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Ucrânia recorre à China por mediação para buscar o fim da guerra com a Rússia

Visita de diplomata ucraniano a Guangzhou nesta semana sinaliza o desejo de Kiev de envolver Pequim nas negociações de paz que a China tem ignorado até agora

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Por Alexandra Stevenson (The New York Times) e Constant Méheut (The New York Times)

O principal diplomata da Ucrânia se encontrou com o ministro de Relações Exteriores da China nesta quarta-feira, 24, em uma conversa que sinalizou a disposição da crescente de Kiev em propor uma solução diplomática para a guerra com a Rússia e em fazer com que a China tenha um papel mais central neste esforço.

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“Eu estou convencido que paz justa na Ucrânia é dos interesses estratégicos da China”, Dmitro Kuleba disse em um comunicado depois de se reunir com Wang Yu, o ministro chinês, na cidade de Guangzhou, no sul da China. “O papel da China como uma força global pela paz é importante.”

Kuleba deixou claro que a Ucrânia impôs condições a tais negociações, dizendo que só iria envolver a Rússia quando Moscou estivesse “pronta para negociar de boa fé”. Ele acrescentou: “Nenhuma prontidão desse tipo é observada atualmente do lado russo”.

Kuleba está visitando a China pela primeira vez desde a invasão russa na Ucrânia em fevereiro de 2022. Sua viagem ocorre em um momento em que a Ucrânia está lentamente perdendo terreno na guerra e enfrentando uma incerteza crescente sobre o nível de ajuda que terá do Ocidente. Moscou e Kiev tiveram brevemente negociações de paz na primavera (do Hemisfério Norte) de 2022, mas rapidamente fracassaram devido a questões críticas.

Para a China, receber Kuleba reflete as ambições do país em desempenhar um papel maior nos desafios de segurança global, como um contrapeso aos Estados Unidos. Também serve para rebater as críticas ocidentais ao alinhamento próximo de Pequim com a Rússia.

Wang disse que a China estava comprometida em encontrar uma solução política para a crise, acrescentando que embora o momento ainda não fosse o ideal, Moscou e Kiev haviam “dado sinais de suas disposições para negociar em vários graus”, segundo o comunicado do Ministério das Relações Exteriores da China.

Dmitri Peskov, o porta-voz do Kremlin, disse a jornalistas que a suposta abertura de Kuleba às negociações com a Rússia estava “em uníssono com nossa posição” e acrescentou que a Rússia nunca recusou negociações.

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Autoridades da Ucrânia e do Ocidente rejeitaram a ideia de que a Rússia está aberta de boa-fé para conversas para a paz. Eles descreveram as mensagens frequentes do Kremlin sobre negociações como uma propaganda ardiolsa designada a ofuscar a determinação do Kremlin de forçar a Ucrânia a capitular.

Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, à esquerda, com seu homólogo chinês, Wang Yi, antes da reunião em Guangzhou, no sul da China, nesta quarta-feira, 24. Foto: Lu Hanxin/Xinhua via AP

As condições do presidente russo Vladimir Putin para um cessar-fogo — que a Ucrânia abra mão de quatro regiões da linha de frente que a Rússia controla parcialmente, e que Kiev prometa nunca entrar na Otan — deixam pouco ou nenhum espaço para negociações. A Ucrânia, por sua vez, quer recuperar o controle total de seu território e se juntar à Otan, o que é algo abominado por Moscou.

A tentativa anterior da China de mediar entre a Rússia e a Ucrânia, com um plano de 12 pontos que apresentou em 2023, foi rapidamente rejeitado por líderes europeus. Desde então, Pequim evitou um papel público na guerra, recusando-se a participar de uma cúpula da paz, de iniciativa ucraniana, na Suíça no mês passado, porque a Rússia não havia sido convidada.

A cúpula acabou falhando em em reunir apoio de potências regionais como Índia e Arábia Saudita. O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, disse recentemente que a Ucrânia pretendia realizar uma segunda cúpula de paz ainda este ano, antes da eleição presidencial dos Estados Unidos em novembro, e que a Rússia deveria participar.

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Pequim agora pode estar calculando que é o momento certo para intervir, em parte com base na crença de que a Ucrânia pode ser mais realista sobre como a guerra pode acabar, disse Yun Sun, diretor do programa da China no Stimson Center, um centro de estudos de relações exteriores em Washington.

“Os chineses queriam desempenhar um papel de pacificador e eles não eram capazes disso antes porque o momento não era propício, já que a Ucrânia ainda acreditava que poderia prevalecer e vencer a guerra em seus próprios termos”, disse Sun.

Em Kiev, há um entendimento crescente de que conversações sobre paz sem a participação da China “não serão signifivativas”, disse Nataliya Butyrska, especialista em relações Ucrânia-Ásia do New Europe Center, um think tank de política externa sediado em Kiev.

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Para a China, receber Kuleba reflete as ambições do país em desempenhar um papel maior nos desafios de segurança global, como um contrapeso aos Estados Unidos. ( Foto: Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia via AP

“A China é um país que consegue pressionar a Rússia a se envolver nas conversas”, disse Butyrska, acrescentando que a visita de Kuleba visava, em parte, garantir a participação de Pequim na segunda cúpula de paz.

A Ucrânia quer acelerar as negociações de paz em parte por causa da perspectiva de uma vitória de Donald Trump na eleição presidencial dos Estados, segundo a especialista. A promessa de Trump de acabar com a guerra rapidamente levantou temores em Kiev de que ele pressionaria por um acordo de paz que permitiria à Rússia manter o território ocupado hoje e deixá-la em posição de atacar a Ucrânia de novo.

O exército ucraniano também está na defensiva ao longo de uma linha de frente que se estende por mais de 960 quilômetros, enquanto as tropas russas avançam lentamente e capturam cidades. Embora a vasta maioria da população seja firmemente contra os termos de paz maximalistas da Rússia, tem havido uma aceitação crescente da necessidade de negociações de paz.

A China está em uma posição única para negociar porque seu líder, Xi Jinping, tem uma boa relação com Putin. Os dois se encontraram dezenas de vezes enquanto presidentes de seus países. Pequim também tem influência econômica sobre Moscou, disse Alexander Gabuev, diretor do Carnegie Russia Eurasia Center, um grupo de pesquisa.

“Na teoria, eles podem usar essa influência para pressionar a Rússia”, disse Gabuev.

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