MOSCOU - Duas explosões no ar, em um intervalo de 15 minutos, bem acima do Kremlin, levaram nesta quarta-feira, 3, a Rússia a acusar a Ucrânia de orquestrar um atentado contra o presidente Vladimir Putin no coração de Moscou, no que seria a ação mais ousada dos ucranianos até agora em mais de um ano de guerra. Moscou prometeu retaliar.
Imagens de vídeo mostram dois drones sendo derrubados pelo sistema de defesa russo sobre a residência oficial de Putin. A Ucrânia negou qualquer envolvimento no caso, afirmando que a Rússia havia fabricado o incidente para desviar a atenção da iminente contraofensiva ucraniana.
Na guerra de informações entre russos e ucranianos, é difícil encontrar a verdade. Serviços de inteligência do Ocidente não sabem o que aconteceu em Moscou. Os americanos, segundo duas fontes citadas pelo New York Times, estão investigando o ataque.
O Kremlin condenou a suposta tentativa de ataque como um “ato terrorista” e disse que as forças militares e de segurança russas pararam os drones antes que eles pudessem atacar. Em um comunicado divulgado por agências de notícias estatais russas, o Kremlin apontou que ninguém ficou ferido.
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse à agência de notícias estatal russa RIA Novosti que Putin não estava no local naquele momento e estava trabalhando na residência de Novo-Ogaryovo. O Kremlin acrescentou que Putin está seguro e sua agenda não mudou.
O Kremlin considerou o incidente como uma tentativa deliberada contra a vida de Putin antes do Dia da Vitória que a Rússia comemora em 9 de maio. O porta-voz do Kremlin, Peskov, disse que um desfile militar aconteceria naquele dia, conforme programado.
No passado recente, os EUA expressaram preocupação com possíveis ataques ucranianos em solo russo, preocupados com a possibilidade de provocar Moscou sem que haja um efeito direto no campo de batalha.
Assim, os ucranianos têm por hábito negar qualquer operação em território russo. Em outubro, Kiev jurou que não tinha relação com a explosão de parte da Ponte Kerch, que liga a Rússia à Crimeia. Os bombardeios à cidade russa de Belgorod, perto da fronteira, também nunca foram reconhecidos pela Ucrânia.
“Não atacamos Putin ou Moscou”, disse nesta quarta-feira o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski,, à emissora TV2, durante visita à Finlândia. “Lutamos em nosso território. Estamos defendendo nossas aldeias e cidades. Não temos armas suficientes para isso. Lidar com Putin será tarefa para um tribunal internacional.”
Nas últimas semanas, Zelenski mobilizou milhares de soldados para uma contraofensiva e intensificou os ataques para enfraquecer as forças russas.
Embora a origem das explosões nos céus de Moscou ainda seja um mistério, uma coisa ficou evidente: a posição do Kremlin de rapidamente tornar público o incidente.
Cerca de 12 horas após o ataque, o serviço de imprensa de Putin divulgou uma rara declaração de cinco parágrafos alegando que o “regime de Kiev” havia usado drones para realizar um “atentado contra o presidente” – sem sucesso.
Se ficar provado que as explosões foram mesmo um ataque de drones, a penetração de aeronaves nas defesas aéreas do centro de Moscou representaria a mais recente falha constrangedora dos militares russos nos 14 meses de guerra.
No entanto, segundo observadores, o incidente pode servir de pretexto para Putin lançar novos bombardeios contra a Ucrânia, como aconteceu após o violento ataque à Ponte Kerch.
Nesta quarta-feira, o presidente da Ucrânia está em Helsinque, capital da Finlândia, onde se reúne com líderes de países nórdicos. O gabinete do presidente da Finlândia, Sauli Niinistö afirmou em comunicado que Zelenski foi convidado para conversar sobre “os esforços de defesa da Ucrânia e o apoio da Finlândia à Ucrânia”.
Moscou promete retaliação
Durante o comunicado, o Kremlin apontou que a Rússia deve retaliar a Ucrânia por conta do episódio no Kremlin. Algumas autoridades russas de alto escalão pediram aos militares do país que retaliassem rápida e duramente. Vyacheslav Volodin, presidente da Câmara baixa do Parlamento russo, postou uma declaração em seu canal no Telegram, dizendo que “um ato terrorista contra o presidente é um ataque à Rússia”.
“Os políticos dos países ocidentais que estão fornecendo armas para o regime de Zelenski devem perceber que se tornaram não apenas patrocinadores, mas também cúmplices diretos de atividades terroristas”, disse ele. “Não pode haver negociações com o regime de Zelenski. Exigiremos o uso de armas capazes de deter e destruir o regime terrorista de Kiev”, acrescentou Volodin, sem especificar o tipo de armamento.
Ucrânia já havia tentado matar Putin na semana passada, diz jornal alemão
De acordo com o jornal alemão Bild, o serviço secreto ucraniano já havia tentado matar Putin na semana passada. A reportagem que foi publicada na última quinta-feira, 27, cita um tuíte recente do editor-chefe do site ucraniano Khvilia, Yuri Romanenko, que supostamente tem laços com fontes de inteligência ucranianas.
Segundo Romanenko, a Ucrânia utilizou um drone do tipo UJ-22, que tem alcance de até 800 km e estava equipado com 17 kg de explosivos. O drone conseguiu sobrevoar a fronteira e passar pelos sistemas de defesa aérea da Rússia. O drone deveria explodir e matar Putin durante uma visita ao parque industrial de Rudnevo, perto da capital Moscou.
“Na semana passada, nossos oficiais de inteligência receberam informações sobre a viagem de Putin ao parque industrial em Rudnevo. Até consegui um mapa da viagem ao redor do parque. Essa informação foi indiretamente confirmada pelo correspondente pessoal de Putin em seu Telegram”, escreveu Romanenko. “Assim, lançamos um drone kamikaze, que atravessou as defesas aéreas da Federação Russa e caiu não muito longe do parque industrial.”
Segundo o Bild, a mídia privada russa confirmou a queda de um drone em um vilarejo a leste de Moscou, perto do parque industrial de Rudnevo. O Kremlin negou a tentativa de assassinato na semana passada.
O anúncio da tentativa de assassinato contra o presidente da Rússia ocorre em meio a diversos ataques que atingiram a Rússia e a Ucrânia e deixaram mortos e feridos.
Saiba mais sobre a guerra na Ucrânia
Na segunda-feira, 1º, um novo ataque russo com mísseis atingiu a Ucrânia na região de Kherson. Uma pessoa morreu e três ficaram feridas. Outras cidades foram atingidas, mas o Exército ucraniano diz ter derrubado a maioria dos mísseis com ajuda de baterias antiaéreas.
Moscou também apontou que seu território foi atingido por um ataque de míssil que a Rússia diz ter partido da Ucrânia no domingo, 30. Os mísseis caíram na vila de Suzemka, localizada na região de Briansk, a poucos quilômetros do norte da Ucrânia. Quatro mortes foram registradas pelas autoridades. Moscou também culpou Kiev por ataques com drones à Crimeia, anexada pela Rússia em 2014.
Na sexta-feira passada, 28, A Rússia disparou mais de 20 mísseis de cruzeiro e dois drones contra a Ucrânia na madrugada desta sexta-feira, 28, matando pelo menos 22 pessoas. Os ataques ocorreram em Kiev, Dnieper, Kramatorsk, Uman e outras cidades./AP, NY Times e W.Post
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