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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião | Inteligência artificial é novo teste para a democracia global; leia coluna de Lourival Sant’Anna

Para que a democracia funcione, a sociedade precisa estar de acordo sobre os fatos

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Foto do author Lourival Sant'Anna

Neste ano, quatro em cada dez habitantes do planeta terão a chance de votar em eleições nacionais. Isso não significará uma celebração da democracia. Apenas 8 dos 50 países que terão eleições nacionais são considerados democracias plenas. Será também o ano da popularização da geração de imagens por inteligência artificial, e de seu emprego em massa nas campanhas eleitorais.

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Entre as democracias plenas estão o Reino Unido, Taiwan e o Uruguai, segundo o critério da Unidade de Inteligência da revista Economist. Os Estados Unidos estão incluídos na categoria de “democracias falhas”, que somam 21 países, e incluem a Índia, a Indonésia e a África do Sul.

Nove são “regimes híbridos”, entre eles, El Salvador, Paquistão e Tunísia, celebrada inicialmente como a única democracia resultante da Primavera Árabe. Por fim, há 15 regimes autoritários, que realizam eleições para forjar uma aparência falsa de legitimidade, como é o caso de Venezuela, Rússia, Irã e Ruanda.

O ex-presidente dos EUA Donald Trump aponta para os apoiadores durante um comício em 19 de dezembro de 2023, em Waterloo, Iowa.  Foto: Charlie Neibergall / AP

Que a democracia mais antiga, os Estados Unidos, e a maior, a Índia, sejam classificadas como “falhas” diz muito sobre o estado de coisas. Os problemas na democracia americana ocupariam uma coluna inteira, mas basta dizer isso: o ex-presidente Donald Trump é considerado o favorito nas eleições deste ano depois de ter tentado um golpe em 2021.

Quanto à Índia, o primeiro-ministro Narendra Modi, no cargo há quase dez anos, tem trabalhado para solapar os direitos da minoria muçulmana e reforçar a base nacionalista hinduísta que sustenta seu partido, BJP.

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É muito melhor viver em uma democracia falha do que em um regime híbrido, que por sua vez é bem menos ruim do que uma ditadura.

Há os problemas estruturais na democracia de cada país. Há as estratégias de perpetuação no poder de líderes políticos que incentivam a polarização e a identificação cultural para governar sem ter de prestar contas sobre resultados. E há a criação de realidades paralelas.

Na campanha de 2016, o regime russo empregou hackers e agentes de contrainteligência para fragilizar a campanha de Hillary Clinton, que como secretária de Estado havia apoiado publicamente as manifestações pró-democracia na Rússia. Uma investigação do jornal The New York Times mostrou, por exemplo, o estrago feito por posts impulsionados com apenas US$ 100 mil no Facebook.

Um relatório das agências de inteligência americanas apontou forte atuação de agentes chineses, russos e cubanos nas eleições para toda a Câmara dos Deputados e um terço do Senado em 2022. O intuito era prejudicar candidatos favoráveis aos direitos humanos, a Taiwan e à Ucrânia.

Dois dias depois da posse de Trump, a então conselheira do presidente, Kellyanne Conway, foi pressionada pelo entrevistador Chuck Todd, da NBC, sobre a informação falsa de que o evento havia reunido mais pessoas que o de Barack Obama.

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Apoiadores da Aliança Inclusiva para o Desenvolvimento Nacional Indiano (INDIA) participam de um protesto "Salve a Democracia" em Nova Délhi, Índia, em 22 de dezembro de 2023.  Foto: RAJAT GUPTA / EFE

Conway respondeu: “Não seja excessivamente dramático em relação a isso, Chuck. Você diz que é uma falsidade, e o nosso porta-voz, Sean Spicer, forneceu fatos alternativos a isso.” Todd rebateu: “Repare, fatos alternativos não são fatos. São mentiras”.

Desde então, a noção de que se pode discordar a respeito de fatos se normalizou. Essa normalização pavimentou perigosamente o caminho para o abuso do chamado “deep fake”, vídeos que envolvem personagens verdadeiros em enredos falsos. A geração de imagens por inteligência artificial facilita a criação desses vídeos.

Para que a democracia funcione, a sociedade precisa estar de acordo sobre os fatos. A partir deles, haverá opiniões diversas. Se os fatos forem os mesmos para todos, é possível negociar soluções. Se não houver consenso sobre os fatos, não há terreno comum para a negociação.

A polarização baseada na política identitária condena à negociação, por considerar o adversário político um inimigo, alguém que, se não for destruído, destruirá o oponente. O “deep fake” é visto como uma arma legítima nessa guerra sem regras.

Cabe ao Congresso criar leis para coibir esse abuso; à polícia, ao Ministério Público e à Justiça se capacitarem para colocar essas leis em prática; e ao jornalismo, exercer o seu papel de separar fatos de mentiras.

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Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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