Ucrânia enfrenta ‘quadro sombrio’, diz general: ‘Rússia lança sete bombas a cada três minutos’

General responsável pelo combate na linha de frente em Kharkiv diz que ‘a situação está no limite” com avanço das tropas russas: ‘a cada hora a situação se torna mais crítica’

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Por Constant Méheut (The New York Times), Maria Varenikova (The New York Times) e Michael Schwirtz (The New York Times)

AVDIIVKA - Os militares da Ucrânia se veem diante de uma situação “crítica” no nordeste do país, enfrentando escassez de tropas enquanto tentam repelir uma ofensiva da Rússia que avança há vários dias, disse um importante general ucraniano.

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As tropas russas cruzaram a fronteira na semana passada para abrir uma nova linha de ataque perto de Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia depois de Kiev, capturando pelo menos nove povoados e aldeias e forçando milhares de civis a fugir.

“A situação está no limite”, disse o general Kirilo Budanov, chefe da agência de inteligência militar da Ucrânia, em uma videochamada a partir de um bunker em Kharkiv. “A cada hora a situação se torna mais crítica.”

A avaliação sombria ecoou a de outros oficiais ucranianos nos últimos dias, indicando que as perspectivas militares do país estavam piorando. Além de estarem em menor número, os ucranianos enfrentam uma escassez crítica de armas, especialmente munições de artilharia, e os US$ 60,8 bilhões em armas dos Estados Unidos, aprovadas há três semanas após meses de impasse no Congresso, mal começaram a chegar.

O chefe da inteligência da Ucrânia, Kirilo budanov, em seu escritório em Kiev: 'situação crítica' com ofensiva russa no nordeste ucraniana  Foto: Laura Boushnak/The New York Times

Tal como a maioria das autoridades e especialistas militares ucranianos, o general Budanov disse acreditar que os ataques russos no nordeste têm como objetivo desgastar as já escassas reservas de soldados da Ucrânia e desviá-los dos combates em outros locais.

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É exatamente isso que está acontecendo agora, reconheceu o general. Ele disse que o exército ucraniano estava tentando redirecionar tropas de outras áreas da linha de frente para reforçar suas defesas no nordeste, mas que tinha sido difícil encontrar pessoal.

“Todas as nossas forças estão aqui ou em Chasiv Yar”, disse ele, referindo-se a uma fortaleza ucraniana cerca de 190 quilômetros mais ao sul, que as tropas russas atacaram nas últimas semanas. “Eu usei tudo que temos. Infelizmente, não temos mais ninguém nas reservas.”

O general Budanov avaliou que as forças ucranianas seriam capazes de reforçar suas linhas e estabilizar a frente nos próximos dias. Mas ele espera que a Rússia lance um novo ataque mais ao norte de Kharkiv, na região de Sumi.

Os combates de segunda feira ocorreram nos arredores de Vovchansk, uma pequena cidade a cerca de oito quilômetros da fronteira entre Ucrânia e Rússia, a nordeste de Kharkiv. Os ataques aéreos russos estavam atingindo a cidade, de acordo com Denis Iaroslavski, um tenente sênior que comanda uma unidade combatendo atualmente ali.

“Eles estão lançando de cinco a sete bombas a cada três minutos”, disse o tenente Iaroslavski em entrevista por telefone na manhã de segunda feira.

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Paramédicos da 59ª Brigada de Infantaria Motorizada Separada do Exército ucraniano retiram soldados feridos em batalhas na linha de frente da região de Donetsk, em 4 de maio de 2024 Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Antes da guerra, Vovchansk tinha uma população de cerca de 17 mil pessoas, e as autoridades locais têm lutado para tirar da cidade os cerca de 200 a 300 residentes restantes. Hrihorii Shcherban, um voluntário que esteve em Vovchansk na manhã de segunda feira, disse ter recebido mais de 200 pedidos de retirada de civis durante a noite.

“Estamos dirigindo pelas ruas tentando encontrar os endereços. A Rússia está bombardeando o caminho de saída”, disse ele. “Podemos ouvir explosões o tempo todo.”

O avanço sobre Vovchansk seguiu-se a semanas de avisos de autoridades ucranianas de que a Rússia estava concentrando forças na fronteira com o objetivo de lançar uma nova ofensiva no nordeste. Esses avisos se tornaram realidade na manhã de sexta feira, quando as tropas russas cruzaram a fronteira ao longo de duas linhas principais, uma imediatamente a norte de Kharkiv e a outra cerca de 20 quilômetros ao leste, em torno de Vovchansk.

Padre Ivan, junto com a Igreja Ortodoxa da Ucrânia, abençoou os soldados da 72ª Brigada Mecanizada, perto de Vuhledar Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Até agora, as forças russas conseguiram avançar cerca de oito quilômetros para dentro do território ucraniano e tomar cerca de 130 quilômetros quadrados de terra, de acordo com mapas online do campo de batalha publicados pelo Institute for the Study of War, um centro de estudos estratégicos com sede em Washington.

“No momento, o inimigo está obtendo sucesso tático”, reconheceu o Estado-Maior da Ucrânia em um comunicado na manhã de segunda feira. No fim do dia acrescentou-se que as forças russas se aproximaram de outro povoado, Lukiantsi.

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Em um possível sinal das dificuldades da Ucrânia no campo de batalha, o comandante ucraniano responsável pela frente nordeste foi demitido e substituído na segunda feira, de acordo com o presidente Volodimir Zelenski.

