Após um ano de intensas batalhas com os russos, as tropas militares da Ucrânia, consideradas de maior qualidade que as da Rússia, passaram a se enfraquecer depois de acumular baixas e perder muitos dos combatentes mais experientes. Autoridades ocidentais estimam que cerca de 120 mil soldados do país invadido foram mortos ou feridos, e o estado atual da força deixa dúvidas sobre as condições de Kiev de fazer uma ofensiva antes de Moscou, agora que o inverno do Hemisfério Norte acabou.
Para repor as baixas, os ucranianos precisaram recrutar novos soldados, tornando o exército mais inexperiente. O país também sofre com escassez de munição básica, incluindo projéteis de artilharia e morteiros, segundo seus militares. “A coisa mais valiosa na guerra é a experiência de combate”, disse ao Washington Post um comandante da 46ª Brigada de Assalto Aéreo, identificado apenas como Kupol. “Há apenas alguns soldados com experiência de combate. Infelizmente, todos eles já estão mortos ou feridos”, acrescentou.
A avaliação espalha um pessimismo notável, mas não dito, da linha de frente da guerra ao primeiro-escalão do governo. Se o país não for capaz de realizar uma contraofensiva com sucesso neste momento da guerra, as críticas se espalharão contra os Estados Unidos e a Europa por terem esperado demais para aprofundar os programas de treinamento militar e fornecer tanques de guerra, incluindo os Bradleys e os Leopard.
Segundo uma autoridade americana, a situação atual no campo de batalha, no entanto, não necessariamente reflete as condições das forças ucranianas porque Kiev treina tropas para a próxima ofensiva de forma separada, deixando-as de fora dos combates atuais, incluindo a defesa de Bakhmut.
O chefe do gabinete presidencial da Ucrânia, Andri Iermak, disse que o estado do exército ucraniano não diminui a expectativa sobre um ataque futuro contra os russos. “Não acho que esgotamos nosso potencial”, disse Iermak. “Eu acho que em qualquer guerra chega um momento em que você tem que preparar novos soldados, que é o que está acontecendo agora.”
Situação do exército russo
Do lado russo, as estimativas apontam baixas de 200 mil combatentes, mas o país conta com um exército muito maior e aproximadamente o triplo da população, de onde pode atrair recrutas. Durante uma reunião da Otan no mês passado, o ministro da Defesa do Reino Unido, Ben Wallace, disse que 97% do exército da Rússia já estava implantado na Ucrânia e que Moscou estava sofrendo “níveis de desgaste da Primeira Guerra Mundial”.
Apesar disso, resta a dúvida do quanto o treinamento ucraniano em parceria com o Ocidente vai pesar na balança nos próximos ataques da guerra, dado o desgaste que começa a surgir de ambos lados. Um funcionário do alto escalão do governo ucraniano afirmou, sob anonimato, que o número de tanques prometidos pelo Ocidente são uma “quantidade simbólica”. Outros expressam pessimismo sobre a chegada dos suprimentos ao campo de batalha enquanto há tempo.
“Se você tem menos recursos, você se defende mais. Nós vamos defender. É por isso que, se você me pergunta o que acho pessoalmente, eu não acredito em uma grande contraofensiva para nós. Eu gostaria de acreditar nisso, mas olho para os recursos e me pergunto: ‘Com o quê?’”, disse a autoridade. “Não temos pessoas e armas. Você sabe a proporção: quando você está na ofensiva, você perde duas ou três vezes mais pessoas. Não podemos nos dar ao luxo de perder tantas pessoas”.
Para Kupol, a esperança é que as tropas ucranianas retiradas para o treinamento de uma contraofensiva tenham mais sucesso no campo de batalha que os soldados inexperientes que estão sob o seu comando. “Haverá contraofensiva de qualquer maneira”, declarou.
Tais previsões são muito menos otimistas do que as declarações públicas da liderança política e militar da Ucrânia. O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, descreveu este ano como “o ano da vitória” para a Ucrânia. Seu chefe de inteligência militar, Kirilo Budanov, falou sobre a possibilidade de os ucranianos passarem férias de verão (em junho) na Crimeia, que está anexada pela Rússia há nove anos.
Front de batalha
Na linha de frente, o clima é sombrio. Kupol, o comandante ucraniano, disse travar batalhas com soldados recém-recrutados que nunca haviam jogado uma granada e que prontamente abandonaram as suas posições após serem atacados por russos. Eles também não tinham experiência no manuseio de armas de fogo.
Depois de um ano de guerra, Kupol disse que seu batalhão está irreconhecível. Dos cerca de 500 soldados, cerca de 100 foram mortos em ação e outros 400 feridos, causando uma rotatividade completa. Kupol diz ser hoje o único profissional militar no batalhão. “Recebo 100 soldados, mas não me dão tempo para prepará-los. Dizem: ‘Leve-os para a batalha’”, conta.
O comandante também diz sofrer com escassez de munição, incluindo a falta de bombas de morteiro simples e granadas para MK 19 fabricados nos EUA.
Enquanto isso, uma ofensiva russa vem se formando desde o início de janeiro, de acordo com o comandante das forças terrestres da Ucrânia, Oleksandr Sirski. Autoridades ucranianas estimam que a Rússia tinha mais de 325 mil soldados na Ucrânia, e outros 150 mil soldados mobilizados poderiam em breve se juntar à luta. Soldados ucranianos relatam estar em menor número e ter menos munição.
A Rússia também está enfrentando problemas de munição, mão de obra e motivação – e obteve apenas ganhos incrementais nos últimos meses, apesar do estado crítico dos ucranianos. Autoridades dos EUA dizem que, por piores que sejam as perdas da Ucrânia, as da Rússia são ainda mais graves.
“A questão é se a vantagem relativa da Ucrânia é suficiente para atingir seus objetivos e se essas vantagens podem ser sustentadas”, disse Michael Kofman, analista militar da CNA, com sede na Virgínia. “Isso depende não apenas deles, mas também do Ocidente.”
Autoridades dos EUA disseram que esperam que a ofensiva da Ucrânia comece no final de abril ou início de maio, e estão cientes da urgência de fornecer armas a Kiev porque uma guerra prolongada a princípio favorece a Rússia, que tem mais pessoas, dinheiro e fabricação de armas.
Questionado em uma recente audiência no Congresso quanto mais ajuda dos EUA poderia ser necessária, o chefe de política do Pentágono, Colin Kahl, admitiu não saber responder aos deputados da Câmara. “Não sabemos o curso ou a trajetória do conflito”, disse Kahl. “Pode acabar daqui a seis meses, pode terminar daqui a dois anos, daqui a três anos.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.