Ucrânia toma Kherson e impõe pior derrota de Putin na guerra

Autoridades de Moscou e de Kiev confirmaram que tropas russas completaram a retirada da capital da província no sul do país, território que havia sido tomada da Ucrânia desde o começo da guerra

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

KIEV - A Ucrânia anunciou que retomou oficialmente Kherson, capital da província de mesmo nome no sul do país, uma das principais cidades sob domínio russo ― e única capital ― desde o início da guerra, nesta sexta-feira, 11. O anúncio feito por autoridades de Kiev vem no mesmo dia em que Moscou confirmou a conclusão da retirada de tropas de quase toda a região, enquanto tenta se reagrupar à margem esquerda do rio Dnieper. No contexto do conflito no Leste Europeu, esta é a perda de território mais significativa para o lado russo, embora o Kremlin insista que o recuo não represente nenhum embaraço para Vladimir Putin.

PUBLICIDADE

“Kherson está retornando ao controle da Ucrânia, unidades das Forças Armadas da Ucrânia estão entrando na cidade”, disse a agência de inteligência militar ucraniana em comunicado nesta sexta-feira. Horas antes, o Ministério da Defesa russo emitiu um comunicado que dizia: “Hoje, às 05h da manhã em Moscou, completou-se o transporte das tropas russas até a margem esquerda do rio Dnieper”.

A perda de Kherson seria o terceiro grande revés da guerra da Rússia, após as retiradas das regiões de Kiev e Kharkiv. Kherson foi a única capital provincial que a Rússia capturou desde a invasão em fevereiro, e foi um elo importante no esforço da Rússia para controlar a costa sul ao longo do Mar Negro. Recapturar o controle de Kherson também reforçaria o argumento do governo ucraniano de que deve continuar a pressão militar enquanto as forças russas estão em fuga, e não voltar à mesa de negociações, como algumas ocidentais têm defendido.

“A Ucrânia conquista outra importante vitória agora e prova que não importa o que a Rússia faça, a Ucrânia vencerá”, disse o ministro das Relações Exteriores ucraniano, Dmitro Kuleba, em uma publicação no Twitter. Na mesma postagem, Kuleba compartilhou um vídeo de cidadãos ucranianos rasgando uma placa de publicidade russa na cidade de Bilozerka, próxima a Kherson, que dizia “A Rússia está aqui para sempre”.

Embora tenha comunicado o fim da retirada, o Kremlin manteve um posicionamento combativo, insistindo que a movimentação não representava nenum constrangimento para Putin. De acordo com o porta-voz da Presidência russa, Dmitri Peskov, Moscou continua a ver toda a região de Kherson como parte do país.

Publicidade

“Esta é uma região russa. Foi legalmente anexada e definida. Não pode haver mudanças aqui”, declarou Peskov a jornalistas, acrescentando que o Kremlin não se arrepende de ter realizado a solenidade de reconhecimento da anexação de Kherson, Donetsk, Luhansk e Zaporizhzhia.

Pouco antes do anúncio russo, o gabinete do presidente ucraniano Volodmir Zelenski descreveu a situação na província como “difícil”. Bombardeios russos foram relatados em algumas aldeias e cidades que foram recuperadas nas últimas semanas. O Estado-Maior do Exército da Ucrânia disse que as forças russas também deixaram um rastro de casas saqueadas, linhas de energia danificadas e estradas minadas.

Serhii Khlan, um oficial ucraniano de Kherson, contestou a afirmação das Forças Armadas russas de que as tropas em retirada levaram todos os seus equipamentos com eles, dizendo que lhe disseram que “muito” foi deixado para trás. Khlan, que conversou com jornalistas de fora da cidade, disse que ouviu que alguns soldados russos também foram deixados para trás vestidos com roupas civis, possivelmente com planos de se envolver em atos de sabotagem”. Ele disse que seu número exato não era claro.

A inteligência ucraniana postou uma declaração em russo nas mídias sociais, instando as tropas russas, se sobraram em Kherson, a se renderem, porque as forças ucranianas “estão entrando na cidade”.

Outros relatos de manifestações populares após a retirada russa foram compartilhadas por outras autoridades ucranianas. O conselheiro da Presidência ucraniana, Anton Gerashchenko, publicou uma foto de uma bandeira ucraniana hasteada em um monumento no centro de Kherson.

