Vazamento de decisão sobre aborto é desastre para a Suprema Corte; leia análise

Desastre mais nítido é para a própria corte, cujo sigilo foi violado de uma maneira sem precedentes

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Por Ruth Marcus
Atualização:

WASHINGTON POST - “Desastre” não é uma palavra forte o suficiente para descrever o vazamento do rascunho de uma decisão da Suprema Corte que poderá derrubar Roe versus Wade.

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O desastre mais nítido é para a própria corte, cujo sigilo foi violado de uma maneira sem precedentes. Mas na minha visão, o verdadeiro desastre seria derrubar Roe versus Wade — para uma corte que contraria a si mesma depois de afirmar repetidamente o direito ao aborto por mais de meio século e maior ainda para as mulheres americanas, que passaram a confiar no direito ao aborto.

Mas digo “mais nítido” porque não podemos ter certeza se o verdadeiro desastre de fato ocorrerá — se o que foi classificado como “1.º rascunho” da opinião da maioria redigido pelo ministro Samuel Alito que circulou em 10 de fevereiro seguirá sendo a expressão da maioria da corte.

Tenha em mente: maiorias, particularmente em casos importantes como o da nova lei de aborto no Mississippi atualmente em consideração, podem cair. Não sabemos como o site Politico, que revelou a notícia, obteve o documento. Uma teoria — minha principal teoria — é que o vazamento veio do lado conservador, possivelmente do escrevente de algum ministro conservador preocupado com a possibilidade da aparente maioria, pronta para aniquilar o direito constitucional ao aborto, estar se desmantelando.

Uma pista nesse sentido apareceu na semana passada num editorial do Wall Street Journal alertando que o presidente da Suprema Corte, John Roberts, pode estar tentando dissuadir os ministros Brett Kavanaugh ou Amy Barrett de votar para derrubar claramente Roe versus Wade. Roberts ficou famoso ao mudar de ideia depois de votar inicialmente para derrubar o Affordable Care Act, em 2012, e “pode estar tentando dissuadir um outro ministro neste momento”, alertou o Wall Street Journal. “Esperamos que ele não seja bem-sucedido — pelo bem da Corte e do país.”

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O Wall Street Journal afirmou que seu “palpite” é que Alito redigiu a opinião da maioria. Será uma coincidência que o rascunho de Alito tenha então vazado para o Politico — ou será parte de uma mesma campanha para impedir uma defecção de Kavanaugh ou Barrett?

Evidentemente, existem outros possíveis culpados: algum escrevente progressista furioso com a perda dos direitos ao aborto, talvez? Faz menos sentido. Não haveria muito ganho em vazar o rascunho de uma decisão já esperada desde a argumentação oral apresentada em dezembro sobre o caso do Mississippi, que envolve o banimento da maioria das possibilidades de aborto legal após a 15.ª semana de gestação. Alguém acha realmente que uma reação mudaria a cabeça dos ministros conservadores?

Manifestação pelo direito ao aborto nos Estaods Unidos  Foto: Anna Moneymaker/AFP

Não que isso tenha impedido progressistas de elogiarem o vazamento no Twitter.

“Um corajoso escrevente terá dado esse passo sem precedentes, de vazar um rascunho de decisão, para alertar o país sobre o que o espera, numa última tentativa desesperada de ver no público uma resposta que faria a Corte reconsiderar?”, perguntou Brian Fallon, do Demand Justice, um grupo progressista que tem pressionado por uma expansão da corte e outras medidas para refrear a maioria conservadora.

E isso também não impediu os conservadores do Twitter de identificar um escrevente em particular citado por um artigo de 2017 do Politico, de Josh Gerstein, um dos repórteres que revelou o conteúdo do rascunho de decisão juntamente com Alexander Ward.

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Politização

Perdoem-me, mas quem quer que seja a fonte, vazar um rascunho de decisão não é valentia, é traição. Adoro um vazamento como qualquer repórter e louvo o Politico por seu furo, mas ao contrário do Congresso e da Casa Branca, a corte não pode funcionar dessa maneira. Uma coisa é vazar informação depois do fato, a respeito de votos trocados, mas outra coisa completamente diferente é que um produto de ofício judicial chegue aos alertas de breaking news.

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E por mais que eu tema as consequências da atual supermaioria de seis ministros conservadores, não estou preparada para acreditar que a instituição deva ser destruída, o que seria a consequência de uma cultura de vazamentos preventivos.

Tratemos agora do iminente desastre da opinião em si, assumindo que a decisão não se altere. Em determinado nível, sabíamos que isso estava a caminho, certamente após a argumentação oral mostrar outros ministros conservadores aparentemente desinteressados em seguir os esforços de Roberts em forjar um compromisso aquém de uma decisão direta.

Mas antecipar uma calamidade, preparar-se para seu impacto, é diferente de experimentá-la. Ler o rascunho da decisão na noite da segunda-feira foi assustador. “Roe e Casey devem ser anulados, e a autoridade para regular o aborto deve ser devolvida para o povo e seus representantes eleitos”, diz o rascunho, referindo-se também à decisão de 1992 que reafirmou o direito fundamental ao aborto. O texto poderia muito bem ter afirmado: A autoridade para decidir seguir ou não com uma gravidez deve ser retirada da mulher que terá de sustentar a criança e devolvida para a maioria livre impor suas escolhas morais sobre ela.

Estados com mais poder?

A corte já derrubou decisões, mas jamais removeu um direito constitucional existente e definido. Agora, temos toda razão para acreditar que ela está preparada para fazer isso — e de uma maneira que daria aos Estados liberdade máxima. Se o rascunho passar a vigorar, legislaturas estaduais terão liberdade para restringir todo tipo de aborto, sob quase todas as circunstâncias.

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A única restrição será a lei sobreviver ou não ao escrutínio mais estrito de todos: a base racional. Isso não significa quase nada. Os “legítimos interesses” do Estado, escreveu Alito no rascunho, “incluem o respeito e a preservação da vida pré-natal em todos os estágios de desenvolvimento”. Uma lei que impedisse abortos necessários para salvar a vida das mães provavelmente não sobreviveria a um escrutínio racional. É basicamente isso.

Imagine uma adolescente de 13 anos estuprada pelo pai e forçada a dar à luz o filho dele. Imagine a mãe desesperada que não consegue sustentar os filhos que já tem. Imagine a perda de autonomia pessoal.

Há uma possível faísca positiva nessa calamitosa decisão. Alito saiu da linha ao distinguir o aborto de outros direitos similarmente não declarados na Constituição, como acesso à contracepção, sexo homossexual e casamento entre pessoas do mesmo sexo. O aborto, argumentou ele, é “um ato singular”, porque, ao contrário desses outros, implica potencial vida humana.

“Enfatizamos que nossa decisão concerne ao direito constitucional ao aborto e a nenhum outro direito”, escreveu Alito. “Nada nessa decisão deve ser entendido como impingindo dúvidas sobre precedentes que não concernem ao aborto.”

Você pode, talvez, aliviar-se com isso. Ou pode se lembrar que Alito discordou vigorosamente da decisão sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, argumentando que “a Constituição deixa essa questão ser decidida pelo povo de cada Estado”. Se isso soa assustadoramente familiar, é porque deveria. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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