Um Trump frustrado ataca aliados a portas fechadas por causa de dinheiro

Na reta final da campanha nos EUA, republicando diz estar ofendido, desvalorizado pelos doadores e cercado por preocupações de segurança

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Por Jonathan Swan (The New York Times), Maggie Habberman (The New York Times) e Shane Goldmacher (The New York Times)
Atualização:

Donald Trump sentou-se à mesa de jantar em sua cobertura na Trump Tower, no último domingo de setembro, com algumas das figuras mais requisitadas e abastadas do Partido Republicano.

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Lá estavam os bilionários Paul Singer, administrador de fundo hedge que financia campanhas republicanas e causas pró-Israel, e Warren Stephens, banqueiro de investimentos. Ao seu lado, a bilionária Betsy DeVos, ex-secretária da Educação no governo Trump, e seu marido, Dick, assim como o bilionário Joe Ricketts e seu filho Todd.

Alguns políticos poderiam ter aproveitado o momento para despejar charme sobre os doadores tentando seduzi-los.

Imagem deste domingo, 13, mostra o ex-presidente Donald Trump durante um comício no Arizona. Republicano mostrou frustração e irritação durante jantar com convidados Foto: Evan Vucci/AP

Trump não. Entre filés e batatas assadas, o ex-presidente discorreu sobre uma amarga lista de ressentimentos.

Deixou claro que as pessoas, incluindo os doadores, tinham de se esforçar mais, elogiá-lo mais e ajudá-lo mais.

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Difamou a vice-presidente Kamala Harris chamando-a de “retardada”. Reclamou da quantidade de judeus que ainda a apoiam afirmando que eles precisam passar por exames psiquiátricos por não apoiá-lo apesar de tudo que ele tem feito pelo Estado de Israel.

Num determinado ponto, Trump pareceu sugerir que esses doadores têm muito a lhe agradecer. Vangloriou-se por tê-los ajudando tanto em relação aos seus impostos, algo que alguns dos presentes notaram privadamente que não era verdadeiro para todos no recinto.

Essa retórica inflamada — descrita por sete fontes informadas a respeito do jantar, que falaram sob condição de anonimato para discutir conversas privadas — enfatizou uma realidade a três semanas do Dia da Eleição: o temperamento frequentemente intratável e irascível de Trump na reta final da campanha. E um dos motivo de sua frustração é o dinheiro. Ele levantou menos recursos do que sua rival democrata até aqui e tem enfrentado dificuldades para dar continuidade à arrecadação.

Harris não apenas tem mais dinheiro para comprar publicidade e pagar sua equipe após levantar US$ 1 bilhão e menos de três meses como candidata — uma quantia maior que o total arrecadado por Trump desde o início do ano. Ela também deixou de ter que fazer pedidos diretos a doadores. Em julho, agosto e setembro, Harris arrecadou pelo menos duas vezes mais dinheiro do que Trump.

Quase no mesmo momento que o ex-presidente sentava-se à mesa do jantar na Trump Tower, a vice-presidente subia no palco do salão de baile do JW Marriott de Los Angeles, a 4,8 mil quilômetros de lá, num evento em que ela arrecadou US$ 28 milhões.

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Foi o último evento de arrecadação de recursos que ela marcou até a eleição, afirmaram seus conselheiros.

Trump continua numa disputa apertada, e um comunicado emitido por sua campanha nesta semana afirmou que ele lidera em todos os Estados indefinidos, apesar de suas vantagens em todas as pesquisas citadas oscilar dentro da margem de erro. Sua campanha tem vinculado Harris ao presidente Joe Biden mais claramente e argumentado que ela não conseguiu avançar com sua agenda em três anos e meio como vice-presidente. E Trump tem ficado mais à vontade em ligar para doadores atrás de dinheiro neste ciclo eleitoral do que no passado.

Imagem desta segunda-feira, 14, mostra apoiador de Donald Trump em evento de campanha na Pensilvania. Estado é chave para vitória nas eleições americanas Foto: Michelle Gustafson/NYT

Ainda assim, o ex-presidente tem reclamado da quantidade de tempo que tem tido de gastar levantando recursos, furioso por não estar trilhando o caminho que lhe dá energia: seus comícios.

Essa tensão tem se acentuado desde que a campanha de Trump teve de alterar alguns de seus eventos por causa das crescentes ameaças à segurança do candidato. Em razão dessas ameaças, Trump deixou de jogar golfe, seu lazer preferido, até o fim da campanha.

Procurada pela reportagem, a porta-voz do ex-presidente Karoline Leavitt não comentou o jantar de Trump com os bilionários, mas afirmou que ele venceu no passado gastando menos que sua adversária e, novamente, previu sua vitória.

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“Se dinheiro garantisse sucesso nas urnas, Hillary Clinton teria virado presidente”, afirmou Leavitt. “Kamala Harris gastou centenas de milhões de dólares e ainda desempenha pior do que os outros democratas que concorreram com o (ex-)presidente Trump. Ao mesmo tempo, o (ex-)presidente Trump está na melhor posição financeira que jamais esteve — e lidera nas pesquisas.”

Trump não pediu dinheiro diretamente durante o jantar na Trump Tower, que teve entre os convidados membros da American Opportunity Alliance, uma rede de doadores republicanos. Alguns saíram do jantar decepcionados com o comportamento do ex-presidente, mas nada indicou que a interação alteraria de alguma maneira suas doações.

“O (ex-)presidente Trump estava em boa forma”, afirmou em um comunicado Todd Ricketts, cuja família é proprietária do Chicago Cubs. “O jantar foi ótimo, e nós saímos de lá mais determinados do que nunca em ajudá-lo a retornar para a Casa Branca.”

