A Ucrânia está começando a retroceder em seu plano de fazer com que cadetes mulheres usem saltos altos durante um desfile militar, após uma onda de críticas e protestos tomar conta do país, incluindo exigências para que o ministro da Defesa use o mesmo tipo de calçado.
A polêmica começou na semana passada, quando o Ministério da Defesa da Ucrânia divulgou fotos mostrando as cadetes treinando para o desfile do dia 24 de agosto, dia da independência ucraniana, em calças camufladas e sapatos pretos com salto alto.
As fotos provocaram uma rápida reação nas redes sociais, com críticos - incluindo legisladoras ucranianas - acusando os militares de sexismo e de mentalidade "medieval".
"É difícil imaginar uma ideia mais idiota e prejudicial", disse a parlamentar oposicionista Inna Sovsun em um post no Facebook alertando que marchar de salto sacrificava a saúde das mulheres por causa do estereótipo delas como "lindas bonecas".
O furor culminou na sexta-feira, 2, quando legisladoras trouxeram sapatos de salto alto para o parlamento e os colocaram na frente do ministro da Defesa, Andriy Taran. Uma congressista sugeriu que Taran usasse sapatos femininos durante o desfile do mês que vem, marcando os 30 anos de independência.
Até membros do gabinete aderiram às críticas.
"O objetivo de qualquer parada militar é demonstrar a capacidade militar do exército. Não deve haver espaço para estereótipos e sexismo ", disse uma declaração conjunta de três membros do gabinete, incluindo a ministra de Assuntos dos Veteranos, Yulia Laputina, informou a Associated Press.
O Ministério da Defesa não quis comentar. Mas, em um comunicado postado na manhã de sexta-feira no Facebook, disse que os saltos faziam parte dos regulamentos dos uniformes de gala em vigor desde 2017. A postagem também apresentava fotos de mulheres de outros países - incluindo o que parecia ser os Estados Unidos - usando saltos durante eventos militares. Todos os soldados ucranianos de diferentes sexos usam botas durante o combate.
Mas a postura do governo pareceu suavizar no sábado, depois que Taran falou com as cadetes e o ministério divulgou um comunicado reconhecendo que os saltos eram inconvenientes.
Taran disse a cadetes em um instituto militar em Kiev que tentaria fornecer calçados "melhorados e ergonômicos" "no menor tempo possível", embora não estivesse claro se isso seria antes do desfile do próximo mês. Ele acrescentou que os oficiais da defesa examinariam a melhoria da qualidade das roupas íntimas e uniformes das mulheres nas forças armadas.
O ministro da Defesa disse ainda que, se o julgamento do calçado "experimental" correr bem, poderá ser entregue a todas as mulheres militares.
As mulheres têm desempenhado papéis cada vez mais proeminentes nas forças armadas ucranianas, especialmente no conflito em curso do país com separatistas pró-russos no leste da Ucrânia.
Kiev começou a permitir que mulheres servissem em unidades de combate depois que a Rússia anexou a Península da Crimeia em 2014. As mulheres agora representam mais de 15% das forças armadas do país, uma taxa duas vezes maior do que quando os combates começaram há sete anos, disseram militares ucranianos recentemente. Mais de 13.000 mulheres receberam o status de combatentes no conflito.
Em sua declaração, os três ministros disseram que as mulheres soldados "provaram seu valor não com saltos, mas com metralhadoras".
Mas, mesmo com mais mulheres ingressando nas forças armadas da Ucrânia, os críticos dizem que o país tem demorado a fornecer equipamentos adequados.
Um relatório de 2016 sobre igualdade de gênero na Ucrânia descobriu que as mulheres soldados do país muitas vezes "lutam vestindo uniformes masculinos, sapatos masculinos, que muitas vezes são desconfortáveis e no tamanho errado". O estudo, que pesquisou mulheres soldados, descobriu que os estereótipos de gênero ainda eram comuns.
A Ucrânia, que afirma que sua porcentagem de mulheres nas forças armadas está entre as mais altas do mundo, não é o único país a lutar para se adaptar a militares mais inclusivos. Os Estados Unidos começaram a distribuir coletes à prova de balas projetados especificamente para soldados do sexo feminino em 2020, cinco anos depois de abrir todas as posições de combate para mulheres.
Maria Berlinska, uma ativista ucraniana envolvida na produção do relatório de 2016, disse que a indignação com as fotos das cadetes de salto foi uma "reação saudável".
Mulheres marchando de salto podem "encantar" os comandantes militares nas arquibancadas, escreveu ela no Facebook, mas as mulheres soldados morriam da mesma forma que seus colegas homens: na frente de batalha, com botas de combate.
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