REGIÃO DE LUHANSK, Ucrânia (AP) — Voando acima das fileiras inimigas, um drone ucraniano de reconhecimento manda uma imagem clara para soldados escondidos em um porão, a poucos quilômetros de distância: um blindado russo está parado em uma rota crítica de logística, parecendo presa fácil na paisagem verde marcada pela artilharia. Então a imagem desaparece, e a tela do piloto do drone é substituída por um emaranhado de pixels em preto e branco.
“Nevou”, afirma serenamente o comandante, conhecido no campo de batalha como Giocondo, que permitiu à Associated Press acompanhar ele e à sua unidade de pilotos de drone sob condição de anonimato de seus integrantes, para proteger suas identidades. A alta tecnologia de guerra favorece ambos os lados, e os russos usam sinais eletrônicos para desabilitar as comunicações dos drones ucranianos.
Segundos depois, o piloto muda para uma frequência que os russos não são capazes de explorar facilmente. A imagem panorâmica do blindado russo reaparece, e um segundo drone — este carregado de explosivos — é lançado rapidamente. O alvo é atingido.
Dezenove meses depois da invasão russa e conforme a extenuante contraofensiva da Ucrânia se arrasta, o governo ucraniano quer gastar mais de US$ 1 bilhão para modernizar suas capacidades em drones de combate. Sejam usados em missões de reconhecimento, soltando bombas ou explodindo em ataques kamikaze, drones poupam dinheiro e vidas de soldados. E também são mais precisos do que a artilharia tradicional — cujo fornecimento escasseia — e capazes de influenciar o combate de modo desproporcional, fornecendo mapeamento em tempo real de campos de batalha, destruindo tanques e navios e impedindo avanços russos.
Mas as vantagens dos drones poderão ser fugazes. O Exército russo, que usa tecnologia iraniana para manter sua própria frota de drones letais, alcança rapidamente a unidade de Giocondo toda vez que ela obtém alguma vantagem. O sucesso, afirma o comandante, depende de insistência e inovação no campo de batalha.
As autoridades ucranianas afirmam que estão planejando uma grande expansão na guerra de drones nos próximos meses — em seguida ao uso bem-sucedido de modelos pequenos, pilotados com uso de capacetes de interface, em ataques contra as linhas de abastecimento do Exército russo.
Mais da guerra na Ucrânia
O ministro ucraniano da Transformação Digital, Mikhailo Fedorov, afirma que a Ucrânia está comprometida em construir um “exército de drones” de última geração e que a contribuição do equipamento ao esforço de guerra ficará evidente até o fim deste ano. A Ucrânia já treinou mais de 10 mil novos pilotos de drone este ano. “Um novo estágio da guerra logo se iniciará”, promete Fedorov.
Alvo perfeito
A unidade de Giocondo opera nas proximidades da cidade ocupada de Svatove, no nordeste da Ucrânia, e há meses modifica drones para possibilitar-lhes sobrevoar posições inimigas atrás da linha de combate e evadir-se melhor de detecção e sabotagem dos russos.
Seus pilotos de drone são todos voluntários, e muitos não tinham nenhuma experiência militar antes da invasão russa.
Escondido da luz da manhã em uma casa rural, um piloto de nome de guerra Bakeneko coloca o visor de interface e é transportado instantaneamente para o céu, sobre campos verdejantes repletos de tanques e soldados russos. Ele está pilotando um drone carregado com explosivos até um veículo da era soviética identificado momentos antes por um drone de reconhecimento. Em um dos ouvidos o fone toca o heavy metal da banda alemã Powerful — Bakeneko explica que não consegue “voar em silêncio”.
A alguns metros dali, outro soldado — gerente de vendas antes da guerra — prepara bombas. Usando abraçadeiras plásticas e fita adesiva, ele fixa projéteis de artilharia a baterias volumosas, transformando um drone comercial barato em uma máquina mortífera.
Conforme nasce o sol, os soldados russos ao leste têm a vantagem da luz da manhã e vasculham o terreno em busca de posições ucranianas com seus próprios drones. Mas essa vantagem muda à tarde, quando os pilotos ucranianos conseguem certas vezes detectar sombras de soldados russos em movimento.
Vasculhar a vastidão rural para encontrar um alvo leva horas. Os soldados russos aprimoraram a habilidade de se esconder e se camuflar sob a folhagem.
Quando o alvo de Bakeneko entra no campo de visão, ele dá uma sacudida no controle remoto e o drone mergulha. Seu visor mostra a paisagem bucólica cada vez mais próxima, até que a imagem desaparece.
“Legal, pegamos ele”, comenta Giocondo, assistindo o ataque em uma outra tela, que mostra uma coluna de fumaça saindo de um tanque.
Tentativa e erro
A crescente dependência em relação a drones explosivos de curto alcance na linha de frente fez os russos acionarem mais dispositivos portáteis de embaralhamento de sinal, afirmam autoridades ucranianas. Isso forçou a unidade de Giocondo — e outras — a elaborar contramedidas criativas.
Após três meses de tentativas e erros, os soldados ucranianos operando no vilarejo de Andriivka, no leste do país, ao sul de Bakhmut, descobriram como evitar os dispositivos de embaralhamento de sinal que estavam travando drones há muito tempo.