Uma fonte familiarizada com o pensamento de Trump afirmou que seus comentários refletiram sua percepção de que ele conversava com um grupo de doadores cujas redes tinham apoiado majoritariamente seus rivais nas primárias.

E nem as falas mais cáusticas de Trump pareceram provocar algum choque. Um judeu que compareceu ao evento disse ao ex-presidente que, se ele estava frustrado com os eleitores judeus, deveria imaginar como seus apoiadores judeus de direita estavam se sentindo, de acordo com uma fonte ciente das conversas.

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O comparecimento de DeVos chamou a atenção em parte porque ela se demitiu do gabinete de Trump no dia seguinte ao ataque ao Capitólio dos Estados Unidos, de 6 de janeiro de 2021, criticando a retórica que antecedeu a violência.

Imagem de 2023 mostra o ex-presidente Donald Trump jogando golfe no seu clube de golfe em Bedminster, Nova Jersey. Republicano está proibido de jogar depois de tentativa de assassinato Foto: Doug Mills/NYT

Neste mês, Trump se viu forçado a passar o chapéu durante eventos em Estados de maioria republicana. Três dias após aquele jantar na Trump Tower, o ex-presidente viajou para o Texas para participar de eventos de arrecadação de recursos em Houston e Midland. No mesmo dia, Harris viajou para a Geórgia, um Estado indefinido, para falar sobre os esforços de recuperação após a passagem do furacão Helene.

Na próxima quarta-feira, Trump tem marcado um “jantar à luz de velas” em seu clube em Mar-a-Lago, para convidados que doarem ou levantarem US$ 924,6 mil. Quem contribuir com US$ 250 mil poderá se sentar a uma mesa-redonda privada. Trump também deverá participar de uma recepção maior, para colaboradores mais modestos — que pingarem pelo menos US$ 5 mil. No mesmo dia, Harris fará campanha no crucial Estado indefinido da Pensilvânia, de acordo com uma fonte ciente dos planos da vice-presidente.

Trump tem se mostrado ansioso em relação ao montante que os democratas arrecadariam antes mesmo de Harris substituir o presidente Biden na cabeça de chapa e atrair uma torrente de doações.

Em julho, Trump mandou uma série de mensagens de texto grosseiras para Miriam Adelson, viúva do magnata dos cassinos Sheldon Adelson e doadora que já estava gastando milhões de dólares para apoiá-lo. Eles já fizeram as pazes, mas anteriormente este ano Trump disse a pessoas próximas esperar que ela doe US$ 250 milhões, uma quantia de cair o queixo vinda de um só colaborador, de acordo com uma fonte ciente da quantia mencionada pelo ex-presidente.

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Exigências tão absurdamente enormes tornaram-se um hábito de Trump. Em uma reunião em abril, em Mar-a-Lago, com representantes de grandes empresas de petróleo e gás natural, Trump disse aos executivos que suas políticas os beneficiavam tanto que eles deveriam levantar US$ 1 bilhão para sua campanha.

Trump, cujos ativos fazem dele um bilionário, não financiou sua própria campanha depois de 2016, nem se soube de alguma doação dele para seu principal comitê de ação política, o Save America, que tem pagado despesas jurídicas relacionadas aos seus indiciamentos e a um julgamento criminal que resultou em condenações por delitos graves.

Nos últimos três meses, Harris arrecadou mais que o dobro do que Trump, uma vantagem que se fez notar online, na TV e nas portas dos eleitores em importantes Estados indefinidos. Nos 90 dias recentes, por exemplo, Harris gastou mais de US$ 77 milhões anunciando em plataformas da Meta, incluindo o Facebook e o Instagram. Trump gastou apenas uma fração em relação à rival, US$ 9 milhões, segundo registros da empresa.

A vice-presidente gastou mais que o dobro do que Trump na TV em setembro, de acordo com o serviço de monitoramento de publicidade AdImpact: US$ 101,6 milhões, contra US$ 48,3 milhões. Em outubro e novembro, porém, o republicano deverá quase igualar os gastos de Harris, de acordo com as atuais reservas de espaço.

A equipe de Trump parece ter encontrado maneiras de poupar dinheiro na reta final. Por exemplo, o ex-presidente deverá comparecer como “convidado especial” a um comício organizado em 23 de outubro por um grupo aliado, o Turning Point PAC, que é capaz de bancar os custos do evento.

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Trata-se da mesma estratégia que a pré-campanha presidencial do governador Ron DeSantis, apertada de dinheiro, usou durante as primárias do Partido Republicano. Outro grupo, o Building America’s Future, organizou no fim de semana passado uma “mesa-redonda hispânica” em Nevada à qual Trump compareceu como convidado.

E ainda que o ex-presidente tenha se beneficiado com algumas doações de bilionários, como Timothy Mellon, o recluso herdeiro de banco que doou mais de US$ 125 milhões para super-PACs em prol do candidato republicano, os super-PACs democratas também estão cheios da nota. Dito isto, os grupos pró-Harris se programaram para gastar 30% mais do que as forças pró-Trump em outubro e novembro na TV, de acordo com o AdImpact.

Ainda assim, o jantar com bilionários do mês passado apontou para o vigor de Trump em remodelar um partido cujos doadores passaram majoritariamente a aceitar os rompantes do ex-presidente à medida que consideram a derrota de Harris cada vez mais um imperativo crucial.

Depois do jantar de 29 de setembro, Singer, que já tinha doado US$ 5 milhões para um super-PAC pró-Trump, saiu do evento com uma mensagem clara à sua rede de doadores, de acordo com uma fonte ciente das conversas: foi implorar-lhes que doassem massivamente para os republicanos — e para Trump. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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