O último contato que o argentino-israelense Itzik Horn teve com seu filho Yair foi às 6h50 do dia 7 de outubro do ano passado, após ouvir sirenes que indicavam que o grupo terrorista Hamas havia lançado foguetes contra o território israelense.
Em uma breve troca de mensagens, Yair disse que estava seguro em sua casa no Kibutz Nir Oz, que fica a 1,5 km da Faixa de Gaza. No dia seguinte, Horn descobriu que Yair e seu outro filho, Eitan, tinham sido sequestrados e levados para o enclave palestino.
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Nesta segunda-feira, 7, um ano depois dos ataques terroristas do Hamas, Eitan e Yair continuam em Gaza e a perspectiva de um acordo de cessar-fogo que possa tirá-los de Gaza é cada vez mais incerta.
“A sensação que fica é que a guerra é contra o Hamas mas a batalha é contra o governo de Binyamin Netanyahu, que não está disposto a firmar um acordo”, destaca Itzik Horn, em entrevista ao Estadão.
As críticas dos familiares dos reféns à atuação do governo israelense fazem parte dos traumas deixados pelos ataques terroristas do Hamas, que seguem escancarados em Israel.1,2 mil pessoas morreram e 250 foram sequestradas. 101 continuam em Gaza.
Em resposta ao maior ataque terrorista da história do país e o maior contra judeus desde o Holocausto, Israel iniciou uma ofensiva na Faixa de Gaza que já deixou mais de 40 mil mortos. No norte de Israel, 60 mil pessoas foram deslocadas de suas casas por conta de bombardeios da milícia xiita radical libanesa Hezbollah e o Exército israelense lançou uma ofensiva terrestre no sul do Líbano. O país também troca ataques diretos com o Irã, que bombardeou o território israelense com 181 mísseis balísticos no começo de outubro.
Reféns argentinos
A última notícia que a família de Eitan e Yair Horn recebeu sobre o paradeiro dos dois irmãos foi em novembro do ano passado, após o primeiro acordo de cessar-fogo e troca de reféns entre Israel e o grupo terrorista Hamas. Mulheres israelenses que foram libertadas do cativeiro relataram que eles estavam vivos e não estavam feridos. Desde então, quase um ano sem novas notícias.
Eitan e Yair estavam no Kibutz Nir Oz durante o sequestro, um dos locais mais devastados pelos terroristas do Hamas. Das 400 pessoas que moravam no Kibutz, mais de 100 morreram ou foram levadas para Gaza. Yair morava em Nir Oz e Eitan tinha ido visitar durante o final de semana.
“As 12h do dia 7 de outubro o Exército informou que terroristas estavam em Nirim, que é do lado de Nir Oz. Tentei ligar para Yair, mas ninguém atendeu”, afirma Itzik Horn. Apenas no dia 8 Horn conseguiu coletar mais informações sobre seus filhos. “Uma pessoa do Kibutz me disse que estavam procurando os meus filhos. Eles não estavam entre os cadáveres, não apareceram em nenhum vídeo ou foto do Hamas e também não estavam nos hospitais próximos. Um mês depois, o Exército confirmou que estavam desaparecidos”.
Esta não é a primeira vez que um ataque terrorista afeta a vida de Itzik Horn. O argentino-israelense trabalhava na Associação Mutual Israelita Argentina, a AMIA, em Buenos Aires no ano de 1994, quando um atentado terrorista atribuído pela Justiça argentina ao Irã e o Hezbollah explodiu o prédio da associação e matou 85 pessoas. Horn só sobreviveu ao maior atentado terrorista da história da Argentina porque tinha se atrasado e estava no metrô quando o prédio explodiu.
Sem informações sobre Shiri Bibas
No mesmo Kibutz que Yair e Eitan foram sequestrados, a família Bibas também viveu momentos aterrorizantes. Yarden e Shiri Bibas e seus filhos, Ariel e Kfir, foram levados para a Faixa de Gaza.