Publicidade

“Foi relatado que os partisans colocaram uma bandeira ucraniana no centro de Kherson. O jornalista local Kostiantin Rizhenko postou isso no Telegram. ‘O movimento de resistência manda cumprimentos. Slava Ukraini. a foto é atual’”, escreveu na publicação.

Batalha por Kherson

PUBLICIDADE

Na última quarta-feira, 9, o ministro da Defesa da Rússia, Serguei Shoigu, ordenou a retirada das forças russas da margem oeste do Rio Dnieper, mas não ficou claro quantos dos cerca de 40 mil soldados de Moscou ainda permanecem na região, o quão longe já estavam em sua retirada e se um contingente havia sido deixado para trás para lutar na cidade.

Autoridades ucranianas levantaram suspeitas, logo após o anúncio, de que pudesse se tratar de uma possível armadilha destinada a atrair suas forças para um combate urbano, embora tenha reconhecido que uma retirada era necessária após ataques destruírem as rotas de suprimentos da cidade.

Em meio à campanha na região, os Estados Unidos aumentaram a ajuda militar em mais US$ 400 milhões (R$ 2,1 bilhões), incluindo o envio de sistemas de defesa aéreos Avengers, equipados com mísseis Stringer. “Quando estive em Kiev na semana passada, tive a chance de consultar diretamente com o presidente Zelenski sobre o que a Ucrânia precisa para estar na posição mais forte possível no campo de batalha”, disse o conselheiro de segurança dos EUA, Jake Sullivan. Após a tomada de Kherson, os EUA classificaram o fato como uma “vitória extraordinária”.

O general Valeri Zaluzhni, comandante das forças armadas ucranianas, disse que suas tropas continuaram conduzindo ataques na região de Kherson no dia anterior. Ao todo, as tropas ucranianas já teriam retomado 41 vilarejos na região desde 1º de outubro.

Publicidade

Vídeos postados por autoridades ucranianas nas mídias sociais supostamente mostram soldados ucranianos em frente a um tanque e a bandeira amarela e azul de seu país em uma vila recentemente recuperada no sul, embora as imagens não tenham sido verificadas imediatamente de forma independente.

Soldado ucraniano segura uma bandeira do país na vila de Kiselivka, na província de Kherson. Foto: Video obtained by Reuters/Handout via REUTERS - 10/11/2022

O comando militar sul ucraniano disse em um comunicado na quinta que suas forças estavam enfrentando minas e bloqueios de estradas colocados pelas forças russas. Houve explosões em toda a região durante a noite, com os militares ucranianos dizendo que atingiram um posto de comando russo, uma coluna de equipamentos militares e depósitos de munição.

Mikhailo Podoliak, conselheiro sênior do presidente ucraniano Volodmir Zelenski, disse no Twitter que as forças russas colocaram minas em tudo o que podiam na cidade de Kherson, incluindo apartamentos e esgotos. Os ucranianos alertaram há dias que os soldados russos na cidade estavam vestindo roupas civis, se mudando para casas e fortificando posições fora da cidade.

Arkadiy Dovzhenko, que fugiu de Kherson em junho, disse que seus avós lhe disseram na quinta-feira que “os russos estavam trazendo muitos equipamentos para a cidade e também minerando cada centímetro dele”.

Maior revés para Putin

A cidade de Kherson, capital da região de mesmo nome, foi um dos primeiros ganhos da Rússia na guerra, quando capturou a região em 2 de março, poucos dias depois de invadir a Ucrânia. A intenção de Moscou era usar a região como uma ponte terrestre da Rússia até a cidade de Odessa, onde se encontra um dos principais portos do Mar Negro. A ideia não se concretizou nos oito meses de guerra, e uma forte contraofensiva ucraniana no leste e no sul ameaça o controle russo da região há meses.

Publicidade

A retirada total das tropas é uma das maiores perdas para os russos, que foram empurrados para a margem oeste do rio Dnieper e perderam um dos principais acessos à Crimeia, que a Rússia anexou em 2014.

A perda de Kherson, onde outdoors proclamavam que “a Rússia está aqui para sempre”, é um dos golpes mais sérios da guerra para o presidente russo, Vladimir Putin. Foi há pouco mais de um mês que ele subiu ao palco na Praça Vermelha em Moscou para declarar Kherson e três outras regiões da Ucrânia parte da nação russa. Sua mudança para anexar ilegalmente partes da Ucrânia foi condenada em todo o mundo.

