A Rússia assumiu o controle total da cidade ucraniana de Mariupol na segunda-feira 16, após o Comando Militar da Ucrânia decretar o fim da missão de combate no último foco de resistência que havia na cidade, a usina siderúrgica de Azovstal.
O cerco a Mariupol se prolongava havia 82 dias, desde o início da guerra – a cidade é estratégica para a Rússia porque permite conectar por terra as regiões separatistas de Luhansk e Donetsk, no leste da Ucrânia, à península da Crimeia, dominada pelos russos desde 2014.
Ao longo do dia, cinco ônibus de combatentes foram retirados de Azovstal, com 264 combatentes ucranianos. Dentre esses, 53 feridos com mais gravidade foram levados para um hospital em Novoazovsk, cidade ocupada por Moscou a 32 km da usina; outros 211 foram levados para Olenivka, cidade sob controle de ucranianos separatistas em Donetsk.
A decisão da Ucrânia de encerrar o combate na extensa usina siderúrgica Azovstal deu a Moscou controle total sobre uma vasta extensão do sul da Ucrânia, que se estende desde a fronteira russa até a Crimeia, enquanto as forças russas pareciam estar fortalecendo seu domínio sobre partes do sul que tomaram no início de sua invasão.
Desafios aos ucranianos
Mesmo com o ataque da Rússia em regiões do leste do país derrapando, os acontecimentos no sul ressaltam quanto território Moscou capturou e sugerem que as forças ucranianas enfrentarão grandes desafios na tentativa de reconquistá-lo.
Os militares ucranianos disseram que as forças russas estavam construindo posições defensivas, instalando governos substitutos e tomando medidas para “russificar” a população, numa faixa de de terra que se estende por mais de 800 quilômetros de Luhansk, no leste, até Kherson, no Mar Negro.
Entenda o revés russo
O destino dos combatentes ucranianos que resistiram por semanas na usina siderúrgica em Mariupol permaneceu incerto, depois que depuseram suas armas e foram levados para território controlado pela Rússia. Outros combatentes ficaram na usina, mas não há informações de quantos.
Saída dos combatentes
A retirada dos combatentes da siderúrgica Azovstal foi produto de negociações extremamente delicadas e secretas entre a Rússia e a Ucrânia. Depois que mais de 200 soldados feridos foram retirados durante a noite e transportados para território controlado pela Rússia, as autoridades ucranianas disseram que os combatentes em breve seriam trocados por prisioneiros russos.
Mas em um comunicado na manhã desta terça-feira, 17, o Ministério da Defesa da Rússia não disse nada sobre a possível troca, alegando que os militares ucranianos, tanto do batalhão Azov quanto de unidades regulares, “depuseram as armas e se renderam”.
Dentro da Rússia, houve pedidos para não libertar os soldados, mas para julgá-los, ressaltando os altos riscos no acordo tanto para o presidente Vladimir Putin quanto para o presidente ucraniano Volodmir Zelenski da Ucrânia.
Nesta terça-feira, o ministro da Defesa da Ucrânia, Oleksi Reznikov, foi à televisão nacional para elogiar os soldados. “Eles são todos heróis”, disse. “Eles agora têm uma nova ordem: salvar suas vidas.” Mas como prisioneiros de guerra mantidos sob custódia russa, seu destino não é conhecido imediatamente.
Na última comunicação de dentro da fábrica, o comandante da guarnição, tenente-coronel Denis Propenko, parecia filosófico e resignado a um destino terrível. “O processo de tomada de decisão militar inclui pelo menos dois cenários”, disse ele. “Você calcula os riscos, pesa os prós e os contras e toma a decisão. A primeira prioridade é sempre a tarefa; em segundo lugar está sempre a preservação da vida e da saúde do pessoal”.
Os militares ucranianos disseram que não especificariam quantos soldados permanecem dentro da usina de Azovstal enquanto a complexa “operação de resgate” está em andamento. “A única coisa que pode ser dita é que o Estado ucraniano está fazendo todo o possível e o impossível” para salvar os soldados, disse a vice-ministra da Defesa da Ucrânia, Hanna Malyar, em entrevista nesta terça.
Consciente do profundo lugar simbólico que a cidade e a resistência na usina ocupam, Reznikov procurou destacar o quão vital foi o papel que eles desempenharam no esforço geral de guerra.
“Graças ao heroísmo da guarnição de Mariupol, foi possível retirar as tropas dos ocupantes russos de Kiev”, disse ele, acrescentando que sua resistência infligiu enormes perdas e segurou milhares de forças russas que não puderam ser redistribuídas para outros campos de batalha.
Propaganda
Na Rússia, a retirada carregava seu próprio valor simbólico. O regimento Azov recebeu grande cobertura da mídia estatal do país, e sua conexão com movimentos de extrema direita deu credibilidade às falsas alegações do Kremlin de que suas forças estavam lutando contra nazistas na Ucrânia.
Da noite para o dia, comentaristas pró-Kremlin alardearam a retirada ucraniana como um potencial ponto de virada na guerra que frustrou muitos com seu lento progresso. Eles não mencionaram o custo da captura de Mariupol: a destruição de 90% da cidade e a morte de milhares de seus moradores.
Também houve pedidos para punição exemplar, com alguns dizendo que a Rússia não deveria fazer nenhum acordo para salvar combatentes que mataram tantos soldados russos e adquiriram uma importância tão simbólica.
Anatoly Vasserman, um legislador russo, propôs nesta terça que o Parlamento aprove uma lei proibindo a troca de combatentes Azov.
Viacheslav Volodin, presidente do Parlamento russo, disse que os comitês foram ordenados a discutir a proibição de “trocas de criminosos nazistas”. “Nosso país sempre tratou com humanidade aqueles que foram capturados ou se renderam”, disse Volodin, em comunicado. “Mas quando se trata de nazistas, nossa posição deve permanecer inalterada: são criminosos de guerra e precisamos fazer tudo para levá-los à justiça.”
Igor Girkin, um crítico conservador da política de guerra do Kremlin na Ucrânia, disse que tal troca seria semelhante à “manipulação de resultados”. “Se nos próximos dias ‘os heróis de Azov’ forem cobertos de flores em Kiev, não será possível falar sobre outra coisa senão outro triunfo de sabotagem e idiotice”, escreveu Girkin em seu canal no Telegram.
Batalha brutal
A decisão da Ucrânia de encerrar o combate em Azovstal deu a Moscou controle total sobre uma vasta extensão do sul da Ucrânia, que se estende desde a fronteira russa até a Crimeia, enquanto as forças russas pareciam estar fortalecendo seu domínio sobre partes do sul que tomaram no início de sua invasão.
Em Zaporizka, uma região a oeste de Mariupol, os militares ucranianos disseram que as forças russas estavam destruindo estradas e pontes para retardar os contra-ataques ucranianos. As tropas de Moscou também ergueram barreiras de concreto e cavaram trincheiras ao redor da maior usina nuclear da Europa, na cidade de Enerhodar, que a Rússia tomou no primeiro mês da guerra, disse a empresa de energia nuclear da Ucrânia.
Na região de Kherson, o coração agrícola do país, os ucranianos vêm montando contra-ataques há semanas, tentando recuperar lentamente o terreno perdido, mas ainda não lançaram uma grande ofensiva.
Ainda assim, as forças ucranianas, apoiadas por um fluxo crescente de armas pesadas de aliados ocidentais, montaram uma resistência feroz em outras partes do país, expulsando as forças russas primeiro da capital, Kiev, e nos últimos dias da cidade de Kharkiv, no nordeste./ NYT, W.POST, AP e REUTERS
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.