Em um dos vídeos mais compartilhados sobre os reféns em Gaza, Shiri aparece abraçando os seus filhos Ariel, de cinco anos, e Kfir, bebê de um ano que é o mais jovem refém israelense, após chegar no enclave palestino. O marido de Shiri, Yarden, também apareceu em vários vídeos do Hamas, um deles em um aparente linchamento em Gaza.
O primo de Shiri Bibas, Jimmy Miller, estava voltando dos Estados Unidos quando descobriu sobre os atentados terroristas do Hamas. Seus tios (pais de Shiri Bibas) morreram durante os ataques. “Meu sobrinho me ligou e disse que Shiri tinha sido sequestrada. Ele me enviou o vídeo dela em Gaza”, disse Miller, em entrevista ao Estadão.
Alguns minutos depois Miller recebeu uma ligação desesperada de sua mãe. Ela havia ligado para familiares no Kibutz Nir Oz e o telefone tinha sido atendido por um terrorista do Hamas. “O terrorista gritou ‘morta, morta, morta’ depois que atendeu o telefone que era da minha tia”, relembra Miller.
O primo de Shiri destacou que cada família dos sequestrados tem um oficial do Exército que fornece novas informações sobre o paradeiro dos reféns, mas eles não receberam nada de Shiri Bibas e nem de seus filhos.
Segundo o grupo terrorista Hamas, os três teriam morrido em decorrência de um bombardeio israelense, mas Israel não confirmou a morte e as FDI consideram que eles estão vivos. Em um vídeo considerado uma tática de guerra psicológica, Yarden Bibas aparece chorando após terroristas do Hamas contarem que sua esposa e seus filhos supostamente teriam morrido.
Críticas a Netanyahu
Os dois familiares de reféns entrevistados pelo Estadão criticaram a atuação do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu nas negociações por um cessar-fogo.
Para Jimmy Miller, primo de Shiri Bibas, o governo Netanyahu perdeu o timing certo para fazer um acordo de trégua. “Eles tinham que ter continuado o acordo que fizeram em novembro do ano passado. Agora vai ser bem complicado tirar alguém de lá”.
Segundo Estados Unidos, Egito e Catar, países que atuam como mediadores nas negociações, Hamas e Israel se mostraram relutantes ao longo das negociações e recusaram propostas de cessar-fogo no último ano. O último ponto de discordância seria uma possível presença israelense no chamado Corredor Filadélfia, faixa de terra que fica entre o Egito e a Faixa de Gaza. Israel quer garantir que o local não seja um ponto de contrabando de armas e o grupo terrorista não aceita a presença israelense na faixa de terra.
O primeiro-ministro realizou diversas reuniões com familiares de reféns, mas os resultados destes encontros não foram satisfatórios. Itzik Horn apontou que participou de apenas uma reunião com Netanyahu, mas não gostou do que ouviu.
“Eu não senti nenhum tipo de empatia do primeiro-ministro. Essa reunião não fez diferença nenhuma”, destacou o pai de Eitan e Yair. Segundo ele, Netanyahu defendeu durante o encontro que uma maior pressão militar contra o grupo terrorista Hamas iria colocar Israel em uma melhor posição para negociar. “Me parece mais uma de muitas desculpas do primeiro-ministro, Israel sabia que teria que pagar um alto preço pela volta dos reféns, o Hamas não vai devolvê-los alegremente”.
Sociedade israelense
A luta pela volta dos reféns é mais um tema que divide a sociedade israelense. Antes dos ataques terroristas de 7 de outubro Israel já havia alcançado um alto grau de polarização por conta da polêmica coalizão de Netanyahu e uma proposta de reforma do judiciário que reduzia os poderes da Suprema Corte.
“Geralmente uma guerra contra um inimigo de fora gera um sentimento de união interna. Em Israel isso aconteceu, mas não por muito tempo”, avalia Yuval Benziman, professor do departamento de direito internacional e resolução de conflitos da Universidade Hebraica de Jerusalém. “Depois de um período curto, as pessoas voltaram a perceber que eram diferentes”.
