Análise | Ditadura de Maduro vai deixar que eleição na Venezuela seja diferente desta vez?

Para o bem ou para o mal, a eleição marcada para 28 de julho mudará a Venezuela, com implicações enormes para os Estados Unidos e todo o Hemisfério Ocidental

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Por Andrés Gluski e Susan Segal

É triste, mas é verdade: ficou fácil para o mundo ignorar a Venezuela. A ruína em câmera lenta do país sul-americano descambando para a ditadura, a fome e o êxodo de quase um quinto de sua população tornou-se um novo normal. Esforços dos governos Trump e Biden para ameaçar o regime de Nicolás Maduro ou forçá-lo a deixar o poder fracassaram repetidamente. Eleições venezuelanas ao longo dos 20 anos recentes foram não apenas injustas, mas também, pode-se argumentar, fraudulentas.

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Mas há sinais de que desta vez a coisa vai ser diferente. Para o bem ou para o mal, a eleição marcada para 28 de julho mudará a Venezuela, com implicações enormes para os Estados Unidos e todo o Hemisfério Ocidental. Quer Maduro roube a eleição diretamente ou permita uma transição democrática, o status quo dos anos recentes não perdurará, ocasionando consequências imprevisíveis para a imigração e a estabilidade regional — justamente no momento que a campanha da eleição americana entrará na reta final.

O que torna a coisa diferente neste momento? Pela primeira vez desde 1998, quando o antecessor de Maduro, Hugo Chávez, chegou ao poder, existe uma oposição venezuelana fundamentada em apoios de base, com uma única líder: María Corina Machado. Isso é especialmente surpreendente, já que o governo Maduro nunca foi tão repressivo e tem feito tudo que pode para suprimir a dissidência: negando à oposição acesso pleno a meios de comunicação de massa, incluindo emissoras de TV, rádios e publicidades impressas; prendendo funcionários de campanhas; e até negando a candidatos o direito de se hospedar em hotéis quando visitam cidades pelo país. E mesmo assim pesquisas independentes mostram mais de 80% de apoio a María Corina Machado e cerca de 15% a Maduro. A diferença é tão grande que virtualmente nenhum venezuelano acreditará em Maduro se ele eventualmente se declarar vencedor. No passado, as margens foram sempre muito menores, digamos de 55% a 45%, o que facilitava muito se safar com uma fraude eleitoral. O que não é o caso hoje.

Apoiadores de Nicolás Maduro participam de um comício em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

Evidentemente, o governo Maduro tem se movimentado. O regime desqualificou Machado no ano passado com base em acusações inventadas e, no fim de março, impediu a sucessora que ela indicou, Corina Yoris, uma acadêmica respeitada, de concorrer na disputa. Finalmente, Edmundo González Urrutia, um ex-diplomata experiente, foi escolhido para assumir seu lugar. Apesar do banimento da oposição em relação à publicidade e aos meios de comunicação, pesquisas indicam que o público em geral entendeu seu papel, e González aparece em ascensão nas pesquisas, concentrando mais de 55% das intenções.

Campanha

Enquanto isso, Machado tem viajado pelo país apesar dos obstáculos para propagar sua mensagem. Seu slogan se dirige a políticas partidárias do passado e chega diretamente aos corações das famílias venezuelanas: “Vamos trazer de volta nossos filhos e filhas”. O que reflete o desejo do país de reverter o êxodo de 8 milhões de pessoas, cidadãos majoritariamente jovens e talentosos que saíram em busca de oportunidades. A Venezuela é atualmente a segunda maior fonte de imigrantes indocumentados atravessando a fronteira americana, atrás do México.

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Isso colocou Maduro e seus associados numa situação difícil. A origem de seu dilema remonta aos “Acordos de Barbados”, assinados em outubro, nos quais os chavistas se comprometeram a organizar eleições “livres e justas” em troca de uma suspensão parcial nas sanções dos EUA às indústrias petroleira, mineradora e de outras áreas vitais. A Venezuela foi no passado um dos maiores exportadores de petróleo do planeta, mas após 25 anos de corrupção e clientelismo, a produção caiu de quase 3 milhões de barris ao dia para menos de 1 milhão. Esse declínio ocorreu em grande medida antes das sanções americanas serem aplicadas sobre o setor. O governo Biden restaurou algumas dessas medidas em abril, mas deixou a porta aberta para parte da produção de petróleo venezuelana tentando oferecer a Maduro incentivos para ir adiante com a eleição.

A líder da oposição Maria Corina Machado participa de uma coletiva de imprensa ao lado do candidato a presidência, Edmundo Gonzalez Urrutia, em Caracas, Venezuela  Foto: Gabriela Oraa/AFP

Repressão

Muitos em Washington e outras capitais das Américas acreditam que Maduro, com a ajuda de seus aliados de Cuba e Rússia, impedirá a oposição por meio de manipulação e repressão pesada, como já ocorreu no passado. Contudo, pesquisas e evidências concretas sugerem que o processo eleitoral venezuelano já surtiu consequências inesperadas e pode ter escapado de seu controle absoluto pelo menos temporariamente.

Uma transição há muito aguardada

Neste momento parece improvável que o regime de Maduro aceite o resultado da eleição e se torne um partido de oposição pacificamente. Dezenas de bilhões de dólares demais foram desviados para contas no exterior; gente demais foi presa injustamente; gente demais foi assassinada extrajudicialmente. Os piores infratores temerão ter de escolher entre pagar por seus crimes ou perder sua riqueza obtida ilicitamente. Mas há relatos dando conta de que outros integrantes do chavismo podem estar interessados em negociar algum tipo de saída, talvez trocando impunidade e exílio por uma transição democrática. Eles podem perceber que a Venezuela não é a Coreia do Norte: até que ponto um Exército composto de conscritos oriundos de classes populares continuará leal aos chavistas? Eles também sofrem com a queda dramática nos padrões de vida e a falta de oportunidades para tentar uma vida melhor.

Tudo isso aponta para o motivo do 28 de julho parecer neste momento uma transição inevitável para algo diferente. Uma opção seria a transição democrática. Outra, talvez mais provável, é uma eleição fraudulenta ou um cancelamento da votação — que produziria grande frustração e fúria. Isso poderia ocasionar agitação popular ou outra onda massiva de refugiados que perderam completamente a esperança. Os efeitos de 2 milhões ou 3 milhões de venezuelanos deixando seu país desestabilizariam todo o Hemisfério. Esse movimento ocorreria durante a reta final da campanha presidencial americana, num ano que os eleitores colocam a imigração como o principal problema. E afetaria negativamente países vizinhos e pontos de passagem, como Colômbia, Panamá, México e Brasil. Por esta razão, entre outras, os presidentes esquerdistas do Brasil e da Colômbia têm dado algum apoio para uma resolução eleitoral verdadeira.

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Isso, também, é sinal de que governos de todo o Hemisfério entendem os riscos e o fato de que algum tipo de mudança parece iminente. A Casa Branca e os congressistas americanos deveriam continuar a monitorar cuidadosamente os desdobramentos e a fazer tudo o que puderem para incentivar uma transição democrática na Venezuela. O que ocorrer em 28 de julho e após a eleição influenciará mais o fluxo migratório para o norte do que qualquer muro na fronteira. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Análise por Andrés Gluski

*Gluski é presidente da Americas Society/Council of the Americas

Susan Segal

* Segal é presidente e diretora-executiva da Americas Society/Council of the Americas

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