A denúncia formal de Donald Trump por tentar fraudar as eleições de 2020 e as reações do ex-presidente dão a dimensão dos riscos envolvidos na mentira e no desafio às instituições. Para mitigar o dano da derrota eleitoral e se manter competitivo politicamente, Trump se engaja em colocar seus seguidores contra o sistema de Justiça americano.
“Todo o nosso país está contando com você naquele que é certamente o capítulo mais sombrio da história de nossa nação em nossa batalha final para restaurar o poder aos cidadãos”, apelou e-mail de arrecadação de doações da campanha de Trump na quinta-feira, 3, dia de sua apresentação à Justiça.
“Precisamos provar quantos patriotas estão dispostos a defender pacificamente nosso movimento e salvar nossa República — mesmo quando o Departamento de Justiça de (Joe) Biden tenta prender o presidente Trump por toda a vida como um homem inocente.”
Desde que se lançou à política, em 2015, Trump tem se apresentado como o defensor do cidadão comum contra suposta conspiração de uma elite que lhe rouba os impostos, os empregos, o direito de ir e vir durante a pandemia, de portar armas; que permite o aborto, que doutrina as crianças em favor de homossexuais e negros, que não defende os interesses nacionais e que tenta se perpetuar no poder corrompendo o sistema eleitoral e a Justiça.
Para isso, Trump converteu seus adversários políticos em inimigos da nação. E não restringiu os ataques aos democratas, mas também aos epidemiologistas, aos ativistas dos direitos humanos, à mídia, ao FBI (cujos diretores sempre foram republicanos), juízes e procuradores.
A mentira é socialmente aceita no mundo da política. A 1.ª Emenda da Constituição americana protege o direito de expressão de maneira geral. Esse direito se aplica ao presidente de forma ilimitada. Não é crime o presidente mentir. Como fica claro na denúncia de 45 páginas, o crime de que Trump é acusado não é a mentira, mas a utilização que ele fez dela, e de seu cargo, para tentar continuar no poder sabendo que fora derrotado nas urnas.
Os crimes de conspirar para defraudar o governo americano e os direitos dos cidadãos são passíveis de décadas na prisão. Para escapar dessa punição, Trump reincide: reafirma a tese da fraude eleitoral e ataca a Justiça.
A juíza do caso, Tanya Chutkan, nomeada pelo governo democrata de Barack Obama e Joe Biden, deve definir no dia 28 a data do início do julgamento. Um veredicto do júri popular antes da eleição de 5 de novembro do ano que vem pode ser decisivo.
A pesquisa Reuters/Ipsos divulgada na sexta-feira, 4, indica que 45% dos republicanos não votariam em Trump se ele fosse condenado; 35% votariam e 20% não sabem. Seria fatal para a candidatura Trump.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.