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Uma aliança de autocracias: China tenta liderar uma nova ordem mundial

Enquanto o presidente americano Joe Biden promete fortalecer a aliança entre democracias e opositores, Pequim luta do outro lado

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Por Steven Lee Myers

WASHINGTON - Dias depois de um encontro virulento com autoridades americanas no Alasca, o ministro das Relações Exteriores da China se reuniu com seu colega russo na semana passada para denunciar as intromissões e sanções ocidentais.

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Em seguida, ele partiu para o Oriente Médio, onde visitou aliados tradicionais dos Estados Unidos, como Arábia Saudita e Turquia, e também o Irã, tendo assinado um acordo de investimentos com os iranianos no sábado, 27. Num dia, o líder chinês Xi Jinping ofereceu ajuda a Colômbia e no outro prometeu apoio à Coreia do Norte.

Embora as autoridades neguem que toda essa agenda foi intencional, a mensagem clara é de que a China pretende se posicionar como o principal desafiante de uma ordem internacional liderada pelos Estados Unidos, guiada pelos princípios da democracia, do respeito aos direitos humanos e por uma adesão rigorosa ao Estado de Direito.

Esse sistema “não representa a vontade da comunidade internacional”, disse Wang Yi a Sergey Lavrov quando se reuniram na cidade de Guilin, ao sul da China.

Mensagem clara é de que a China pretende se posicionar como o principal desafiante de uma ordem internacional liderada pelos Estados Unidos Foto: Tingshu Wang/REUTERS

Num comunicado conjunto, eles acusaram os Estados Unidos de intimidação e intromissão e insistiram para o país “refletir sobre os danos que já provocou para a paz e o desenvolvimento globais nos últimos anos”.

A ameaça de uma coalizão liderada pelos Estados Unidos desafiar as políticas autoritárias chinesas só veio intensificar as ambições de Pequim de se tornar um líder global de nações que se opõem a Washington e seus aliados. O que mostra uma China cada vez mais confiante e arrogante, que não só refuta as críticas dos Estados Unidos em relação aos seus assuntos internos, mas que apresenta seus próprios valores como modelo para os outros.

“Eles na verdade procuram criar um argumento do tipo, ‘somos a potência mais responsável. Não somos saqueadores e nem o eixo do mal'', afirma o professor de estudos chineses na universidade Yonsei em Seul, Coreia do Sul, John Delury.

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Como resultado, o mundo está cada vez mais dividido em dois campos distintos, se não puramente ideológicos, com China e Estados Unidos buscando atrair seguidores.

Na última quinta-feira, 25, em sua primeira conversa com a imprensa como presidente, Joe Biden deixou isto claro, quando apresentou uma política externa baseada em competição geopolítica entre modelos de governança. Comparou Xi ao presidente russo Vladimir Putin, “que acha que a autocracia é a onda do futuro e a democracia não funciona em um mundo cada vez mais complexo”.

Depois falou que o desafio é “uma batalha entre a utilidade das democracias no século 21 e as autocracias”.

O ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, e seu colega russo, Sergey Lavrov, se encontraram para denunciarintromissões e sanções ocidentais Foto: Alexei Druzhinin/Kremlin via REUTERS

A China, por seu lado, argumenta que são os Estados Unidos que dividem o mundo em blocos. Xi deu o tom da conversa logo depois da posse de Biden, afirmando no Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, que o multilateralismo deve se basear no consenso entre muitos países, não na visão de “um ou alguns”.

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“Criar pequenos círculos ou iniciar uma nova Guerra Fria, rejeitar, ameaçar ou intimidar os outros, impor uma desvinculação, uma interrupção do fornecimento, ou sanções, para criar um isolamento ou um divórcio só levará o mundo para divisões e confrontos”, afirmou Xi.

Ao rejeitar as críticas das suas políticas nos últimos dias, a China tem defendido a primazia de organizações internacionais como as Nações Unidas, onde a influência de Pequim tem se intensificado.

Wang observou que mais de 80 países do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas declararam apoio às ações da China em Xinjiang, região onde as autoridades têm detido e internado muçulmanos uigures, numa campanha que os Estados Unidos qualificaram como genocídio.

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O mais surpreendente alinhamento da China é com a Rússia, onde Putin há muito tempo se queixa da hegemonia americana e o seu uso – na sua opinião, abuso – do sistema financeiro global como instrumento de política externa.

O ministro do Exterior da Rússia chegou à China em 22 de março, criticando duramente as sanções americanas e afirmando que o mundo precisa reduzir sua dependência do dólar americano.

Joe Biden comparou Xi ao presidente russo Vladimir Putin, “que acha que a autocracia é a onda do futuro e a democracia não funciona em um mundo cada vez mais complexo” Foto: Jim Watson/AFP

Desde a eleição de Biden, a China tem procurado impedir que os Estados Unidos formem uma frente unida contra ela. E apelou ao novo governo para retomarem a cooperação depois dos confrontos durante os anos Trump. Firmou acordos comerciais e de investimento, incluindo um com a União Europeia, esperando frear Biden.

O que não deu certo. Os primeiros resultados da estratégia adotada por Biden surgiram na semana passada quando os Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Europeia anunciaram conjuntamente sanções contra autoridades chinesas no caso de Xinjiang. A condenação pela China foi rápida.

“A era em que era possível inventar uma história e forjar mentiras para se intrometer nos assuntos domésticos chineses já passou e não retornará”, disse Wang.

A China retaliou com sanções contra autoridades eleitas e estudiosos da União Europeia e Grã-Bretanha. Penalidades similares foram adotadas no sábado contra canadenses e americanos, incluindo pessoas no alto comando na Comissão Internacional para a Liberdade Religiosa, órgão governamental que realizou uma audiência este mês sobre o trabalho forçado em Xinjiang. Todos os envolvidos estão proibidos de viajar para a China ou realizar negócios com indivíduos ou empresas chinesas. /Tradução de Terezinha Martino