A correção levou à recaptura do vilarejo, no início de setembro. Um porta-voz do batalhão que retomou a localidade afirmou que os drones explosivos foram cruciais, porque forçaram os russos a recuar em 15 quilômetros posições de armamentos pesados para sair de seu alcance.
Mas os pilotos de drones ucranianos afirmam que os russos aprenderão o método de burlar e voltarão a se adaptar. “É uma competição interativa de ambos os lados”, afirmou Stephen Biddle, pesquisador sênior de políticas de defesa no Council on Foreign Relations.
Desde os primeiros dias da guerra, a Rússia usa drones militares de longo alcance para causar danos devastadores e terror psicológico na capital da Ucrânia, Kiev, e em outras cidades ucranianas. Com o tempo, as Forças Armadas da Ucrânia começaram a responder lançando seus próprios drones militares em ataques às fileiras inimigas distantes do front de batalha, alvejando navios de guerra russos no Mar Negro, um aeroporto no oeste da Rússia e até edifícios em Moscou, de acordo com autoridades e meios de comunicação russos.
A aceleração da guerra de drones de curto alcance produzida por unidades como a de Giocondo é uma resposta direta às dificuldades que as forças ucranianas experimentaram no último verão do Hemisfério Norte, quando usaram armas convencionais para tentar perfurar as defesas fortificadas da Rússia. Essa contraofensiva começou em junho deste ano e gastou dinheiro, artilharia e soldados, mas não deu o impulso que a Ucrânia esperava na guerra.
Confrontado por esses desafios, o líder de um esquadrão de elite de pilotos de drones chamado Grupo Asgard, que coordena a unidade de Giocondo, sentiu uma oportunidade. Ex-empresário rico, o líder, que adotou o nome de guerra Farmacêutico, ordenou seus soldados a atacarem os armamentos grandes e caros da Rússia com drones pequenos e baratos.
A lógica foi simples, diz Farmacêutico: explodir drones custa cerca de US$ 400, enquanto um projétil convencional pode custar até 10 vezes mais. Mesmo que sejam necessários vários drones para destruir um tanque, o que ocorre em certas ocasiões, ainda vale a pena. A estratégia teve o benefício adicional de colocar menos vidas de soldados em risco.
Primeiro eles tiveram de modificar drones comerciais com hardware e software para adaptá-los ao campo de batalha, permitindo-lhes atingir alvos mais distantes da linha de frente, dentro das fileiras russas, sem serem detectados nem terem o sinal bloqueado. Um avanço decorreu do uso inteligente de vários drones em uníssono.
Com o raciocínio empreendedor, Farmacêutico ajudou a transformar um grupo heterogêneo, de engenheiros, gerentes corporativos e cineastas, em uma força militar de elite. Ele estima que seu time de 12 homens, reunido e operado com apenas US$ 700 mil, destruiu US$ 80 milhões em equipamentos do inimigo.
O Exército russo — que enfrenta seus próprios desafios econômicos e militares à medida que a guerra na Ucrânia se arrasta — também busca acelerar o uso de drones. A Rússia aumentou sua produção antes de invadir a Ucrânia, em fevereiro de 2021, mas autoridades russas reconheceram que não foram o suficiente.
Agora, conforme a Ucrânia alcança o inimigo, centros comerciais russos estão sendo transformados em laboratórios de pesquisa e fábricas dedicadas a desenvolver e produzir drones, de acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra, um centro de análise americano. “O inimigo aprende muito rápido”, disse o Farmacêutico.
Escalando
O governo ucraniano tomou nota da inovação fundamental produzida por indivíduos como Giocondo e Farmacêutico; agora, quer replicar os esforços com uma injeção de dinheiro. O rascunho do orçamento para 2024 inclui 48 bilhões de hrivnias a mais em gastos de defesa destinados a compras de drones.
Uma razão para priorizar a melhoria das capacidades ucranianas de fabricar drones em casa, dizem analistas, é a crescente dificuldade em obter componentes da China, a maior fabricante de drones do planeta.
“Nós estamos fazendo de tudo para as empresas investirem na produção de vários drones”, afirmou Fedorov, o ministro ucraniano da Transformação Digital. Ele estima que a produção doméstica crescerá cem vezes em relação ao nível do ano passado. Desde março, pelo menos oito novas fábricas ucranianas de drones explosivos foram criadas como parte da iniciativa.
Em um prazo mais longo, Fedorov afirmou que avanços em inteligência artificial empregados por algumas brigadas deverão aprimorar a eficácia e diminuir os custos dos drones. Ainda assim, alguns operadores de drones não se entusiasmam tanto, céticos em relação à cultura militar ucraniana, que possui vestígios da rigidez da era soviética, ser capaz de mudar com rapidez suficiente.
Uma operação de drones bem-sucedida não depende apenas de treinamento e aquisições de drones, afirma Fedorov. A peça mais crítica do quebra-cabeças é escalar a engenhosidade e a adaptabilidade em tempo real de unidades como a de Giocondo. “É uma interação complexa dentro da própria unidade”, concluiu o Farmacêutico. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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