THE NEW YORK TIMES. ODESSA - Essas gigantes captam o vento com seus braços enormes, ajudando a manter as luzes acesas na Ucrânia: as turbinas eólicas recém-instaladas nas planícies do Mar Negro.
Nos 15 meses da guerra, a Rússia lançou incontáveis mísseis e drones explosivos contra usinas de eletricidade, represas de usinas hidroelétricas e subestações de energia, na tentativa de apagar tantas luzes quanto conseguisse dentro da Ucrânia, em sua campanha para castigar o país até a submissão. A nova fazenda eólica de Tiligulska fica a poucas dezenas de quilômetros da artilharia russa, mas os ucranianos afirmam que suas instalações possuem uma vantagem crucial em relação à maior parte da rede de energia do país.
Um único míssil bem colocado é capaz de danificar uma usina de eletricidade com gravidade o suficiente para inutilizá-la, mas segundo as autoridades ucranianas, fazer o mesmo em um conjunto de aerogeradores, cada qual distante centenas de metros um do outro, exigiria centenas de mísseis. Uma fazenda eólica pode ser incapacitada temporariamente por um ataque contra subestações transformadoras ou linhas de transmissão, mas essas instalações são muito mais fáceis de consertar do que usinas de eletricidade.
“É nossa reação aos russos”, afirmou Maksim Timchenko, diretor-executivo do DTEK Group, a empresa que constrói as turbinas em Mikolaiv, no sul da Ucrânia, que abriga a primeira fase de um complexo projetado para se tornar a maior fazenda eólica do Leste Europeu. “É a forma mais lucrativa e, como todos sabemos, mais segura de energia.”
A Ucrânia tem em vigor leis destinadas a promover a transição para fontes renováveis desde 2014, tanto com o objetivo de reduzir a dependência das importações de energia da Rússia quanto porque é um ramo lucrativo de negócios. Mas essa transição ainda tem um longo caminho a percorrer, e a guerra turva suas perspectivas — assim como tudo mais em relação ao futuro ucraniano.
Em 2020, 12% da eletricidade consumida na Ucrânia vinha de fontes renováveis, aproximadamente metade da porcentagem em prática na União Europeia. Os planos para o projeto Tiligulska preveem 85 turbinas produzindo até 500 megawatts de eletricidade, o suficiente para abastecer 500 mil apartamentos — uma produção impressionante para uma fazenda eólica, mas equivalente a menos de 1% da capacidade de geração da Ucrânia antes da guerra.
Guerra externou necessidade de energia renovável
Após o Kremlin iniciar sua invasão em escala total à Ucrânia, em fevereiro de 2022, a necessidade por novas fontes de energia tornou-se premente. A Rússia bombardeou usinas de eletricidade ucranianas e cortou os envios de gás natural que abasteciam algumas delas.
As forças russas de ocupação tomaram grande parte da estrutura de produção e fornecimento de eletricidade no país, assegurando-se que a energia produzida por essa parte da rede não chegue a territórios ainda controlados pela Ucrânia. Os russos controlam o maior gerador ucraniano, de 5,7 mil megawatts, da Usina Nuclear de Zaporizhzhia, que foi danificada repetidamente na guerra e parou de transmitir eletricidade para a rede. Eles também controlam 90% das usinas de eletricidade gerada por fontes renováveis da Ucrânia, concentradas no sudeste do país.
Os planos de recuperação pós-guerra que a Ucrânia apresentou para a União Europeia — à qual Kiev deseja aderir — e outros apoiadores incluem um amplo compromisso com energia limpa. “A guerra nos acelerou”, afirmou Hanna Zamazeeva, diretora da agência de eficiência energética do governo ucraniano.
Mas especialistas em energia e economia afirmam que grande parte da sonhada transição verde terá de esperar a reconstrução começar e o retorno do investimento externo — e pode depender do sucesso ucraniano no campo de batalha.
“Desenvolver fontes renováveis, particularmente eólica e solar, depende da Ucrânia ser bem-sucedida em recapturar esses territórios” atualmente ocupados pela Rússia, afirmou o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em dezembro.
O potencial eólico da Ucrânia era evidente na cerimônia de abertura do projeto, este mês, quando rajadas de vento cálido atravessavam um campo de trigo crivado de enormes turbinas. Em meio às mesas cobertas de quitutes e toalhas de linho sacudindo ao vento, diplomatas e jornalistas reunidos no local tinham de ficar de costas para o vento para se proteger da poeira.
As turbinas de três hélices de Tiligulska, fabricadas pela empresa dinamarquesa Vestas, são gigantescas, rabiscando círculos com mais de 152 metros de diâmetro no ar. Cada aerogerador pesa cerca de 800 toneladas.
Saiba mais sobre a guerra na Ucrânia
A primeira turbina foi construída em fevereiro de 2022, mês em que a invasão começou, e então o DTEK Group congelou as obras. Em agosto, Evhenii Moroz, diretor de instalações da empresa, recebeu um telefonema de seu chefe, que lhe perguntava se ele seria capaz de retomar o trabalho sem prestadores de serviço internacionais, que tinham sido retirados da Ucrânia levando seu equipamento pesado.
“Eu comecei a ligar para os caras com quem eu tinha trabalhado para descobrir onde eles estavam, quais prestadores ainda estavam em atividade e se ainda existia na Ucrânia algum guindaste capaz de levantar 100 toneladas”, afirmou Moroz.
Ele encontrou só um, que precisava de reparo. Mas este guindaste era sua única esperança. Os construtores fizeram modificações para executar o trabalho e batizaram o guindaste de “pequeno dragão”. Com ele, a construção foi retomada.
Os construtores trabalharam em campo aberto, a cerca de 96 quilômetros das linhas de frente, escondendo-se em um bunker quando soava a sirene de ataques aéreos. Mísseis disparados de navios russos no Mar Negro zuniam sobre suas cabeças mas não alvejaram a construção. Mísseis de cruzeiro voavam mais baixo do que o topo das turbinas, tentando evitar detecção dos radares das defesas antiaéreas ucranianas.
As novas turbinas eólicas são um avanço modesto na direção da segurança energética e da transição verde, mas representam algo mais imediato para a Ucrânia, afirmou Vitalii Kim, governador da região de Mikolaiv. “A construção dessa usina de energia eólica é um sinal de que é possível construir durante a guerra”, afirmou ele. “Projetos desse tipo têm de existir para a independência do nosso país.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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