BRUXELAS - A União Europeia acusou a Rússia nesta quarta-feira de chantagem depois que a empresa estatal de gás russa, a Gazprom, cortou o fornecimento de gás natural para a Polônia e a Bulgária. O corte foi a retaliação mais dura até agora às sanções internacionais em razão da invasão da Ucrânia e do envio de armas de países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) às forçar armadas ucranianas em meio ao confronto com os russos.
O corte de combustível da Rússia ocorreu um dia depois de os Estados Unidos e de pelo menos 40 países se comprometerem a armar a Ucrânia “em longo prazo”. A mudança mais significativa foi da Alemanha, que disse que enviaria dezenas de veículos antiaéreos blindados.
“O anúncio da Gazprom de que está interrompendo unilateralmente a entrega de gás a clientes na Europa é mais uma tentativa da Rússia de usar o gás como instrumento de chantagem”, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em comunicado. “Isso é injustificável e inaceitável.”
Efeitos da guerra na Ucrânia
Em paralelo às críticas de Bruxelas, o governo alemão disse nesta quarta-feira, 27, estar preparando suas reservas de gás natural para um possível boicote russo. Segundo Berlim, há combustível no país, para uso residencial e industrial, para superar o próximo inverno do hemisfério norte, que acaba em março de 2023.
“Para passar o inverno sem gás russo, é necessário mais trabalho a toda velocidade”, disse o funcionário, Robert Habeck, que é ministro da Economia e vice-chanceler da Alemanha.
O governo alemão espera um crescimento mais baixo da economia este ano, de 3,6% para 2,2%, principalmente por causa do aumento do custo da energia. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro, o gás russo representava 55% das importações de gás da Alemanha, mas esse número agora caiu para 35%, segundo Habeck. Ele disse que a dependência da Alemanha do gás russo era mais difícil de superar do que de petróleo ou carvão.
Dependência energética
A medida aumenta o impasse entre Moscou e o Ocidente sobre a guerra na Ucrânia e pode complicar ainda mais o crescente racha na Europa sobre o fim da dependência energética do bloco da energia russa.
Esta é a primeira interrupção no fornecimento desde que o presidente russo, Vladimir Putin, disse que “países hostis” teriam que pagar pelo gás natural em rublos. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, rejeitou as acusações de chantagem na quarta-feira, ao mesmo tempo em que alertou sobre cortes adicionais se os países não cederem às exigências da Rússia.
Fatih Birol, diretor executivo da Agência Internacional de Energia, disse que a medida era “mais um sinal da politização da Rússia dos acordos existentes” e previu que o corte “só aceleraria os esforços europeus para se afastar do fornecimento de energia russo”.
A Gazprom, monopólio russo de exportação de gás, disse em comunicado que “suspendeu completamente o fornecimento de gás à Bulgargaz e PGNiG devido à ausência de pagamentos em rublos”, referindo-se às empresas de gás polonesas e búlgaras. A Polônia e a Bulgária confirmaram que o fornecimento foi cortado.
Polônia e Bulgária na berlinda
“Como todas as obrigações comerciais e legais estão sendo observadas, está claro que no momento o gás natural é usado mais como uma arma política e econômica na guerra atual”, disse o ministro da Energia da Bulgária, Alexander Nikolov.
A Bulgária, que depende quase completamente das importações de gás da Rússia, vem mantendo negociações para importar gás natural liquefeito através da vizinha Turquia e Grécia.
O presidente da Polônia, Andrzej Duda, disse que tem certeza de que uma ação legal será tomada contra a russa Gazprom por quebra de contrato.
“Princípios legais básicos foram quebrados, violados”, disse Duda durante uma visita à capital tcheca, Praga. “As medidas legais apropriadas serão tomadas, e haverá compensação apropriada da Gazprom por violações das disposições do contrato.”
As autoridades da UE agiram rapidamente para tranquilizar os cidadãos. “Não haverá escassez de gás nas casas polonesas”, disse a ministra do Clima da Polônia, Anna Moskwa, no Twitter. O governo da Bulgária também disse que garantiu suprimentos alternativos de gás e prometeu que não haveria restrições domésticas ao consumo.
Em uma entrevista coletiva em Bruxelas, von der Leyen confirmou que tanto a Polônia quanto a Bulgária estavam recebendo gás de outros países. A U.E. fez “planos de contingência” para cortes, disse ela, e as autoridades se reunirão em breve para discutir planos adicionais.
Punições econômicas
Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, a U.E. trabalhou com os Estados Unidos e outros aliados para punir Moscou com sanções, mas os países membros continuam comprando petróleo e gás russos. Estados bálticos e alguns outros países do Leste Europeu pediram um embargo total. Outros, principalmente a Alemanha, resistiram, dizendo que precisam de mais tempo para alinhar suprimentos alternativos.
A perspectiva de cortes adicionais pode dar impulso aos planos da UE. As últimas medidas da Rússia só vão acelerar o objetivo da UE de “eliminar gradualmente” a energia russa, Eduard Heger, primeiro-ministro da Eslováquia, twittou na quarta-feira.
Norbert Röttgen, um legislador da União Democrata Cristã, partido de centro-direita da Alemanha, disse que um embargo de petróleo e gás agora é uma questão de “solidariedade aos países da UE”
Já havia sinais de movimento. Durante uma visita a Varsóvia na terça-feira, o ministro da Economia alemão, Robert Habeck, disse que Berlim está a dias de fechar um acordo que lhe permita encontrar uma alternativa para os 12% do petróleo do país que ainda vem da Rússia.
O possível acordo entre a Alemanha e a Polônia tentaria garantir suprimentos para a refinaria alemã de Schwedt, que é operada pela gigante de energia estatal russa Rosneft, a partir do oleoduto Plock da Polônia.
Jens Suedekum, professor de economia internacional do Instituto de Economia de Düsseldorf e consultor do governo alemão, disse que o momento da ação de Moscou sugere que foi uma retaliação ao acordo.
“A decisão de Putin de cortar o gás da Polônia foi, basicamente, um ato de vingança contra o acordo do gasoduto Plock”, disse Suedekum.
Autoridades ucranianas foram rápidas em criticar a decisão da Gazprom, dizendo que a medida era uma retaliação contra a UE por seu firme apoio a Kiev – especialmente a Polônia, que tem sido particularmente ativa em seu apoio e um centro de distribuição de armas e suprimentos para a Ucrânia.
Autoridades e especialistas há muito se preocupam com o fato de a UE ser demasiado dependente de Moscou para a energia. Os dois países cortados pela Gazprom na terça-feira são especialmente vulneráveis: a Polônia obtém mais de 45% de seu gás natural da Rússia e a Bulgária mais de 70%, segundo dados da UE.
Mesmo que a Rússia não amplie a proibição para outros países, já há consequências na Europa. Os preços do gás no continente subiram até 24% na quarta-feira, colocando pressão adicional nos custos em um momento em que a inflação está em alta e a recuperação pós-Covid está sob ameaça. / W. POST NYT, AP e REUTERS
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