan Smialowski/AFP

Harris visitará seis Estados nesta semana. Além de entrevistas, o único evento que Trump tem na agenda é um comício em Montana, um Estado em que sua vitória por uma margem de dois dígitos é quase certa. Os democratas se questionam a respeito do estado da máquina eleitoral de Trump, e conselheiros do ex-presidente observam que ele está em campanha há 21 meses.

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“Entre todas as semanas que ele tem de conter o impulso de Kamala Harris, poderíamos esperar que ele fosse muito agressivo nesta”, afirmou o estrategista democrata Simon Rosenberg.

Trump começou a perguntar para amigos e aliados como sua equipe de campanha está se saindo — uma pergunta que, dizem alguns, poderia ocasionar mudanças no time, mas o ex-presidente não disse estar planejando isso e expressou apoio a assessores de sua campanha nos dias recentes, afirmou uma fonte próxima. Trump tem perguntado por que Harris está arrecadando tanto a mais do que ele, afirmaram fontes familiarizadas com os comentários. E também tem mencionado repetidamente as grandes multidões que Harris está reunindo em comparação a Biden, segundo fontes que conversaram com o ex-presidente.

Alguns conselheiros de Trump ficaram alarmados na semana passada, quando Kellyanne Conway chegou ao seu resort de golfe em Bedminster, Nova Jersey, para uma reunião e fez um post no X sobre o encontro. Conway, que foi chefe da campanha vitoriosa de Trump em 2016, mantém uma relação antiga com o ex-presidente e tem questionado algumas das decisões da campanha — mas não especificou nenhuma mudança de pessoal que em sua opinião Trump deveria fazer, de acordo com fontes que conversaram com ela.

“O arranque da Kamala foi consequência direta da queda de Biden”, afirmou Conway em entrevista. “Não havia como a sucessora dele não aumentar a arrecadação e o entusiasmo. Mas Trump continua o favorito. O mapa eleitoral e os fundamentos subjacentes o favorecem.”

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Candidato republicano e ex-presidente Donald Trump durante entrevista coletiva em Mar-a-Lago, em imagem do dia 8 Foto: Alex Brandon/AP

Quando aceitou a indicação do Partido Republicano para disputar a presidência na convenção, em seu primeiro discurso desde o atentado a tiros, os conselheiros de Trump quiseram que ele pronunciasse uma fala sóbria e esperançosa a respeito do futuro. Ele começou contando uma história emocional sobre a tentativa de assassinato, mas abandonou o texto no teleprompter dúzias de vezes, delongando o discurso “para além do ponto em que era produtivo”, afirmou um autoridade da campanha. Enquanto os leais espectadores deixavam a arena, era possível escutar murmúrios sobre a duração do discurso. Várias fontes próximas a Trump descreveram o evento como uma oportunidade perdida.

Dentro de sua campanha, frustrações sobre alguns comentários dele e de outros têm circulado, afirmam fontes próximas ao ex-presidente. Quando compareceu a um evento da Associação Nacional de Jornalistas Negros, em Chicago, Trump deu declarações não planejadas sugerindo que Harris não é realmente negra.

“Eu só soube que ela era negra alguns anos atrás, quando ela virou negra — e agora quer ser conhecida como negra. Portanto, eu não sei. Ela é indiana ou negra?”, afirmou Trump falsamente.

Enquanto a campanha de Trump buscou defender seus comentários, o ex-presidente ficou frustrado com o evento. Ele não sabia que Harris não apareceria, que as jornalistas formulariam perguntas tão contundentes e que haveria um componente de checagem de informações no evento, afirmou uma fonte que conversou com ele sobre o assunto.

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A equipe de Trump tem buscado atacar Harris em relação a políticas ao mesmo tempo classificando-a como incapaz. A campanha republicana tem circulado argumentos sobre números crescentes de imigrantes indocumentados atravessando a fronteira sul, a inflação que aumentou enquanto ela era vice-presidente, seu histórico político na Califórnia e seus comentários em apoio a certas posições progressistas no passado, como em defesa de um New Deal ambiental.

Em seu comício em Atlanta, no fim de semana, Trump saiu totalmente do roteiro para atacar Brian Kemp, o popular governador da Geórgia que se recusou a tentar reverter o resultado da eleição de 2020 em seu favor. Trump passou grande parte de sua fala criticando Kemp, que anteriormente tinha considerado aparecer ao lado do ex-presidente neste outono (Hemisfério Norte). Nos dias que se seguiram, a equipe de Kemp não ouviu nenhum pio da campanha de Trump, mesmo enquanto alguns conselheiros externos buscavam uma trégua.

O apresentador de rádio Erick Erickson, um conservador da Geórgia, afirmou que foi inundado por telefonemas de eleitores dos subúrbios enfurecidos com os ataques de Trump contra Kemp. Erickson disse ainda acreditar que Trump provavelmente vencerá na Geórgia.

“Os ataques a Kemp apenas lembram as pessoas por que elas não gostam de Trump”, afirmou Erickson. “Ele faz a coisa ficar mais apertada do que deveria. Esse é o problema. Kemp não fará campanha para ele, mas poderia fazer.”

Cheung, o porta-voz de Trump, desconsiderou preocupações expressadas por aliados sobre a campanha e suas mensagens. “Nossa disciplina na mensagem é inigualável”, afirmou ele. “É por isso que o (ex-)presidente Trump conseguiu arrasar com Joe Biden no debate, é por isso que temos sido tão bem-sucedidos até aqui, e será por isso que o (ex-)presidente Trump vencerá a eleição.”

“Os ataques a Kemp apenas lembram as pessoas por que elas não gostam de Trump”

Erick Erickson, conservador da Geórgia

Várias fontes próximas à campanha afirmaram que existe um esforço em andamento para fazer Trump colocar o foco em atacar Harris e os democratas. Trump figurou com uma vantagem de 2 pontos porcentuais sobre Biden em uma média entre pesquisas nacionais elaborada pelo Washington Post em julho, antes do presidente abandonar a disputa. Harris tem aparecido com 4 pontos a mais que Biden nas médias das pesquisas nacionais calculadas pelo Post desde então, o que lhe confere uma vantagem de 1 ponto sobre Trump.

“Trump é realmente o favorito”, afirmou Graham. “Espero que ele coloque mais foco em atacá-la. Acho que ele ficou frustrado originalmente, mas nos últimos dois dias nós tivemos boas conversas, e acho que o vento sopra ao nosso favor.”

Um post publicado por Trump na tarde da terça-feira em sua rede social, Truth Social, que incluiu uma série de apelidos, mentiras e acusações falsas, sugeriu que ele ainda está furioso.

“Quais são as chances do Bandido Joe Biden, o PIOR presidente na história dos EUA, cuja presidência foi Inconstitucionalmente ROUBADA dele por Kamabla, Barrack HUSSEIN Obama, Nancy Pelosi, a Louca, Adam Schiff, o Desonesto, Chuck Schumer, o Chorão e outros membros da Esquerda Lunática, ENTRAR DE PENETRA na Convenção Nacional Democrata e tentar tomar de volta a Indicação, começando por me desafiar para outro DEBATE”, afirma o post. “Ele percebe que cometeu um erro historicamente trágico ao entregar a presidência dos EUA, um GOLPE, às pessoas no mundo que ele mais odeia, e ele a quer de volta, AGORA!!!” /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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