Segundo Benziman, muitos israelenses favoráveis ao primeiro-ministro Binyamin Netanyahu enxergam manifestações pela volta dos reféns como protestos contra o atual governo. “Israelenses pró-governo chegaram a jogar ovos nas famílias dos sequestrados em manifestações”.
A maioria das famílias dos sequestrados apontam que uma pressão militar em Gaza e mais recentemente no Líbano pode ser prejudicial à volta dos sequestrados. Partidários mais extremistas do governo Netanyahu, como o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, e o ministro da Economia, Bezalel Smotrich, declararam que poderiam sair da coalizão e acabar com a maioria de Netanyahu no Parlamento israelense, a Knesset, se o primeiro-ministro fizesse um acordo com o Hamas.
Saiba mais
Planejamento
O principal problema da atuação de Israel na guerra, segundo analistas, é que um ano depois do início do conflito Tel-Aviv não tem uma estratégia clara em sua luta contra o grupo terrorista Hamas e a milícia xiita radical libanesa Hezbollah.
“Israel não fala o que quer atingir, não tem uma visão sobre como quer transformar o Oriente Médio”, destaca Benziman. “É possível ter grandes conquistas a nível militar, mas se não se um país não sabe como quer sair da guerra, nunca terá sucesso”.
Tanto em Gaza como no sul do Líbano, Israel conseguiu obter ganhos significativos do ponto de vista militar, mas dificilmente só a ação militar vai garantir estabilidade e segurança no país. Acabar com um grupo terrorista como o Hamas é improvável sem o oferecimento de uma alternativa viável.
Israel destruiu grande parte da infraestrutura do Hamas e dos túneis de Gaza, mas o Hamas continua existindo e não vai a lugar algum, avalia Hugh Lovatt, analista especializado em Oriente Médio do European Council on Foreign Relations. “Já ficou claro que apenas uma alternativa militar não vai funcionar, se não Israel vai enfrentar o mesmo dilema em dois ou três anos quando estiver lidando com o Hamas de novo”.
De acordo com Lovatt, a mesma lógica se aplica ao Hezbollah. Israel teve várias vitórias táticas contra o grupo radical libanês nas últimas semanas como a explosão de pagers e walkie-talkies de integrantes do grupo e o assassinato de Hassan Narsallah, chefe do Hezbollah, mas isso não vai garantir o retorno dos moradores do norte de Israel para suas casas.
“O governo israelense se recusa a fazer o cálculo de que apenas um cessar-fogo em Gaza e consequentemente no Líbano vai fazer com que os objetivos no norte de Israel sejam cumpridos”, pondera Lovatt.
O futuro de Netanyahu
O futuro do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu também é incerto. Antes dos ataques de 7 de outubro, o primeiro-ministro se gabava do apelido de “senhor segurança”, mas esta retórica mudou após os atos terroristas do Hamas e muitos israelenses pediram novas eleições em Israel, incluindo líderes opositores como Benny Gantz e Yair Lapid, que estavam em uma situação mais favorável nas pesquisas.
Mas os recentes ganhos militares contra o Hezbollah deram um respiro ao primeiro-ministro, que melhorou nas pesquisas de opinião, segundo um levantamento do Canal 12 de Israel. O Likud, partido de Netanyahu, lideraria em número de cadeiras no Parlamento com 25, mas não conseguiria formar uma coalizão.
“Netanyahu é um sobrevivente na política”, afirma Lovatt. “Seu cálculo é bem simples: ele precisa ganhar tempo para recuperar o seu apoio político. Enquanto Israel estiver em guerra, no norte ou no sul, essa será uma desculpa para não chamar eleições em Israel”.
Se sua coalizão não for destituída em Israel, Netanyahu só será obrigado a convocar novas eleições em outubro de 2026. Atualmente ele tem uma maioria de 68 cadeiras de 120 no Parlamento.
“O foco de Netanyahu no Líbano está ajudando o primeiro-ministro , mas ele ainda está vulnerável. Se ele acabar a guerra sua coalizão pode cair e os israelenses verão que sua estratégia militar não conseguiu atingir todos os objetivos”, completa Lovatt.
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