Especialistas militares e autoridades ucranianas dizem que, até agora, as tropas russas avançaram principalmente através de território pouco defendido e em grande parte despovoado, explicando o progresso relativamente rápido. A fronteira no nordeste da Ucrânia tem sido alvo de bombardeios russos regulares durante a guerra, observam eles, o que dificultou o estabelecimento de posições fortificadas e levou muitos civis a fugir.

A 95ª Brigada de Assalto Aéreo Separada dispara um obus D-30 de 122 mm contra um alvo russo na direção de Kreminna, no leste da Ucrânia Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Ainda assim, as forças russas estão se aproximando de áreas mais povoadas, e a luta pode se intensificar. As autoridades locais já retiraram cerca de 6.000 pessoas desde sexta feira, segundo Oleh Siniehubov, chefe da administração militar da região de Kharkiv.

“É um inferno lá”, disse Tetiana Poliakova, que foi retirada de Vovchansk durante a noite de sexta para sábado, descrevendo o bombardeio implacável da cidade. “Acredite, já vi de tudo depois de morar em Vovchansk, desde o início da guerra. Eu vi o bombardeio da artilharia. Eu vi de tudo, mas nunca vi isso.”

A linha da frente na região está avançando rapidamente, deixando muitos povoados naquilo que as autoridades ucranianas chamaram de “zona cinzenta” – as áreas contestadas entre as posições ucranianas e russas.

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Civis ucranianos disseram na segunda feira que os combates eclodiram perto de Liptsi, uma vila ao norte de Kharkiv, sugerindo que as forças russas podem ter avançado para até 16 quilômetros da cidade.

“Estávamos correndo o mais que podíamos, pois dava para ouvir os disparos de armas leves ali”, disse Kristina Gavran, 32 anos, recuperando o fôlego em Kharkiv após uma missão de retirada para Liptsi. Ela estimou que menos de 100 pessoas permaneciam na aldeia, que antes da guerra tinha uma população de 4.000 habitantes.

Paramédicos da 59ª Brigada de Infantaria Motorizada Separada tratando de soldados feridos em batalhas travadas na linha de frente da região de Donetsk Foto: Tyler Hicks/The New York Times

O general Budanov disse que o objetivo dos russos no nordeste era semear o pânico e a confusão na região. “No momento, nossa tarefa é estabilizar a linha de frente e depois começar a empurrá-los de volta para o outro lado da fronteira”, disse ele, acrescentando que um influxo de reservas ucranianas conseguiu “perturbar parcialmente os planos russos”.

Resta saber se essas movimentações de tropas irão enfraquecer as defesas da Ucrânia em outras partes da linha da frente.

O principal objetivo da Rússia, segundo Franz-Stefan Gady, analista militar baseado em Viena, é afastar as forças de Chasiv Yar, cidade situada em um terreno estratégico mais elevado onde os ucranianos lutaram durante semanas para impedir um ataque russo. Ela é fundamental para defender a parte controlada pela Ucrânia da região sudeste de Donbass, que a Rússia espera capturar.

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Pasi Paroinen, analista do Black Bird Group, uma organização com sede na Finlândia que analisa imagens de satélite e conteúdo de redes sociais do campo de batalha, disse que a Ucrânia enviou reforços para o nordeste vindos de unidades que lutaram recentemente em Chasiv Yar, como a 92ª Brigada de Assalto.

Mas Paroinen observou que era possível que a Ucrânia tivesse retirado elementos da brigada que descansavam em Kharkiv, a guarnição local, em vez de esgotar as defesas de Chasiv Yar.

Um soldado da 95ª Brigada de Assalto Aéreo Separada em uma trincheira na região de Liman, no leste da Ucrânia Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Analistas militares dizem que a Rússia ainda não enviou um grande número de tropas para a ofensiva, provavelmente mobilizando apenas alguns milhares de soldados, e que muito dependerá da próxima jogada de Moscou.

Com os combates esquentando na região, é provável que o fogo transfronteiriço se intensifique. Autoridades russas disseram na segunda feira que o bombardeio ucraniano matou 19 civis na região de Belgorod, na Rússia, do outro lado da fronteira em relação a Kharkiv.

Em um episódio particularmente mortal, o Ministério da Defesa russo disse que fragmentos de um míssil ucraniano interceptado atingiram um prédio de apartamentos na região no domingo. Viacheslav Gladkov, governador de Belgorod, disse que 15 corpos foram encontrados nos escombros. As alegações não puderam ser verificadas de forma independente; autoridades ucranianas negaram ter disparado contra áreas residenciais.

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A 95ª Brigada de Assalto Aéreo Separada ultrapassando obstáculos piramidais antitanque “dentes de dragão”, após uma operação na direção de Kreminna, no leste da Ucrânia Foto: Tyler Hicks/The New York Times

O general Budanov disse esperar que os ataques na região de Kharkiv durem mais três ou quatro dias, após os quais as forças russas deverão fazer um forte avanço na direção de Sumi, uma cidade cerca de 145 quilômetros a noroeste de Kharkiv. Autoridades ucranianas disseram anteriormente que a Rússia havia concentrado tropas do outro lado da fronteira em relação a Sumi.

Pavlo Velicho, um oficial ucraniano que opera perto da fronteira russa na região de Sumi, disse que os bombardeios russos nos arredores de Sumi se intensificaram recentemente.

“Não tenho ideia se isso significa alguma coisa, porque esses lugares eram frequentemente bombardeados de toda forma”, disse Velicho. “Seja como for, estamos em plena prontidão para o combate.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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