Últimos civis deixam siderúrgica de Azovstal, em Mariupol, e relatam terror vivido: ‘Tudo tremia’

Civis estavam abrigados em bunkers da siderúrgica há mais de dois meses; ‘Tudo tremia’, diz ucraniana sobre sensação nos esconderijos enquanto cidade era bombardeada

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Por Elena Becatoros, Associated Press
Atualização:

ZAPORIZHZHIA - Pálidos e exaustos, os últimos civis abrigados nos bunkers da siderúrgica de Azovstal, localizada em Mariupol, chegaram a cidade de Zaporizhzhia na noite deste domingo, 8. Eles relataram os bombardeios constantes, a comida cada vez mais escassa, o mofo onipresente e o uso de desinfetante para as mãos como combustível para cozinhar.

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Zaporizhzhia é a primeira grande cidade ucraniana localizada além das linhas de frente da guerra. Dez ônibus pararam lentamente nas ruas escuras da cidade neste domingo, com 174 refugiados da área de Mariupol. Entre eles, estavam 31 dos 51 civis retirados da siderúrgica de Azovstal, onde cerca de 2 mil combatentes ucranianos fazem o que parece ser a última resistência da cidade.

Segundo autoridades ucranianas e russas, eles eram os últimos civis do complexo industrial de Azovstal. “Era terrível”, disse Liubov Andropova, de 69 anos. Ela estava em Azovstal desde o dia 10 de março, há quase dois meses. “A água escorria do teto e havia mofo em todos os lugares. Estávamos preocupados com as crianças e com os seus pulmões”, acrescentou.

Civil ucraniano e seu filho desembarcam em Zaporizhzhia neste domingo, 8, depois de serem resgatados de Mariupol. Ao chegar na cidade, eles foram enviados para abrigos temporários Foto: Dimitar Dilkoff / AFP

O bombardeio era constante, e havia medo de que o bunker desmoronasse. “Tudo tremia, não saíamos”, acrescentou Liubov.

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A siderúrgica é a única parte de Mariupol que não está sob controle russo. Graças ao labirinto de túneis e bunkers subterrâneos que a usina possui, muitos civis a escolheram como esconderijo por considerarem um local mais seguro para se proteger do bombardeio sofrido pela cidade portuária, agora destruída.

O ucraniano Dmitro Svidakov se refugiu em um dos bunkers de Azvostal com a esposa e a filha de 12 anos apenas alguns dias depois do início da guerra, em 24 de fevereiro. Mais de dois meses foram necessários para que eles pudessem sair. Outras cerca de 50 a 60 pessoas dividiam o mesmo espaço com a família.

O primeiro mês foi suportável, disse Svidakov. Depois, o bombardeio se intensificou e uma área de armazenamento de alimentos foi explodida. Svidakov e outros ucranianos recorreram à coleta e passaram a buscar alimentos inclusive em armários de trabalhadores. O combustível para cozinhar se tornou raro, mas eles descobriram que o uso de desinfetante para as mãos, com um bom estoque devido à pandemia de coronavírus, poderia substituir.

Refugiados de Azovstal, em Mariupol, em comboio a caminho de Zaporizhzhia, neste domingo, 8 Foto: Gleb Garanich/Reuters

Iehor Chekhonatski, funcionário da siderúrgica que se abrigou no bunker com dois filhos, a esposa e o cachorro afirmou que quando a comida acabou os soldados ucranianos que defendiam Azovstal os ajudaram a sobreviver. “Nós não teríamos sobrevivido de outra forma”, contou. “Não sei quanto tempo poderíamos ter sobrevivido, mas com certeza não seria até hoje”.

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Nos últimos dias, havia apenas macarrão, água e alguns temperos, suficientes para cozinhar sopa uma vez por dia.

Iehor entrou na fábrica com a família no dia 1º de março por segurança, depois de terem escapado por pouco de um bombardeio enquanto passeavam com o cachorro.

Parte dos civis de Azovstal escolheram ficar em Mariupol

Apesar da destruição generalizada de Mariupol, 18 das 51 pessoas retiradas de Azovstal optaram por permanecer na cidade, afirmaram os funcionários da Organização das Nações Unidas (ONU) envolvidos na missão de retirada.

Imagem mostra explosão na siderúrgica de Azovstal, em Mariupol, durante conflito com a Rússia. Imagem é deste domingo, 8 Foto: Alexander Ermochenko / Reuters

Outros dois - um homem e uma mulher - foram detidos pelas forças russas. A mulher, presa sob suspeita de ser uma médica militar, estava viajando com a filha de 4 anos. As duas foram separadas, e a menina chegou a Zaporizhzhia com o restante dos refugiados, disseram autoridades da ONU.

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Além destes, centenas de civis que queriam se juntar ao comboio de retirada de outras áreas mantidas pelas forças russas não conseguiram embarcar porque a Rússia e a Ucrânia não chegaram a um acordo sobre essa retirada. “Foi muito doloroso vê-los esperando e depois não poder se juntar a nós”, disse o coordenador humanitário das ONU, Osnat Lubrani.

“No geral, em um período de 10 dias, conseguimos trazer um total de 600 pessoas em operações de passagem seguras muito complexas, de alto risco e muito sensíveis”, disse Lubrani. Ele acrescentou que a ONU espera poder trazer mais civis fora no futuro. /ASSOCIATED PRESS

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