Putin comemora a formalização da anexação de províncias ucranianas com os governadores pró-Rússia de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia. Foto: Sputnik/Dmitry Astakhov/Pool via REUTERS - 30/09/2022

A recaptura da cidade, cuja população pré-guerra era de 280 mil habitantes, pode significar para a Ucrânia uma plataforma de lançamento de suprimentos e tropas para tentar reconquistar outros territórios perdidos no sul, incluindo a Crimeia.

Putin já enfrenta uma forte pressão interna por revezes anteriores de suas forças, que perderam regiões estratégicas do nordeste e do leste da Ucrânia, como Kharkiv e partes do Donbas. O líder russo ainda não comentou a retirada, mas seus aliados correram para defendê-la como algo difícil, mas necessário.

O analista político pró-Kremlin Serguei Markov descreveu a medida como “a maior perda geopolítica da Rússia desde o colapso da União Soviética” e alertou que “as consequências políticas dessa enorme perda serão realmente grandes”.

Publicidade

Uma mulher carrega uma criança enquanto civis são retirados da região controlada pelos russos em Kherson  Foto: Alexey Pavlishak/Reuters

Ceticismo

O temor ucraniano, no entanto, é a retirada ser falsa. Analistas militares disseram acreditar que a Rússia tentaria manter posições defensivas perto das margens do Rio Dnieper para proteger sua rota de retirada. Com apenas uma estrada principal sobre uma represa ao norte da cidade deixada para os russos, eles contam com uma série de balsas e pontões para atravessar o rio.

Mas já na quinta, as autoridades ucranianas pareceram suavizar o ceticismo. “O inimigo não teve outra escolha a não ser fugir”, disse Zaluzhni, porque o exército de Kiev destruiu os sistemas de abastecimento e interrompeu o comando militar local da Rússia. Ainda assim, ele disse que os militares ucranianos não podem confirmar uma retirada russa.

Alexander Khara, do Centro de Estratégias de Defesa, com sede em Kiev, ecoou essas preocupações, dizendo que continua temeroso de que as forças russas possam destruir uma barragem rio acima de Kherson e inundar as proximidades da cidade. O ex-diplomata ucraniano também alertou sobre armadilhas e outros possíveis perigos que os russos em retirada deixaram para trás. “Eu ficaria surpreso se os russos não tivessem preparado alguma coisa, algumas surpresas para a Ucrânia”, disse Khara.

“Com pontos de passagem limitados, as forças russas estarão vulneráveis ao cruzar o Rio Dnieper”, disse a agência de inteligência de defesa britânica nesta quinta-feira. “É provável que a retirada ocorra ao longo de vários dias com posições defensivas e fogos de artilharia cobrindo as forças em retirada.”

O general Mark Milley, presidente do Estado-Maior Conjunto, disse na quarta-feira que 20 mil a 30 mil soldados russos precisariam ser retirados para o sul e leste do rio, e que a retirada seria lenta se Moscou seguisse adiante. “Não vai levar um dia ou dois”, disse ele. “Isso vai levar dias e talvez até semanas para puxar essas forças para o sul daquele rio.”

Publicidade

Civis são retirados da parte controlada pelos russos da região de Kherson  Foto: Alexey Pavlishak/Reuters

Um morador disse que Kherson estava deserta na quinta e que explosões podiam ser ouvidas ao redor da ponte Antonivski – uma importante travessia do rio Dnieper que as forças ucranianas bombardearam repetidamente. “A vida na cidade parece ter parado. Todo mundo desapareceu em algum lugar e ninguém sabe o que vai acontecer a seguir”, disse Konstantin, um morador cujo sobrenome foi omitido por razões de segurança.

Autoridades ucranianas foram cautelosas em outros momentos ao declarar vitórias contra uma força russa que, pelo menos inicialmente, superava em número de armas e em número as forças armadas da Ucrânia. Orisia Lutsevych, chefe do Fórum da Ucrânia no think-tank de assuntos internacionais Chatham House, disse que a reticência explica “por que, até que os ucranianos estejam na cidade, eles não querem declarar que têm o controle”.

O primeiro-ministro britânico Rishi Sunak foi igualmente cauteloso ao conversar nesta quinta com o presidente ucraniano Zelenski, e seu gabinete disse que concorda que “é certo continuar a ter cautela até que a bandeira ucraniana seja hasteada sobre a cidade”./AFP, AP e NYT

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.